Taxas efetivas caem quase a zero no topo da pirâmide, mostra Relatório Mundial sobre Desigualdade
Um novo levantamento internacional expõe uma realidade já conhecida, mas ainda mais profunda do que se imaginava: os super-ricos pagam muito menos impostos do que o restante da população — e, entre os países avaliados, o Brasil apresenta a pior situação.
A terceira edição do Relatório Mundial sobre a Desigualdade 2026, elaborado por pesquisadores da rede World Inequality Lab, coordenada pelo economista francês Thomas Piketty, comparou dados de Brasil, França, Holanda, Espanha e Estados Unidos. A conclusão é clara: em todos eles, as alíquotas efetivas caem drasticamente justamente entre os bilionários. No topo da pirâmide, a carga tributária praticamente zera.
Segundo o estudo, 99% da população vê suas alíquotas efetivas subirem conforme a renda aumenta. Mas, entre os ultrarricos, ocorre o oposto: os mais ricos conseguem reduzir a tributação real por meio de mecanismos legais, isenções e formas específicas de renda. Assim, enquanto trabalhadores da classe média arcam com algo entre 10% e 20% do que ganham, bilionários pagam proporcionalmente menos — às vezes, até menos que famílias de renda alta ou média.
O fenômeno aparece em todos os países analisados, mas a queda é mais acentuada no Brasil. França, Espanha e Estados Unidos ainda conseguem manter alguma progressividade no topo, enquanto a Holanda apresenta uma trajetória mais próxima da brasileira.
Novo Imposto de Renda no Brasil é um primeiro passo
No Brasil, o relatório considera dados até 2023. Recentemente, o Congresso aprovou mudanças no Imposto de Renda que isentam trabalhadores que ganham até R$ 5 mil e estabelecem uma alíquota mínima de 10% para quem recebe a partir de R$ 600 mil ao ano — percentual que só passa a valer integralmente acima de R$ 1,2 milhão.
Apesar do avanço, especialistas apontam que isso ainda não ataca o principal problema: a dificuldade histórica do país em tributar grandes fortunas e rendimentos de capital. Como destaca Ricardo Gómez Carrera, coordenador do relatório, a América Latina não se destaca pela progressividade tributária — e, em alguns casos, chega a ser regressiva.
Ele lembra, porém, que a região é uma das que mais reduziu desigualdades via transferência de renda, como o Bolsa Família, que hoje beneficia mais de 18 milhões de famílias.
O relatório também chama atenção para um fenômeno maior: a própria estrutura financeira internacional favorece economias avançadas. Países que emitem moedas fortes têm acesso a juros mais baixos e conseguem acumular mais riqueza ao longo do tempo, enquanto nações em desenvolvimento enfrentam custos maiores, o que limita sua capacidade fiscal.
Os pesquisadores classificam isso como uma forma moderna de relação desigual entre países ricos e pobres.
Imposto global sobre grandes fortunas poderia arrecadar até US$ 1,3 trilhão
O estudo propõe três modelos de tributação global sobre os ultrarricos:
- Imposto anual de 3% sobre bilionários e grandes milionários: arrecadaria cerca de US$ 750 bilhões por ano, equivalente a todo o orçamento educacional de países pobres e emergentes.
- Imposto de 2% sobre patrimônios acima de US$ 100 milhões: geraria US$ 503 bilhões por ano, cerca de 0,45% do PIB mundial.
- Tributo de 5%: levantaria US$ 1,3 trilhão por ano, equivalente a 1,11% do PIB global.
Para os autores, tributar uma pequena fatia das grandes fortunas daria aos governos mais espaço fiscal para investir em áreas estratégicas — como educação, saúde e transição climática — sem aumentar a carga sobre a classe média ou os mais pobres.