Do programa de acolhimento, foram executados apenas 10,30% do empenhando; governo de São Paulo fala em orçamento compartilhado
O governo do estado de São Paulo tem demonstrado um baixo comprometimento financeiro com o programa de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, um conjunto de políticas públicas, serviços e iniciativas articuladas pelo governo estadual. Dados de empenho orçamentário, disponíveis no Portal da Transparência, de 2025, atualizados até 9 de dezembro, revelam que a gestão estadual destina um valor irrisório de apenas R$ 0,18 por mulher na faixa etária de 15 a 59 anos, considerada a população ativa.
O programa conta com dotação atual de R$ 8,7 milhões, mas apenas R$ 2,6 milhões foram empenhados até o momento. Na prática, isso significa que 69,65% dos recursos disponíveis permanecem sem utilização. Ao dividir o valor empenhado pela estimativa da população feminina paulista entre 15 e 59 anos – 14,9 milhões de mulheres, de acordo com o Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) –, o resultado é de R$ 0,18.
A deputada estadual Mônica Seixas (Psol), afirma que “o desprezo e até o deboche com que Tarcísio trata a pauta da luta das mulheres é uma marca desse governo”.
“Tarcísio vai à TV comemorar a queda de furtos de carro, dizer que isso é índice de segurança, no mesmo dia em que o estado e o Brasil batem recorde de feminicídio. Está todo mundo chocado, não só com o número de casos, mas com a barbaridade, com a violência empregada nos casos”, afirma a parlamentar.
Entre janeiro e outubro deste ano, o estado de São Paulo teve um aumento de 10,01% nos casos de feminicídios em comparação com o mesmo período do ano anterior. No total, foram 207 casos contra 188 em 2024, segundo um levantamento do Instituto Sou da Paz.
“A marca do governo Tarcísio é um gestor de negócios. Ele está aqui para usar o estado em benefício a empresas, empresários e agronegócios. Todo o resto foi desmontado. Posso falar da Segurança Pública, da Assistência Social, do combate à violência contra a mulher, do acolhimento das pessoas em situação de vulnerabilidade, da Saúde, da Educação, tudo destruído”, conclui.
Paralelamente ao Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, o programa de Acolhimento Crianças, Adolescentes, Mulheres e Idosos, da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, apresenta um cenário ainda mais crítico. Com uma dotação de R$ 9,7 milhões, apenas R$ 1 milhão foi empenhado. Isso significa que 89,3% do orçamento destinado para essa ação ainda não foi executado.
Dos três programas direcionados para mulheres analisados pela reportagem, o único que tem uma taxa de empenho mais alta é o Provita, de proteção à vítima e testemunha ameaçada, que empenhou 92,31% da dotação, R$ 5,7 milhões de R$ 6 milhões. O programa da Secretaria da Justiça e Cidadania oferece apoio a vítimas que sofreram tentativa de homicídio, feminicídio ou latrocínio.
Menos dinheiro para 2026
Para 2026, Tarcísio propôs um orçamento para Secretaria de Políticas para a Mulher em 2026, 54,4% menor do que a dotação inicial aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025.
Em 30 de setembro de 2024, Tarcísio encaminhou o projeto da LOA 2025 com a sugestão de R$ 9,6 milhões para a pasta das mulheres. Na Alesp, os parlamentares subiram o valor para R$ 36,2 milhões, incluindo 6,5 milhões em emendas parlamentares. Para a LOA 2026, o governador sugeriu um montante de R$ 16,5 milhões.
Isso representa mais do que o sugerido para 2025, mas metade do que foi aprovado pela Alesp para o ano corrente. Se corrigido pelo IPCA, o valor aprovado chega a R$ 38,2 milhões, o que significa uma redução de 56,8% em relação ao orçamento atualizado de 2025.
Para a deputada Márcia Lia (PT), vice-presidente da Comissão de Defesa e dos Direitos das Mulheres na Alesp, a diminuição do orçamento proposto para 2026 em relação ao que foi aprovado para este ano “representa a falta de compromisso político com o tratamento que tem que ser direcionado para as mulheres”.
“Hoje a gente vive muitos problemas na questão das políticas públicas focadas para as mulheres, e eu penso que o governo do estado erra quando faz esse corte de 54,4% do orçamento direcionado. Nós precisamos ver se a gente consegue convencer o governador para que ele recoloque pelo menos o que foi o ano de 2025”, diz a parlamentar. A deputada, no entanto, relembra que a oposição é minoritária na Assembleia paulista, o que dificulta as manobras de negociação.
Escolha política e eleitoral
Laura Astrolabio, advogada e mestra em Políticas Públicas e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avalia que políticas públicas só se tornam efetivas quando acompanhadas de dotação orçamentária adequada. Nesse cenário, “causa espanto” os valores aprovados para programas direcionados às mulheres paulistas, bem como a baixa execução desses recursos.
Segundo Astrolabio, existe uma relação direta e estrutural entre a insuficiência orçamentária e o aumento dos índices de feminicídio. A pesquisadora explica que o feminicídio não é um episódio isolado, mas o resultado extremo de uma cadeia de violências físicas, psicológicas, econômicas e institucionais que poderiam ser prevenidas ou interrompidas caso as políticas públicas fossem devidamente financiadas e implementadas.
Nesse sentido, a redução de recursos destinados à prevenção e ao enfrentamento da violência contra as mulheres fragiliza toda a rede de proteção capaz de impedir que situações de risco evoluam para a letalidade. “Quando o estado reduz recursos destinados à prevenção”, toda a rede de proteção que poderia impedir que situações de risco evoluam para letalidade é “fragilizada”.
“Portanto, a relação entre orçamento insuficiente e feminicídio é inequívoca. Quanto menor o investimento público em políticas integradas de prevenção, proteção e responsabilização, maior a probabilidade de que situações de violência avancem até o assassinato de mulheres”, afirma.
“O orçamento não é uma decisão técnica neutra, mas um mecanismo pelo qual o estado demonstra, de forma concreta, se está disposto a interromper ou a permitir a continuidade da violência letal contra mulheres”, conclui.
Para a base eleitoral masculina
Fabiana Pinto, pesquisadora em políticas públicas e advocacy, afirma que a proposta orçamentária apresentada pelo governo estadual precisa ser analisada à luz do calendário eleitoral e das escolhas políticas da gestão Tarcísio.
O baixo investimento previsto para políticas de enfrentamento à violência contra a mulher não é casual, mas reflete prioridades alinhadas a um projeto político mais amplo. Para 2026, o governo propôs apenas R$ 1,6 milhão para o programa de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher.
“É fundamental entender que o próximo ano é um ano eleitoral. É importante entender os acenos para as bases eleitorais a partir de priorização em determinadas políticas, como segurança pública, estrutura e construção civil, em áreas desse tipo em detrimento a políticas específicas para prevenção à violência contra a mulher”, afirma Pinto.
Trata-se de um diálogo direto com uma base eleitoral masculina, de faixa etária mais elevada, cujos valores tendem a não reconhecer a centralidade desse tipo de política pública. “O recado é de que esse grupo de mulheres e meninas que correm risco de sofrer com a violência de gênero não é uma prioridade nesse estado e não será uma prioridade numa futura gestão de governo federal. É uma escolha política”, acrescenta a pesquisadora.
Ao avaliar os impactos concretos desse cenário na vida das mulheres, Fabiana Pinto afirma que a redução de recursos não pode ser tratada apenas como um problema técnico ou orçamentário. “Destinar 18 centavos por mulher ao ano para políticas de enfrentamento à violência significa que na prática o estado está se ausentando quando essa mulher mais precisa”, analisa.
De acordo com a pesquisadora, a escassez de recursos se traduz diretamente em menos casas-abrigo em funcionamento, redução do atendimento psicológico, diminuição de equipes multiprofissionais e enfraquecimento das medidas de proteção para mulheres que tentam sair de situações de violência. Esse desmonte, afirma, compromete não apenas a segurança imediata, mas também “a possibilidade de futuro dessas mulheres”.
Outro lado
Em nota enviada ao Brasil de Fato, o governo estadual afirmou que adota uma política intersecretarial, com orçamento compartilhado, para promover a segurança, a saúde e a autonomia financeira das mulheres.
Sobre o programa de acolhimento de crianças, adolescentes, mulheres e idosos, o governo informou que a maioria dos recursos são oriundos de emendas parlamentares federais, no montante de R$ 8,7 milhões. “A execução desses valores depende do cronograma de transferências da União, fator que impacta diretamente o ritmo de empenho registrado até o momento”, diz um trecho da nota.
“Esses recursos federais estão vinculados à construção de novas Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs) nos municípios de Sorocaba e Ribeirão Preto, obras já em planejamento. Tão logo haja o repasse efetivo dos valores pela União, as etapas legais de execução serão iniciadas, conforme prevê a legislação vigente”, informa outro trecho.