Conforme dispositivos da Constituição da República Federativa do Brasil promulgada no ano de 1988, o povo brasileiro, por intermédio de seus representantes, obrigou-se a fazer cumprir vários objetivos fundamentais de nossa nação, dentre eles “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.
Para atingirmos tal objetivo social teremos, necessariamente, de contar não só com a “mão invisível do mercado” que é a iniciativa privada (artigo 172, II da CF), mas também com a “mão” do Estado, sendo que este terá de recolher recursos para manter o Poder Judiciário, o Legislativo, o Ministério Público, as Forças Armadas e as Polícias, bem como escolas e universidades públicas urbanas e rurais, hospitais e postos de saúde, previdência, estradas e ferrovias etc.
Para se auto-sustentar, o Estado terá de cobrar impostos dos cidadãos e das empresas. Este é o preço que temos de pagar pela paz social numa vida em coletividade.
Em geral os cidadãos se revoltam com a obrigatoriedade do pagamento de impostos, devido não só à forma injusta do sistema tributário, mas também pela má administração dos recursos públicos e também por causa da corrupção desenfreada praticada por muitos governantes. De fato, desvios ocorrem e, para evitarmos que se repitam, será preciso um bom controle social. E, para haver controle social eficiente, dependeremos da educação política de cada um de nós. É assim que se constrói uma democracia real e sólida: dá muito trabalho!
Todavia, temos de reconhecer que precisamos do Estado porque não podemos confiar apenas na “mão invisível do mercado”, haja vista seu egoísmo nato, como tivemos oportunidade de constatar – mais uma vez e há pouco tempo – através do tenebroso espetáculo sobre a cobiça humana representado por financistas da nação que se orgulha tanto de seu poderio, os EUA. Temos de admitir que também há desenfreada corrupção no campo da iniciativa privada.
A conclusão então é a de que não existe nenhuma possibilidade de escaparmos do pagamento de impostos, exceto praticando o crime de sonegação e acabarmos indo para a cadeia. Cobrar impostos dos cidadãos de um determinado território para poder governá-lo é uma regra vigente desde os tempos mais remotos, da mesma forma que, para tornar uma igreja auto-sustentável, será preciso que seus fiéis contribuam com o dízimo mensal. Por isso existe o milenar mandamento bíblico “Dar a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Como sabemos, César aqui representa o Estado.
Nossos índices sobre desenvolvimento humano começam a nos mostrar uma sensível melhora nas condições sociais de razoável parte de brasileiros de baixíssima renda. É ótima notícia, mas a igualdade social ainda é para nós um lugar muito distante.
Como diria o letrista Joracy Camargo, que escreveu a linda canção “Leilão” junto com o maestro Hekel Tavares, “mas como é grande este Brasil!”. Um enorme território habitado por quase 192 milhões de indivíduos. Haja recursos públicos! Para atendermos a todas as questões sociais prioritárias, tais como alimentação, moradia, saneamento básico, assistência aos desamparados etc., será preciso uma vultosa soma de dinheiro.
Voltemos então ao recolhimento de tributos e a justeza de sua cobrança. Em nosso país, as regras constitucionais que regem esse odiado assunto de recolhimento de impostos, taxas e tarifas estão contidas nos artigos 145 a 162 da Constituição Federal, no capítulo referente ao nosso Sistema Tributário Nacional.
Especificamente, por exemplo, no artigo 153 – VII, está previsto que compete à União (governo federal) instituir o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) e que este tributo será instituído por lei complementar, ou seja, por um tipo de lei que exige a concordância da maioria absoluta (e não maioria simples) de nossos congressistas (artigo 69 da CF).
Tenhamos em conta também que o IGF não é pura invenção brasileira. Nós nos inspiramos em outros países que o instituíram, tais como a Alemanha, França, Espanha, Índia etc. Não devemos confundir o IGF com o imposto sobre herança (transmissão causa mortis), pois este é de âmbito estadual. Compete aos estados federados e ao Distrito Federal estabelecer essa cobrança, conforme estabelece o artigo 155 – I da Constituição.
Mais adiante, ao final da Constituição, no artigo 80 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), verificamos que já está estabelecido entre nós que o produto arrecadado por esse futuro imposto (IGF) deverá compor o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. Não é preciso dizer que até a presente data, 2010, não temos ainda essa bendita lei complementar que regulamentaria tal matéria.
Alguns anteprojetos nesse sentido já foram propostos por nossos parlamentares mais progressistas. Porém, aos costumes, os parlamentares endinheirados e conservadores reagem contrariamente e tais projetos são sempre arquivados. Eles sempre utilizam como escudo o argumento da dificuldade administrativa que o Estado enfrentará para implantar tal imposto. A última tentativa de regulamentá-lo acabou de ser sepultada neste ano de 2010, no dia 9 de fevereiro, quando o Senado decidiu arquivar o projeto de um senador do PT que visava tributar em 1s fortunas acima de R$10 milhões.
Estamos agora com nova esperança, pois a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara Federal aprovou no último dia 10 de junho o projeto de lei complementar (PLP) 277/08, assinado pelos deputados do PSOL, que pretende taxar patrimônios maiores do que R$2 milhões. Veremos no que dará.
O IGF é um imposto federal complementar ao imposto sobre a renda que todos nós pagamos, caso estejamos acima do limite de isenção. Ele incidirá sobre o grande patrimônio líquido, e não sobre a renda da pessoa. Nada mais justo que as pessoas físicas que detenham grandes fortunas contribuam com valores mais altos, de forma progressiva – quem tem mais paga mais -, e que esse tributo se destine a melhorar nossa justiça social tributária.
Os trabalhadores brasileiros que têm o imposto de renda recolhido na fonte deveriam ter acesso a todas essas informações para poderem exigir também que uma reforma tributária seja realizada na próxima legislatura do Congresso Nacional, cujos novos integrantes serão eleitos em outubro deste ano. No Brasil, a carga tributária sobre consumo de gêneros de primeira necessidade é excessiva e socialmente injusta.
Caberá a cada um de nós cobrar tal compromisso não só do candidato(a) a presidente, mas também a deputado(a) federal ou senador(a) em quem iremos votar. Caso contrário, nossa desigualdade social permanecerá nos mesmos patamares obscenos de hoje.
Fonte: Inês do Amaral Büschel é Promotora de Justiça, aposentada, e integrante do Movimento do Ministério Público Democrático. Website: http://www.mpd.org.br/