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Linhas privadas de transporte têm piores serviços mas ganham mais que estatais

Alesp

4 de outubro de 2023

Com a tarifa de remuneração, governo garante que as concessionárias nunca deixem de lucrar. Especialistas apontam que repasse causa rombo nas contas do Metrô de São Paulo e seu sucateamento. Parlamentares também criticam Tarcísio por apostar no conflito ao não liberar as catracas

Exaltadas pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), as linhas privadas do Metrô de São Paulo e da CPTM vêm embolsando recursos públicos, sucateando os serviços e diminuindo o montante de recursos destinados às linhas que continuam sob gestão estatal. É o que mostra um levantamento da plataforma Plamurb, que investiga a situação do transporte sobre trilhos. As contradições foram lembradas por especialistas ontem terça-feira (3) diante da declaração do governo de São Paulo de que a greve unificada mostra que a privatização “é o caminho”.

Paralisados na terça-feira (3), os trabalhadores do Metrô, CPTM e Sabesp protestam contra os planos de Tarcísio de conceder os serviços essenciais à iniciativa privada. E a avaliação é que existem argumentos e exemplos que mostram que o motivo da greve é justificado. De acordo com a Plamurb, a concessão no Metrô, por exemplo, vem provocando um rombo na operação estatal. Isso ocorre porque o governo repassa para as concessionárias ViaQuatro e a Via Mobilidade uma tarifa de remuneração que é superior à tarifa média paga ao Metrô.

No caso da ViaQuatro, que pertence à CCR e administra a Linha 4-Amarela desde 2006, ela recebe desde 1º de fevereiro o subsídio de R$ 6,3229. O valor está R$ 1,92 acima da tarifa pública que é cobrada dos passageiros, de R$ 4,40. Já o metrô estatal não tem tarifa de remuneração. Ele recebe uma tarifa média, calculada pelo total arrecadado e dividido pelo número de transportados no ano. Em 2022, a tarifa média foi de R$ 2,07. Comparando os dados do ano passado, o estudo apontou que a concessionária recebeu, em média, cerca de R$ 2,5 milhões, transportando 660 mil passageiros.

Estatal garante lucro às concessionárias

Enquanto o Metrô estatal, embora tenha transportado em média 2,6 milhões de pessoas, recebeu R$ 5,3 milhões por conta da tarifa de R$ 2,07. O montante indica que a ViaQuatro transportou quatro vezes menos, mas recebeu praticamente a metade do valor que o Metrô deveria receber. Além disso, o contrato de concessão também garante prioridade da ViaQuatro no recebimento dos valores que saem de uma conta chamada de Compensação. A segunda prioridade é da ViaMobilidade, também da CCR, que administra a Linha 5- Lilás do Metrô, a Linha 17-Ouro do monotrilho e as Linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda dos trens. A CPTM e o Metrô são os últimos a receberem os valores.

A situação, de acordo com uma reportagem do Brasil de Fato, vem gerando um quadro em que o lucro apenas da ViaQuatro aumentou cerca de 45%, entre 2015 a 2019. Saindo de R$ 375 milhões para R$ 545 milhões. Embora o número de passageiros tenha crescido somente 16,5% no período. Em paralelo, entre 2011 e 2015, o Metrô estatal deixou de receber ao menos R$ 1,1 bilhão no governo de Geraldo Alckmin (então PSDB, hoje PSB).

“O spoiler é o seguinte: as concessões nunca perdem. A estatal é quem garante o lucro das concessionárias. Por consequência, a estatal perde dinheiro, fica deficitária e o governo alega que precisa privatizar”, contesta a presidente do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Camila Lisboa. A contradição também foi destacada pelo coordenador de Mobilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Calabria, que observou que a privatização pode encarecer e piorar os serviços.

Privatização e piora

Em sua conta na rede X, antigo Twitter, Calabria listou diversos serviços que foram concedidos à iniciativa privada e trouxeram problemas. “Apontar que o serviço de ônibus urbano é operado por privados em todas as maiores cidades do Brasil já deveria ser suficiente pra mostrar que conceder não é uma mágica. Pode dar muito errado. Serviço ruim, caro, pouco transparente, oligopolizado etc.”, contestou. O especialista também lembrou do caso da Supervia que administra os trens metropolitanos no Rio de Janeiro e tem a tarifa mais cara do Brasil. E que registra intervalos de até 1 horas e trens precários.

A situação também se compara com as linhas 8 e 9 operadas pela ViaMobilidade. Sob a gestão privada, as duas linhas apresentaram o triplo de falhas daquelas geridas pelas estatais: foram 16 episódios, incluindo graves descarrilamentos, apenas neste ano. Assim como a concessão do serviço funerário na cidade de São Paulo, que registrou alta de 400% nos preços. “Ah, mas as linhas 4 e 5 são boas. São boas porque a infraestrutura (feita pelo estado) é recente. Não deu tempo de precarizar. E o Estado paga uma grana altíssima super mal calculada, que deve estar segurando a imagem”, rebateu Calabria.

De acordo com o especialista, a privatização do Metrô e da CPTM certamente devem aumentar o valor dos serviços. “O motivo central: quem vai pagar a conta é o usuário pela tarifa! Com um agravante que fica mais claro a cada dia nos ônibus: pra essa conta dar certo o veículo tem que estar lotado de pagantes! Os contratos pagam por passageiro transportado. Quanto mais lotado mais rentável. Mesmo que fiscalize, vale a pena para o empresário lotar e cancelar viagem ‘não rentável’. (…) E o Tarcísio quer repetir esse modelo, sem nem considerar conversar ou estudar”, contestou o especialista.

Tarcísio apostou no conflito

Antes da greve conjunta nesta terça, as categorias pediram ao governador uma audiência para discutir o tema, mas o encontro até hoje não foi marcado. No caso dos trabalhadores do transporte sobre trilhos, as entidades da categoria chegaram a propor ao governador a substituição da greve por um dia de catracas livres. O objetivo era permitir com que os passageiros viajassem sem cobrança de passagem e ao mesmo tempo protestar contra o plano de privatização da CPTM e do Metrô. No entanto, Tarcísio recorreu da decisão e a Justiça acatou o pedido, alegando “alto risco de tumultos e possíveis acidentes nas estações”.

A atitude do Executivo estadual foi também criticada pelo deputado federal Guilherme Boulos (Psol-SP). “A intransigência do Governo de SP é a grande responsável pela Greve de hoje no Metrô/CPTM. Os trabalhadores propuseram em juízo liberar as catracas em vez da paralisação, pra não prejudicar os usuários. O Governo Estadual recusou a proposta. Apostou no conflito e não no diálogo”, afirmou.

Nas redes sociais, parte da população também vem demonstrando apoio à paralisação, apesar da tentativa de criminalização pelo governo e a imprensa comercial. “Não há greve mais justa do que contra a privatização dos serviços públicos. Nossas necessidades não são objetos dos lucros deles. Água e transporte não são mercadorias. Todo apoio contra a privatização do metrô de SP e da Sabesp. Onde a privatização manda, os serviços degradam”, advertiu o filósofo, psicanalista e professor Vladimir Safatle.

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