Para ser apresentada e começar a tramitar, proposta precisa de 171 assinaturas
Ganhou fôlego, na Câmara dos Deputados, a medida que prevê o fim da jornada de seis dias de trabalho para cada dia de folga, chamada de escala 6×1. O texto ainda não foi formalmente protocolado porque, por se tratar de uma proposta de emenda constitucional (PEC), precisa de 171 assinaturas de parlamentares para começar a tramitar, mas vem ganhando maior capilaridade entre os grupos políticos. Com novas adesões obtidas nesta terça-feira (12/11), a lista de signatários subiu para 139.
“Nós vamos procurar [os parlamentares] e dialogar com cada deputado e deputada que ainda não assinou a PEC para que assine até amanhã. E aqui eu estou falando de deputados que têm sensibilidade, que têm humanidade. Alguns ainda não assinaram e tem outros que nem adianta [buscar] porque sempre atuaram contra os trabalhadores. Tenho muita convicção de que a gente consegue essas assinaturas para protocolar esta PEC ainda esta semana e, a partir disso, [espero] que esta Casa possa votar esse tema com rapidez”, disse Guilherme Boulos (PSOL-SP), em pronunciamento feito no plenário na noite desta terça (12/11).
Na Câmara, a PEC é capitaneada pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP) e partiu do movimento Vida além do trabalho (VAT), iniciado pelo vereador eleito do Rio de Janeiro (RJ) Ricardo Azevedo. O psolista iniciou uma mobilização nas redes sociais que angariou cerca de 1,5 milhão de assinaturas em prol de um abaixo-assinado pelo fim da escala atual de trabalho. O alcance do movimento fez com que a proposta chegasse ao Congresso por meio da PEC, que tem obtido assinaturas de membros de diferentes partidos.
Na lista dos 139 apoiadores, há deputados das siglas Psol, Rede, PT, PCdoB, PDT, PSB, Solidariedade, Podemos, Avante, MDB, PSD, PSDB, União, PP, Republicanos e PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, cujo grupo político ajudou a aprovar um conjunto de medidas antitrabalhistas nos últimos anos. A PEC também já contabiliza críticos. Entre os nomes que rejeitam a proposta estão Nikolas Ferreira (PL-MG), para quem o texto foi “terrivelmente elaborado”, e lideranças da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), grupo que reúne mais de 250 deputados.
“É uma irresponsabilidade. Acabamos de chegar a um meio-termo em relação à desoneração da folha [de pagamento], que voltará a ser cobrada, e aí aparece uma segunda bomba”, criticou o presidente da FPE, Joaquim Passarinho (PL-PE), que nesta terça chegou a dizer também que a PEC seria “uma bomba para o Congresso”. Políticos que se opõem à PEC também tentaram mobilizar apoiadores nas redes sociais nos últimos dias, quando as menções à proposta ganharam destaque em diferentes plataformas. O principal aspecto mencionado por essa ala política é o de que a redução da jornada trazia impacto negativo na economia nacional.
O deputado Guilherme Boulos reagiu às manifestações. “O argumento de que isso vai atacar as empresas e destruir a economia é o argumento que usavam décadas atrás ou um século atrás, quando se implementou o salário mínimo ou as férias, ou o décimo terceiro. Tudo isso de direitos foi implementado, e não se destruiu a economia. Aliás, a redução da jornada tem sido implementada em vários países do mundo sem redução da produtividade”, disse o psolista, ao afirmar ainda que a oposição à PEC é travestida de falta de alinhamento de parte do Congresso aos anseios populares.
“É muito fácil apontar o dedo e dizer que quem não quer trabalhar por 6×1 que se demita e procure outro emprego quando se tem tempo livre com a família, como todos aqui têm. Esse ataque que está sendo feito com palavras nas redes sociais é lamentável e só mostra o preconceito, a ‘povofobia’, a irresponsabilidade com os trabalhadores que vários aqui têm.”
Conteúdo
O texto da PEC altera o artigo 7º da Constituição para inserir a previsão de jornada de trabalho de quatro dias por semana no Brasil. O texto estabelece uma “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, sendo facultadas a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”. Na justificativa da PEC, Erika Hilton afirma que a proposta “reflete um movimento global em direção a modelos de trabalho mais flexíveis aos trabalhadores, reconhecendo a necessidade de adaptação às novas realidades do mercado de trabalho e às demandas por melhor qualidade de vida dos trabalhadores e de seus familiares”.
“É de conhecimento geral que a jornada de trabalho no Brasil frequentemente ultrapassa os limites razoáveis, sendo a escala de trabalho 6×1 uma das principais causas de exaustão física e mental dos trabalhadores. A carga horária imposta afeta negativamente a qualidade de vida dos empregados, comprometendo sua saúde, bem-estar e as relações familiares. Em razão desses fatores, deve-se reavaliar as práticas de trabalho que afetam a saúde e o equilíbrio entre vida profissional e pessoal”, acrescenta a deputada.
Caso obtenha o número de 171 assinaturas e comece a tramitar, a PEC precisará passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e por uma comissão especial, à qual caberá a avaliação de mérito do texto. Na sequência, a proposta precisa ser submetida a dois turnos de votação em plenário, onde são exigidos 308 votos – o equivalente a três quintos da Casa – para que siga adiante. Caso receba aval dos deputados nas duas votações, a PEC segue para o Senado. Se for finalmente aprovada por deputados e senadores, a medida deve entrar em vigor dentro de 360 dias após sua promulgação, segundo prevê o texto.
Cenário
A discussão sobre a PEC também chegou a outros redutos da política. No âmbito sindical, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) disse, em nota publicada nesta terça (12), que defende o conteúdo da PEC. “Avançar na proposta de redução das jornadas de trabalho sem redução salarial é reconhecer e apontar soluções para problemas históricos gerados pelo capitalismo, visto que as tecnologias sempre eliminaram empregos e a ganância dos capitalistas sempre precarizaram as relações de trabalho”, afirma a entidade.
“Atualmente, os novos arranjos de investimentos já não mobilizam a capacidade produtiva na intensidade em que precisa gerar postos de trabalho, além de dirimir padrões de trabalho tradicionalmente associados às ocupações. A redução das jornadas de trabalho contribui sobretudo no sentido de apresentar uma saída para o problema estrutural de falta de trabalho e postos de trabalhos decentes a toda força de trabalho disponível”, acrescenta o texto.
No âmbito do governo Lula, a PEC não conta com um discurso unificado. O vice-presidente da República, Geraldo Alckmin (PSB), disse que o assunto ainda não foi foco de debate no âmbito da gestão, mas destacou que “a mudança é uma tendência no mundo todo”. De outro lado, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, afirmou, em nota publicada na segunda (11), que a medida precisaria ser negociada entre trabalhadores e empregadores. “O MTE acredita que essa questão deveria ser tratada em convenção e acordos coletivos entre empresas e empregados. No entanto, a pasta considera que a redução da jornada de 44 horas semanais é plenamente possível e saudável, diante de uma decisão coletiva”, disse, sem emitir um posicionamento mais direto em prol da medida.