Aneel libera empréstimos de R$ 10 bi para distribuidoras de energia que serão repassados ao consumidor com juros. No total, brasileiros já devem R$ 40 bi, que irão pros bolsos de acionistas
Nos próximos cinco anos os consumidores brasileiros vão pagar R$ 40 bilhões a mais nas contas de luz para que as distribuidoras de energia que operam no país mantenham seus rendimentos e distribuam os lucros com os acionistas.
A manobra que ataca, mais uma vez, o bolso já desvalido do consumidor, é simples. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que regula o setor, libera a tomada de empréstimos pelas distribuidoras, que alegam prejuízos. O valor do empréstimo captado junto aos bancos é repassado com juros nas contas do consumidor num período maior, para que o impacto no valor da conta de luz seja menos sentido, pelo menos para alguns, os que têm altos salários e rendimentos.
É desta forma que a agência reguladora, vinculada ao Ministério de Minas e Energia tem garantido a rentabilidade das distribuidoras de energia com prejuízo ao consumidor.
“O consumidor brasileiro paga uma das tarifas de energia elétrica mais caras do mundo e ainda possui compromissos financeiros a saldar com as multinacionais do setor”, diz Gustavo Teixeira, economista que assessora o Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE).
“As medidas que a Aneel diz que vem adotando para o equilíbrio financeiro são, na verdade, para elevar a rentabilidade dessas empresas e não para impedir que o consumidor seja prejudicado”, complementa o economista do CNE.
Segundo Gustavo Teixeira, a maioria das distribuidoras tem entre seus acionistas o mercado financeiro que ganha duas vezes. “A Enel, por exemplo, tem como acionista o governo italiano com 30%, a maior parte do restante é de fundos de pensão. Quando os bancos fazem empréstimos com juros, eles recebem pelo valor e recebem pelos dividendos das ações que possuem”, explica.
A holding italiana de energia elétrica Enel divulgou na semana passada lucro líquido de 3,19 bilhões de euros em 2021, alta de 22,2% ante o ano anterior, segundo o jornal Valor Econômico. A receita, diz a reportagem, cresceu 33% na mesma base de comparação, para 88,01 bilhões de euros.
Feito esse parêntese sobre os lucros da privatizada que deixa os paulistanos dias e dias sem energia, voltemos a explicação do economista do CNE.
Normalmente esses empréstimos feitos pelas distribuidoras de energia são feitos por um consórcio de bancos tanto os públicos como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, como os privados como Santander, Itaú etc.
Outro ponto que o economista destaca que prejudica o consumidor são as bandeiras de consumo: verde, amarela, vermelha e vermelha patamar 2, da “crise hídrica”, uma quarta bandeira criada no ano passado quando os reservatórios das hidrelétricas estavam à beira de um colapso por falta d’água.
“Na época em que o governo acionou a bandeira vermelha patamar 2 – da crise hídrica, decidiram que quem economizasse mais energia pagaria menos, ocorre que quem pagou esses “descontos” foram os demais consumidores que não conseguiram economizar.
Ou seja, a conta é sempre nossa. As empresas nunca perdem”, diz Teixeira. Segundo ele, é desta forma também que a Aneel tem respondido aos problemas de oferta de energia ao acionar as usinas termoelétricas, cujo quilowatt hora é mais caro, por serem movidas a combustível e não água, como as hidroelétricas. Em 2021, as empresas disseram que houve prejuízo financeiro, por causa da seca que obrigou o acionamento das termoelétricas e, que em 2020 a causa foi a pandemia, e por isso precisavam de reequilíbrio econômico.
“Toda vez que há uma queda de demanda, como foi no caso da pandemia, as empresas procuram a agência reguladora, reclamando de falta de rendimentos”, afirma o economista.
E nós é que bancamos o aumento dos rendimentos dessas empresas. Os acionistas só saem ganhando. Estamos pagando o custo da pandemia mais os juros da conta Covid, além do custo da crise hídrica – Gustavo Teixeira.
Os lucros bilionários
Teixeira se baseia nos dividendos que pagam as empresas operadoras de concessões de serviço público de energia elétrica. Entre 2010 e 2020 foram R$ 120 bilhões (valores históricos) distribuídos na forma de dividendos e juros sobre o capital próprio. Em 2020, o volume de dividendos distribuídos pelo conjunto das empresas de capital aberto do Brasil registrou queda de 30%, ao passo que no setor de energia elétrica o volume de dividendos cresceu 4,6%.
A Eletrobras, em seu balanço patrimonial de 2020 constam cerca de R$ 30 bilhões em reservas de lucros, resultado em parte da própria previsão estatutária de reserva de lucro líquido para investimentos.
Em 2021, ano de crise econômica e social agravada pela pandemia do coronavírus, o caixa e equivalente consolidado do grupo somou R$ 12 bilhões. Os dividendos pagos aos acionistas alcançaram R$ 4,5 bilhões. Por sua vez, os recursos direcionados à investimento foram bem mais tímidos, da ordem de R$ 3 bilhões.
Os empréstimos bilionários que nós pagamos
Um levantamento feito pelo economista do CNE mostra que em 2020, diante da crise agravada pela pandemia foram várias medidas adotadas, dentre elas a suspensão de cortes no fornecimento de energia e foi contratado um novo empréstimo de R$ 15 bilhões, “conta covid”, principal mais juros.
O consumo de energia elétrica caiu somente 1,6%, as receitas das distribuidoras foram mantidas e os lucros das elétricas seguiram avançando em 2020 e 2021.
Somente a Neonergia, controladora de cinco distribuidoras, a receita operacional avançou 13% em 2020, saltando de R$ 27,6 bilhões para R$ 31,1 bilhões, e o lucro líquido 26% (R$ 2,2 bilhões para R$ 2,8 bilhões). Em plena pandemia o grupo distribuiu R$ 745 milhões na forma de dividendos e JCP. Em 2021 o lucro líquido da Neonergia foi de R$ 4 bilhões.
Em 2021, o país passou por outra crise hídrica, provocando novos aumentos nos custos de energia. Foi criada bandeira de escassez hídrica que arrecadou R$ 20,7 bilhões exatamente dos consumidores por meio das contas de luz . Apesar da crise, o consumo de energia elétrica cresceu 5,6%.
Para o próximo ano está previsto um novo empréstimo de cerca de R$ 10 bilhões a fim de cobrir custos extras com energia e outras medidas Desta vez ,o fator utilizado pelas empresas é a inflação medida pelo IGP-M (índice referência dos contratos das concessionárias), que influenciada pela desvalorização cambial se elevou significativamente, implicando em reajustes tarifários acima de dois dígitos nas contas de luz em algumas regiões.
Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Fonte: SEEB do RJ
Escrito por: Rosely Rocha | Editado por: Marize Muniz