Para Eduardo Fagnani, projeto do governo Temer é excludente, torna a aposentadoria inalcançável e penaliza ainda mais mulheres, trabalhadores rurais e aposentados pelo BPC.
Mesmo com as alterações propostas pela Câmara, o projeto de reforma da Previdência enviado ao Congresso Nacional pelo governo Temer torna a aposentadoria impossível para a grande maioria dos brasileiros. O alerta é do economista e professor da Universidade de Campinas (Unicamp) Eduardo Fagnani. “As regras que serão votadas ainda são superiores às praticadas em muitos países desenvolvidos, incomparáveis quanto às condições de trabalho e os indicadores socioeconômicos e demográficos do Brasil. São regras mais severas, absolutamente incompatíveis com a realidade do mercado de trabalho brasileiro, que irão se agravar com a terceirização e a reforma trabalhista. E as regras de transição são, na verdade, regras de interdição. Isso penaliza a mulher, penaliza o rural, e o aposentado pelo BPC sofre uma crueldade ainda maior”, disse o economista.
Fagnani afirma que as mudanças para tornar o texto mais “palatável” são mudanças “cosméticas”: “Eles reduziram a idade mínima da mulher [62 anos], dos rurais [60 anos para homens e 57 para mulheres], mas mantiveram um tempo de 25 anos de contribuição. Aí não muda nada! O maior problema pra mim é esse, porque 80% das pessoas não conseguem chegar a isso. Há pouca gente que chega a 25 anos de contribuição, e eu estou te falando isso antes da terceirização e da reforma trabalhista. O Dieese mostra que, em média, o trabalhador só consegue contribuir 9 meses a cada 12, por conta da informalidade, que já chegou a 50%, e por conta da rotatividade. E a terceirização amplia a rotatividade, dobra na verdade.”
A reforma trabalhista, aponta o economista, também dificultará a capacidade de contribuir do trabalhador porque “vai criar empregos temporários, de curta duração e com prazo determinado, e tudo vai ampliar essa dificuldade de a pessoa ficar 25 anos contribuindo. Se o cara contribui durante 9 meses em 12, então ele vai precisar de 33 anos para completar os 25 de contribuição.”
Ele lembra que toda essa dificuldade é para ter direito a 75% do benefício, e que para o benefício integral é pior ainda: “Ele propuseram substituir aqueles 49 anos por 40, mas isso é excrescência, é uma piada de mal gosto. É impossível, é impossível pelas condições do mercado de trabalho atual, e será ainda mais impossível com as reformas, alguém conseguir chegar a 40 anos de contribuição. Eles estão se divertindo com isso!”
Corrida de obstáculos
A nova regra de transição, segundo o professor, também é inatingível. “É um escárnio total. Ela começa para mulheres de 53 anos e homens de 55, só que isso vai mudando um ano a cada dois anos a partir de 2020. Ou seja, a mulher de 53 anos, ao chegar em 2020, quando ela estiver quase para se aposentar, vai precisar de 55, e o homem, 57. Aí quando chegar em 2022, vai precisar de 57. E depois de dois anos, ela está quase lá, aí vira 59. É uma corrida de obstáculos que você já sabe que vai perder, e não termina aí: além dessa mudança de idade, o tempo de contribuição, que hoje é de 15 anos, na regra de transição sobe 6 meses a cada ano, até chegar em 25 anos. Então se você tiver 55 anos de idade e 14 de contribuição, não vai conseguir se aposentar aos 57, porque já não serão mais 15 anos de contribuição, e sim 16. Aí no fim do ano já não serão exigidos 16, e sim 17.”
Idade mínima
Ele destaca que a idade mínima também sobe. “Sempre que a expectativa de sobrevida aos 65 anos aumentar um ano, a lei muda automaticamente a idade mínima na mesma forma. Hoje a sobrevida fica em torno dos 18 anos. Então até a pessoa que está ganhando aquela corrida de obstáculos, na hora que falar “agora eu vou!”, não vai conseguir, porque aumentou a idade mínima. A expectativa de vida no Brasil aumenta um ano a cada 5 ou 8 anos, então daqui a 20, nós já podemos ter uma idade mínima de 67. É uma prova de obstáculos em que você sempre perde. Não é uma regra de transição, é uma regra de imposição dos 65 anos com 25 de contribuição, e que pode subir a qualquer momento.”
Trabalhador rural
Fagnani diz que apesar de a idade mínima para homens (60 anos) e mulheres (57 anos) do campo ter baixado, o texto estabelece 15 anos de contribuição mensal para o agricultor familiar, o que também inviabiliza sua aposentadoria. “Eles estabeleceram, para esse trabalhador, 15 anos de contribuição mensal, ou seja, não mais sobre a produção. Mas o trabalhador da agricultura familiar não tem dinheiro para pagar o INSS todo mês. Ele funciona de acordo com a safra, ele planta, capina, rega, colhe, armazena e vende. Aí ele tem dinheiro uma ou duas vezes por ano, e paga as contas dele. Ele não guarda dinheiro na poupança, então ele não vai contribuir 15 anos. Ele não consegue, então não vai. E aí ele não vai ter proteção, você vai ter um monte de velhos vagando por aí, morrendo embaixo da ponte. 15 anos de contribuição mensal, para o rural, é um absurdo.”
BPC
Mais vulneráveis também ficarão de fora: “O que eles estão fazendo com o BPC [Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social] é uma crueldade. Agora eles abaixaram a idade mínima de 70 para 68 anos. Mas o que é o BPC? É a pensão das pessoas que não conseguiram contribuir para a Previdência e que têm até 1/4 de salário mínimo como renda familiar per capta. O cara tem que ganhar menos de R$ 234, aí pode ter um benefício assistencial, contando aí os portadores de deficiência. Os atendidos pelo BPC são as pessoas mais vulneráveis da sociedade, que normalmente não vivem até os 68, 70 anos. Antes era 65 anos.”
Governo elitista
O economista conclui que a reforma é feita para tirar ainda mais dos pobres e manter os privilégios dos ricos. “Nós estamos assistindo a um negócio chamado ‘luta de classes’: tem uma classe, ela tomou o poder e está fazendo todo o possível para preservar o seu status quo. Em função disso, não mexem no próprio bolso. O agronegócio, por exemplo, continua sem contribuir com a Previdência Rural, mesmo sendo 50% das exportações brasileiras. Tem toda essa questão das entidades beneficentes, que continuam com milhões em isenção, e ninguém mexeu aí.”
E apresenta dados: “Por ano, se retira R$ 160 bilhões por conta de isenções, e ninguém mexeu nisso. Por ano, é desviado do orçamento da Seguridade R$ 120 bilhões, e ninguém mexeu nisso. E não há nenhum aceno para uma reforma tributária que reveja essas coisas. Mas isso não vai mudar, eles não deram um golpe desse tamanho para correr riscos!”
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Crédito: Adriano Trindade
Fonte: SEEB SP