Racismo repaginado e pacto antipopular explicam apoio do pobre de direita a nomes da extrema-direita, como Bolsonaro
Em seu novo livro, O Pobre de Direita: A Vingança dos Bastardos (Ed. Civilização Brasileira), o sociólogo Jesse Souza, analisa os brancos pobres de São Paulo e da região Sul do país que, junto com os evangélicos neopentecostais, garantiram a vitória do ex-presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. Ele vai identificar o racismo, agora em nova roupagem, como o elemento motor da extrema-direita, tanto no Brasil, como nos Estados Unidos.
Em aula magna online no Instituto Conhecimento Liberta (ICL), o sociólogo remonta a época das grandes migrações, quando milhões de imigrantes europeus pobres, afluiram ao Brasil, entre 1870 e 1930.
“Essas pessoas vão ficar, antes de tudo, em São Paulo e no Sul. Poucos vão para outros lugares. Então a gente tem, no Sul e em São Paulo, 70% da população branca e só o resto mestiço e preto. E a gente tem no restante do país exatamente o contrário. Um país que é 70% a 80% mestiço e negro, e 20% de brancos. É uma completa inversão racial, extremamente importante”, anota Jessé.
Racismo entranhado
Assim, ele afirma que quando Getúlio Vargas ascendeu ao poder, com a Revolução de 1930, o racismo estava entranhado na sociedade, e se manifestava de maneira explícita. “Não não tinha quem não fosse racista”. Vargas, no entanto, apoiado nas concepções de Gilberto Freyre, vai estabelecer políticas de valorização da mestiçagem. Elementos da cultura negra, como o samba e o futebol, passam a serem percebidas como base da identidade nacional. Ao mesmo tempo,
Além disso, para proteger os mais pobres, Vargas vai criar a chamada “Lei dos 2/3”, segundo a qual empresas, associações, companhias e firmas comerciais deveriam apresentar, entre seus empregados, pelo menos dois terços de brasileiros natos. A partir daí, não era mais possível se apresentar como racista na esfera pública, afirma Jessé.
Controle do pensamento
Após o fracasso da Revolução Constitucionalista de 1932, o sociólogo afirma que a elite paulista entendeu que não precisaria usar tão somente a polícia para reprimir a população mais pobre. A imprensa e a acadêmia passam a jogar um papel crucial, moldando valores e pensamentos. Já em 1936, ele cita que o sociólogo e historiador Sergio Buarque de Holanda vai criar um sistema de interpretação contrário ao de Gilberto Freyre. Assim, essa nova interpretação diz que o povo é formado por corruptos e inconfiáveis. Junta-se a isso, as análises de Raimundo Faoro, que diziam que os brasileiros herdaram o caráter corrupto dos portugueses.
Ao mesmo tempo, surge a construção do bandeirante como representante dos valores do trabalho e da disciplina. Assim, as elites paulistas tratam-se de se equipararem às elites brancas dos Estados Unidos que promoveram a Marcha para o Oeste, conquistando territórios de indígenas e mexicanos, a quem teriam o papel de “civilizar”.
“Não só a elite de São Paulo se via como americana. Nessa época, esses 5 milhões de brancos europeus já estavam aqui e ocupando os melhores cargos obviamente, numa sociedade racista. E isso vai implicar que vai se construir uma classe média que é branca”, anota Jessé.
Do mesmo modo, essa elite que se pensa europeia, “precisa do Estado para se locupletar”. A partir daí, utilizando principalmente a imprensa, passam a cultivar a ideia de que qualquer candidato progressista é corrupto, inviabilizando o contraditório e fabricando golpes de estado. Monta-se, nesse sentido, um “pacto antipopular”, entre a elite e a classe média branca que quer administrar a sociedade seguindo valores elitistas.
Os ressentidos
Assim, historicamente, com base no racismo, a elite e a classe média passar a desumanizar os mais pobres, vistos como vagabundos e bandidos. Ao mesmo tempo, segundo Jessé, as igrejas neopentecostais vão se aproveitar da religiosidade afro para dizer que é o mundo profano que governa a realidade. Uma enfermidade, por exemplo, é explicada como o resultado da possessão por espíritos. Para o sociólogo, é outra forma de despolitizar a política.
“Então a gente tem o outro lado desse outro público que foi cativo de Bolsonaro, que é normalmente o pessoal que ganha entre dois e cinco sal mínimos. Ou seja, são os pobres remediados, seja o branco pobre do Sul e de São Paulo, seja o negro evangélico do restante do país. E o ódio vai ser canalizado aos mais pobres que são quase todos pretos e mestiços”, explica Jessé.
O livro O Pobre de Direita: A Vingança dos Bastardos tem lançamento previsto para 14 de outubro de 2024, e já está em pré-venda.