A ação internacional nasceu na Itália em 2016 e tem se espalhado por diversas cidades no mundo
De acordo com levantamento realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) ao menos 10.655 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, entre os anos de 2015 e 2023. Segundo o relatório, o número no país cresceu 1,4% entre 2022 e 2023 e atingiu a marca de 1.463 vítimas no ano passado, indicando que uma mulher é morta por feminicídio a cada 6 horas.
Com o intuito de chamar atenção para este cenário, foi lançado oficialmente, no Brasil, no dia 29 de março, o projeto PanchineRosse – Bancos Vermelhos em português. O projeto é uma ação internacional dos Stati Generali delle Donne (Estados Gerais das Mulheres – Brasil), uma organização da sociedade civil nascida em 2014, na província de Pavia, na Itália.
O projeto Bancos Vermelhos visa conscientizar a sociedade civil e governantes do mundo inteiro para o fenômeno e escalada do feminicídio. Ele teve seu primeiro banco vermelho instalado no Norte da Itália, em 2016, na cidade de Lomello. Atualmente há bancos instalados em diversos países, como Estados Unidos, Espanha, Áustria, Mongólia, Austrália, Ucrania e Argentina.
Conforme aponta a advogada, integrante do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher e coordenadora dos Estados Gerais das Mulheres – Brasil, Denise Argemi, na Itália os dados sobre os feminicídios são imprecisos. Fala-se de 106 assassinatos de mulheres em 2023, dos quais 87 ocorreram no âmbito familiar e afetivo que podem ser identificados feminicídio, que é homicídio por motivação de gênero. Em 55 desses casos o homicida era um companheiro ou ex-companheiro.
Cristina Fabre Rosell, do Instituto Europeo di Uguaglianza di Genere- EIGE, é a principal referência de dados estatísticos sobre feminicídios na Europa, que conduz pesquisas e monitora as políticas sobre violência contra as mulheres. Ela afirma que “precisamos de um mandato legal europeu para a coleta obrigatória e homogênea de dados”.
A euro-deputada Evin Incir, principal negociadora da diretiva da União Europea contra a violência de gênero, explica que “o feminicídio não é um fenômeno raro na Itália, uma mulher é morta a cada três dias, por um homem com o qual está relacionada por motivos familiares ou emocionais“.
De acordo com Denise, o projeto internacional PanchineRosse foi idealizado por Isa Maggi e Tina Magenta, presidenta e vice-presidenta da organização Stati Generali delle Donne e tem marca registrada, por Stati Generali HUB, para evitar que a ação sirva a propósitos político-partidários.
Segundo a advogada, a inspiração do projeto surgiu dos Zapatos Rojos (sapatos vermelhos), cuja ação nasceu de uma iniciativa da arquiteta Elina Chauvet, em 2009, em resposta à onda de desaparecimentos e trágicos assassinatos de mulheres ocorrida na cidade de Juarez-Chihuahua, no México, durante os anos 1990. A artista teve sua irmã assassinada pelo marido. A primeira ação, realizada em uma praça de Juárez, contou com a cooperação de organizações de familiares das mulheres desaparecidas, com a doação e instalação de 33 pares de sapatos vermelhos.
Com relação aos bancos vermelhos, complementa Denise, “simbolizam um lugar vazio deixado por uma mulher, vítima de feminicídio. É um convite a quem passa para sentar-se e refletir sobre a necessidade de ouvir e apoiar as mulheres vítimas de violência”.
O lançamento oficial se deu no final de março, encerrando o mês das mulheres e também pelas declarações do vice-presidente do Conselho e ministro das Relações Exteriores e da Cooperação Internacional da Itália, Antonio Tajani, no Dia Internacional das Mulheres, 8 de março, em Roma, quando anunciou a colocação de um banco vermelho em todas as embaixadas italianas no exterior.
Projeto quer trazer a experiência para o Brasil
No Brasil, paralelamente ao lançamento oficial, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 147/2024, que propõe a criação do “Projeto Banco Vermelho” no âmbito do “Agosto Lilás”.
De autoria da deputada federal Maria Arraes (Solidariedade – PE), o PL propõe a instalação de pelo menos um banco na cor vermelha em espaços públicos de grande circulação de pessoas, onde constarão frases que estimulem a reflexão sobre o tema e contatos de emergência para eventual denúncia e suporte para a vítima.
De acordo com Denise, para a propagação dos bancos vermelhos basta boa vontade e responsabilidade. “Não basta apenas pintar um banco de vermelho, colocar o nome da mulher que foi morta e deixá-lo ali. É preciso cuidar, porque é um símbolo importante que representa uma mulher que foi morta por um feminicida, um homem que dizia amá-la.”
Participaram do evento diversas entidades e movimentos sociais, dentre eles a ABMCJ-RS – Associação das Mulheres de Carreira Jurídica, representado por sua presidenta Neusa Ledesma, o GAMP, de Pelotas, representado pela jornalista Niara de Oliveira, o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, o Mulheres do Brasil, representado por Luciana Betoni, o Levante Feminista contra o Feminicídio, em âmbito estadual liderado pela jornalista Télia Negrão e por Ane Cruz, responsável durante anos pelo “Ligue 180”, do governo federal, criado no Brasil, pela Lei nº 10.714, de 13/08/2003, na primeira legislatura do presidente Luis Inácio Lula da Silva.
“Achei interessantíssimo o projeto dos bancos vermelhos. Valorizo toda e qualquer iniciativa de ação prática ou performática que registre a ausência das mulheres vítimas de feminicídio e denuncie os números alarmantes, aqui ou em qualquer lugar do mundo”, ressaltou Niara de Oliveira.
Para ela, a instalação dos sapatos vermelhos, por exemplo, é mais pontual e efêmera, embora impacte bastante, e nesse mesmo sentido os bancos vermelhos resolvem a questão da efemeridade prolongando o impacto por mais tempo. “Tanto o faz o símbolo, se os girassóis do Levante Feminista Contra o Feminicídio ou os Bancos Vermelhos, importa é comunicarmos à sociedade que não suportamos mais sermos assassinadas apenas por sermos mulheres. Memória é um substantivo feminino, assim como luta, justiça, resistência”, afirmou.
Para Télia Negrão, os bancos vermelhos são importantes sinalizadores de um problema que se vive hoje, uma escalada de violência sem que haja a devida mediação do Estado no seu papel de proteção dos direitos e da omissão da sociedade.
“O Levante acha uma boa iniciativa e estaremos lado a lado para dar potência a esse trabalho. Esperamos com isso alertar a sociedade sobre a importância da luta pelas políticas públicas e ao Estado sobre as consequências de sua ausência quando se vive em estruturas patriarcais tão perversas.”