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O governo Dilma entra na era das privatizações escancaradas

25 de maio de 2011

A privatização de bens públicos apareceu mais cedo do que se esperava no governo de Dilma Rousseff, eleita pelo PT, o partido que foi tradicionalmente um crítico contumaz da venda do patrimônio público na gestão de FHC. A novidade em relação ao governo ‘popular’ anterior de Lula é que os anúncios de venda, ao que parece, serão feitos de forma mais direta, dispensando os subterfúgios e camuflagens verbais, tão ao gosto do presidente-operário e bastante comuns no período em que presidiu o país.
 
A Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas 2016, quando o país terá de mostrar que tem condições de se organizar no nível do seu atual status global, são uma ótima justificativa para o acirramento de uma conduta que, obviamente, não é nada nova. E a grande bola da vez são os aeroportos, cuja administração e expansão vêm sendo regularmente citadas, desde o início do mandato de Dilma, como passíveis de entrega à iniciativa privada.
 
Para discutir o assunto, o Correio da Cidadania entrevistou o deputado federal do PSOL Ivan Valente, para quem o governo segue o mesmo ‘caldo de cultura’ visto na privatização de outros serviços essenciais. Valente afirma que o mercado só irá se interessar pelos aeroportos altamente movimentados e lucrativos, relegando as regiões mais distantes dos principais eixos econômicos. Descrente quanto à política de concessões e privatizações, dizendo se tratar de lobby pesado que há tempos ronda os governos, o deputado enfatiza que agora vivemos, realmente, um momento de “escancaramento das privatizações”. Elas deverão marcar todo o governo Dilma, sob as pressões, evidentemente, dos grandes eventos e do clima de chantagem que os circula.
 
O deputado alerta ainda para os perigos envoltos na aceleração descontrolada de políticas que requereriam prazo muito mais longo, estratégicas para toda a organização futura do país. Nesse sentido, “A MP 521/10 – que pretende facilitar os processos licitatórios de todas as obras voltadas à Copa do Mundo e Olimpíadas – vem ao gosto das grandes empreiteiras e do grande capital monopolista”. Ele não refuta a hipótese do quarto aeroporto em São Paulo, mas lembra da necessidade de maior planejamento e integração de toda a malha de transportes.
 
Como você analisa os planos do governo de conceder a administração e construção de novos terminais aeroportuários à iniciativa privada, inclusive às próprias companhias que já dominam o mercado?
 
Ivan Valente: Eu diria que é o escancaramento das privatizações do governo Dilma. A privatização da Infraero e dos aeroportos brasileiros, e também a submissão às pressões em atender às tais demandas dos megaeventos, são todos álibis para justificar a concessão que está se buscando, dando à iniciativa privada mais essa oportunidade. Acho que precisa sair em letras garrafais: o governo Dilma entra na era das privatizações escancaradas.
 
Já entrou na verdade, pois deu concessões em estradas federais, fez leilões de poços de petróleo, vendas de banco etc. Mas pegar um setor estratégico e privatizá-lo de forma tão descarada é algo meio novo, antes havia certo pudor, hoje já não há mais. A idéia vem para agradar a mídia e os grandes grupos financeiros, promovendo também mais um retrocesso político.
 
Nesse sentido, como vê a MP 521/10, que pretende facilitar os processos licitatórios de todas as obras voltadas à Copa do Mundo e Olimpíadas, abrangendo, dessa forma, toda e qualquer obra nas cidades sedes?
 
Ivan Valente: Essa Medida Provisória é atentatória à lógica da transparência do Estado. Em nome de acelerar as obras, de ter grandes condições de viabilizar os eventos, viola-se a Lei de Licitações, facilitando aditivos em contrato, aceleração de contratos sem a devida verificação… Isso tudo vem ao gosto das grandes empreiteiras e do grande capital monopolista, de forma geral. Essa lógica de burlar a própria legislação para acelerar projetos certamente levará a casos de corrupção, de malversação de fundos, encarecimento de obras…
 
Tanto que o MPF (Ministério Público Federal) mandou ao PSOL uma nota técnica. Estamos analisando a nota, mas já vimos que o MPF está prevenido com relação a essa MP, com vistas a questionar sua constitucionalidade. E o nosso partido já se posiciona contra. Até porque ela vem embutida de uma chantagem política: “se não aprovar, é responsável pelas obras não estarem prontas no começo dos eventos”. Mas não aceitamos essa pressão, chantagem, e entendemos que o Estado brasileiro teria condições de: 1) não privatizar aeroportos; 2) não flexibilizar legislações.
 
Em resumo, entendemos que é uma concessão brutal do governo aos grandes interesses econômicos por trás de tudo.
 
Em entrevista do início do ano, Carlos Camacho, do Sindicato dos Aeronautas, afirmou não ver tanto problema em PPPs, Parcerias Público-Privadas, em si no gerenciamento de aeroportos. Camacho destaca que elas ocorrem de forma satisfatória em alguns países e poderiam vir a atender a demanda de expansão aérea do país, caso partissem de uma visão estratégica, que integrasse os pequenos aeroportos – algo do qual ele não estaria, no entanto, tão seguro. O que pensa disto?
 
Ivan Valente: Exatamente essa é a questão. Assim como na privatização da telefonia aqui no país, e agora também na discussão da expansão da banda larga, a privatização virá acompanhada de um grande apetite das empresas para tomarem conta dos aeroportos super lucrativos e de intenso movimento, mas não de toda a malha aérea e seus aeroportos. Por isso que, quando tinha a Telebrás, havia o chamado subsídio cruzado. Tínhamos alguns locais muito lucrativos, assim como empresas estaduais, tal como a Telesp, ao passo que outras regiões, como o Norte e Nordeste e no interior em geral, não eram atendidas.
 
Agora, no plano de expansão da banda larga, vemos a mesma coisa. O Estado entra com todo o sistema tronco da Eletrobrás e, em vez de criar e dar vida à estatal que idealizou, levando a banda larga até a ponta, vai entregar o filé para as empresas de telefonia. E elas farão a banda larga chegar a novos locais com preços elevados, afinal, como bem sabemos, as tarifas são caríssimas.
 
Na questão dos aeroportos será igual. Eles não têm interesse naqueles pouco lucrativos, com pouco movimento. Só estarão de olho nos aeroportos de alta taxa de ocupação. É isso que acontece quando a iniciativa privada entra. Ela visa o lucro, não visa dar respostas à estratégia e necessidade nacionais.
 
Por isso que o entrevistado de vocês não acredita muito que a prática será positiva, porque o Brasil já tem experiências negativas.
 
O que você pensa da Infraero, também alvo de objetivos de privatização? Acredita que possa ser privatizada?
 
Ivan Valente: Certamente. Em primeiro lugar porque há uma política geral de desgaste da Infraero, que pode ser vista através da mídia. Há de fato um grande cabide de empregos e grande interferência de militares. Porém, não se administra uma estatal ao mesmo tempo em que se fica dando sinalizações de privatizações. É certo que ela já existe na Infraero, na forma de terceirizações, quarteirizações, mas há uma pressão pela privatização, em nome daquela dita eficiência do mercado.
 
A construção de um novo aeroporto em São Paulo, idéia que chegou a ser cogitada para o município de Caieiras e logo depois rechaçada, parece ter voltado à baila. Camacho, acima citado, considera esta uma alternativa absolutamente irracional, em função da saturação urbana em São Paulo e arredores, inviabilizando uma obra da magnitude de um aeroporto. O que pensa disto? Acredita que vá sair do papel essa idéia?
 
Ivan Valente: Na verdade, o planejamento estratégico e viário da maior e mais urbanizada metrópole do país é um caos absoluto. Não há um trem de alta velocidade entre Viracopos e São Paulo. Não tem metrô pra Guarulhos. E falam num trem bala de 35 bilhões de reais, cuja passagem custaria 300 reais, um valor superior ao de uma passagem aérea entre Rio e São Paulo. Uma irracionalidade.
 
Dessa forma, precisa se pensar conjuntamente em malha viária (ainda mais com a lógica do automóvel que reina irracionalmente em São Paulo) e, especialmente, ferroviária.
 
Por outro lado, não tenho um quadro exato da expansão aérea. Mas se fosse feito um trem rápido de Viracopos pra São Paulo muita coisa seria facilitada. Fazer um quarto aeroporto na região metropolitana de São Paulo não é simples, precisa ver bem o local, as condições… É preciso estudar a utilização de Viracopos, que ficou muito tempo apenas como cargueiro, mesmo tendo algumas condições até melhores que Guarulhos e Congonhas, que se localiza no meio da cidade e está totalmente saturado.
 
Não basta falar em fazer mais um aeroporto. É preciso pensar na integração, no melhor aproveitamento do transporte… Não ter metrô pra Guarulhos é de uma irracionalidade a toda prova. Sobram exemplos de cidades cujos aeroportos ficam a 50 km da cidade principal e se pode chegar em 30 minutos via metrô.
 
Pra haver um quarto aeroporto, depende-se do planejamento. É evidente que a aviação brasileira cresce muito e São Paulo é o maior pólo do país. Mas tudo tem sua dificuldade. A terceira pista de Guarulhos, por exemplo, precisou desapropriar uma área onde viviam várias famílias. Além de ficar próxima à Serra da Mantiqueira, o que não é ideal…
 
Enfim, é preciso pensar estrategicamente, fazendo uma rede de integração dos transportes.
 
Mas diante de um cenário inexorável, representado por Copa e Olimpíadas, acentuando ainda mais o discurso de urgência de investimentos nos aeroportos, quais seriam algumas vias mais adequadas para viabilizá-los?
 
Ivan Valente: Eu sou totalmente contrário a pensar a expansão da infra-estrutura em função de eventos que acontecerão num determinado momento. Estamos falando em trens, metrôs, integração, uma estratégia de 50 anos, não para a Copa de 2014, as Olimpíadas de 2016. Pensar em função disso é a fórmula perfeita para justificar as privatizações e o abandono da transparência nas ações do Estado.
 
Por exemplo, é preciso pensar se o trem bala será realmente útil para a população. Parece até que já passou o timing de um trem bala. Ainda mais por 35 bilhões de reais… Talvez haja outras prioridades. Na grande São Paulo, onde vivem 20 milhões de pessoas, há outras possibilidades que podem equacionar melhor as necessidades de transporte, em termos de mobilidade, velocidade e tarifas.
 
A primeira de todas devia ser o metrô. São Paulo ter 60 quilômetros de metrô é indecente. Tem que ter 300. Isso é o primeiro ponto. Fora a combinação com os trens, que trazem gente da região suburbana, uma vez que a cidade já está entupida de veículos, não anda mais e os ônibus não têm dado conta. Tem que saber o que priorizar.
 
Mas se atendo aos aeroportos, que estratégias poderiam ser vistas como ideais, ou próximas disso?
 
Ivan Valente: Nos aeroportos, o problema é que alguns já estão saturados e certamente é preciso pensar estrategicamente em sua integração. Não tenho números exatos, mas o aeroporto de Viracopos poderia desempenhar um papel de desafogamento. Desde que haja um trem que leve a São Paulo rapidamente. Não adianta descer lá e ter de pegar a Rodovia dos Bandeirantes. O de Guarulhos tem opções de ampliação. Não sou contra pensar num novo aeroporto. Só penso que deve ser feito a partir de um plano sério de integração, com os devidos estudos de impacto ambiental.
 
O que você achou da recente criação da Secretaria de Aviação Civil? Pensa que ela foi idealizada para, de alguma forma, atender às necessidades do público de melhoria dos serviços nessa área?
 
Ivan Valente: Acho que não, pois é pouco transparente. Está muito ligada a essas necessidades imediatas, sob influência de todos os interesses econômicos. Isso não quer dizer que não deva haver uma Secretaria de Aviação Civil. O Brasil é enorme, continental, importante, com uma malha enorme. Mas pela forma como foi criada, sem uma discussão pública com alguma amplitude, não sei até onde pode solucionar as necessidades que vemos no setor.
 
Além disso, aqui no Brasil temos o problema da militarização das ações aéreas. Todo o controle aéreo do país ainda está nas mãos da aeronáutica. Dessa forma, precisamos saber até que ponto a Secretaria oferece real autonomia e condições de integrar nacionalmente as ações do setor aéreo.
 
Correio da Cidadania: Daria pra suspeitar, portanto, que sua criação veio casada com esses interesses mencionados, de acelerar e facilitar os processos de privatização e concessões?
 
Ivan Valente: Vem em cima dessa demanda, porque poderia ter sido criada há muito mais tempo. Portanto, vem, sim, influenciada pela demanda de privatizações.
 
O que vem pela frente a seu ver, a partir dos fatores que já estão sendo insinuados pela realidade de nossa conjuntura política e econômica?
 
Ivan Valente: Espero que não se repita o que aconteceu nos jogos Pan-americanos, quando o custo final do evento foi várias vezes superior ao previsto. É bem provável que tenhamos conseqüências desastrosas, pois, ao se passarem tantas prerrogativas à iniciativa privada, é evidente que o Estado abre mão de um planejamento estratégico maior.
 
Em segundo lugar, mesmo sendo um setor estratégico, o mercado trabalha com a lógica do lucro imediato, do retorno, redução de custos… Em minha opinião, é prejuízo para o povo brasileiro.
 
Até porque muitas obras poderão não ser mais do que provisórias, conduzidas a toque de caixa.
 
Ivan Valente: Certamente. Vi no jornal que a expansão de Cumbica se daria em cima dos galpões da Vasp e da Transbrasil. Quer dizer, não há exatamente um plano. Além disso, tem a questão dos recursos, em cima de um país carente de infra-estrutura. Paga-se 48% do orçamento em juros, amortizações e rolagem da dívida, e ficam sempre dizendo que é preciso abrir as pernas pra iniciativa privada, pois o Estado não tem dinheiro. Esse é o jogo armado em nosso país.

Fonte: c

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