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Se você já trabalhou em alguma empresa com mais de cem funcionários, com certeza encontrou algum colega com deficiência física ou intelectual. Se não, a companhia pode ter cometido infração contra a Lei nº 8.213, de julho de 1991, também conhecida como Lei de Cotas, que obriga o preenchimento de 2% a 5% das vagas do quadro de funcionários com reabilitados ou com deficiência.
Apesar de existir desde 1991, esta lei foi regulamentada nove anos depois, quando trouxe a questão da fiscalização sobre o cumprimento. Ainda neste momento, a regra não especificava quais as deficiências estariam inseridas, o que foi finalmente estabelecido em 2004, quando, assim, a Lei de Cotas ficou mais redonda, preenchendo “buracos” que eram usados por empresas para recorrer a não contratação. Dessa forma, o Brasil começou a aplicar as regras com mais eficácia, evoluindo o tema ao longo dos últimos doze anos.
De acordo com Carolina Ignarra, consultora de inclusão em São Paulo, os bancos são, hoje, os mais bem preparados em relação ao tema, já que foram os primeiros exigidos pela lei de cotas. A consultora de inclusão, que é cadeirante, destaca que grande parte deles já possui o quadro de funcionários com deficiência preenchido, contando com milhares de empregos.
No entanto, há muito que ser feito pela garantia dos direitos desse público. Afinal, contratar uma pessoa com deficiência não deve ser apenas algo quantitativo, mas também qualitativo. Ou seja, é preciso o preparo de todos para a convivência, assim como a garantia de igualdade de condições, cobrança, reconhecimento e tratamento. Tudo isso é citado pela Normativa 98, que faz a fiscalização pela qualidade da contratação (e não só pelos números).
“Há uma preocupação se essas pessoas estão sendo, realmente, aproveitadas e reconhecidas como qualquer outro trabalhador dentro da empresa. Algo muito pouco falado e conhecido é a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), que também reforça a qualidade da inclusão e a ampliação de todas as deficiências, que ainda é restrito”, explica Carolina.
Ainda segundo a consultora de inclusão, a lei de cotas abrange o direito a todos os tipos de deficiência (física, visual, auditiva e intelectual), mas ainda há uma preferência das empresas na contratação por pessoas com deficiência ‘menos impactantes’. Assim, existe uma maior busca, por exemplo, de deficientes físicos, enquanto aqueles com deficiência intelectual são os menos procurados.
“Não gosto de falar sobre a severidade das deficiências, foco mais no impacto. Então, percebemos que existem algumas deficiências que, talvez, não exijam muito esforço de convivência ou preparo da empresa, o que gera uma preferência”, afirma.
Apesar de muitas pessoas ainda tratarem o assunto como realidade distante, 6,2% dos brasileiros têm algum tipo de deficiência, segundo dados do IBGE de 2015. Desta população, mais de 352 mil já estão inseridos no mercado de trabalho em todos os estados do país, de acordo com os dados da Rais 2013 e Caged 2014, até setembro. Contudo, outras milhares ainda aguardam a inclusão no mercado de trabalho.
Podemos falar sobre evolução deste cenário, segundo Carolina Ignarra, especialmente quando consideramos a imagem da pessoa com deficiência, que é cada vez menos estigmatizada no sentido de uma suposta incapacidade ou mesmo invalidade. Porém, há muitos paradigmas a serem quebrados ainda – especialmente porque o desconhecimento sobre as condições de cada deficiência é fruto de uma censura sobre o assunto que nos acompanha há anos.
“Conviver com pessoas com deficiência pode ser uma novidade para grande parte das pessoas. Nós fomos limitados a falar sobre isso, quando éramos crianças e nossos pais não queriam nos explicar sobre aquela pessoa que arrasta a perna, por exemplo. Porém, sem entendimento não há respeito. Então, temos de desmistificar para conviver em uma empresa e é convivendo que entendemos esta realidade”, finaliza.
Aliás, dentro da questão da qualidade do trabalho, é essencial que as empresas distribuam as responsabilidades de todos os funcionários em todas as áreas sobre a inclusão: não só apenas o RH deve fazer este trabalho, o que seria impossível.
Para todos
A regra é clara: não há argumento para descumprir a Lei de Cotas, uma vez que ela se dirige a todas as empresas – em qualquer setor, inclusive aqueles que possuem mais riscos, como o siderúrgico -, sem exceções. Isso porque a Justiça entende que sempre há funções possíveis de serem cumpridas por este público.
O Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho fiscalizam isso de perto. A advogada trabalhista Priscilla Pereira Moreira explica que os próprios funcionários podem denunciar o descumprimento da empresa – que poderá ser multada. “Dependendo da gravidade, são encaminhados avisos para a regularização da empresa. Caso não haja mudanças, as multas são aplicadas. A quantidade pode variar muito, podendo chegar a milhões de reais”, diz.
Ainda de acordo com a advogada, a multa é calculada por funcionário com deficiência não contratado (um valor que chegou a R$ 2 mil mensais em 2013). Há alguns anos, a Ford, por exemplo, já foi multada em R$ 4 milhões por este descumprimento.
Sobre as porcentagens exigidas na legislação, podemos dizer, resumidamente, que quanto maior o número de empregados houver em uma empresa, maior a porcentagem de funcionários contratados pela Lei de Cotas. Ou seja, uma companhia de 1.001 funcionários terá 5% de funcionários com deficiência, enquanto outra menor, com cem trabalhadores, deve oferecer as cotas a, pelo menos, 2% do total. Mas, vale lembrar que esta porcentagem conta com aquelas pessoas que sofreram um acidente de trabalho e que são, assim, inclusos na reabilitação e readaptação.
“Muitas empresas ainda têm dúvida sobre isso, mas no quadro de cotas também se inserem aqueles que estão em reabilitação. Se o empregado teve uma incapacidade permanente, mas parcial, deverá ser colocado em outra função, mas o salário deverá ser o mesmo que ele estava ganhando antes do acidente”, lembra Priscilla.
Além disso, ela lembra que os 2% a 5% garantidos na lei de cotas se referem ao total de funcionários – não por filial. Ademais, o sistema de cotas prevê que um empregado somente poderá ser dispensado se tenha um substituto em condição semelhante para a mesma vaga.
Como contratar portadores de deficiência?
Muitos empregadores usam o argumento de “ser difícil encontrar” pessoas com o perfil para as vagas de cotas. Tudo bem, realmente existem algumas dificuldades relacionadas à capacitação profissional de deficientes que, além do preconceito, enfrentam dificuldades de acesso ao transporte e vias públicas, o que atrapalha na hora de se especializar para o mercado.
As estatísticas mostram essa falha: 61% da população com deficiência não têm ensino médio e somente 6,7% têm ensino superior. Em contrapartida, houve um crescimento de cerca de 1000% maior de deficientes nas universidades nos últimos anos.
Outra falha no sistema de contratação pela lei de cotas está na comunicação entre empresas, sindicatos e a Secretaria da Fiscalização do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego. Porém, há instituições disponíveis que fazem esta ponte entre contratante e contratado, sendo ONGs e empresas privadas – trabalho este que inclui o da consultora social Carolina, por exemplo. O recrutamento, assim, pode ser feito com mais garantias e mais facilmente.
Quem pode ser considerado deficiente?
O Decreto 3.298/1999 considera deficiência toda perda ou anormalidade de uma estrutura, função psicológica, fisiológica ou anatômica que gera incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.
Entenda os números
A Lei exige que toda empresa de grande porte – com cem ou mais empregados – deverá preencher de 2% a 5% por cento dos seus cargos, com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência habilitadas, na seguinte proporção:
De 100 a 200 empregados – 2%
De 201 a 500 empregados – 3%
De 501 a 1.000 empregados – 4%
De 1.001 em diante – 5%
Fonte: Brasil Econômico