Ainda em maio, engenheiro da Eletrobras alertou para situação “desesperadora” em função das demissões que ocorreram durante o processo de privatização
A privatização da Eletrobras voltou ao centro do debate após apagão que afetou 25 Estados e o Distrito Federal ontem (15). O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já identificou uma “sobrecarga” na rede elétrica do Ceará como uma das causas. Mas o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que teria que haver outro evento “concomitante” para levar ao colapso do sistema.
Nesse sentido, ele solicitou ao Ministério da Justiça que encaminhasse pedido de abertura de inquérito à Polícia Federal (PF). O governo não descarta falha técnica, falha humana ou até mesmo sabotagem como possíveis causas do apagão.
Atendendo à solicitação de Silveira, o ministro Flávio Dino disse hoje que a investigação é necessária “em face da ausência de elementos técnicos, até o momento, que expliquem o que ocorreu. Assim, é prudente uma análise mais ampla, inclusive quanto à possibilidade de atos ilícitos”.
No entanto, para o Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE), órgão que congrega as entidades representativas de trabalhadores do setor, a identificação das causas do apagão pode demorar mais “devido à falta de quadro técnico experiente e capacitado alvo dos desligamentos desenfreados por parte da Eletrobras”.
Desde que foi privatizada, em junho do ano passado, a Eletrobras já cortou cerca de 2.500 trabalhadores. No entanto, os desligamentos desenfreados começaram ainda no governo Bolsonaro, como preparação para o processo de privatização, concluído ao final do mandato. Entre 2018 e 2022, a Eletrobras registrou queda de quase 40% em seu quadro de empregados, a maior parte na área operacional.
“Precisamos olhar em perspectiva. Trabalho na área de manutenção da Eletronorte (subsidiária da Eletrobras), tenho conhecimento sobre o que estou dizendo. As pessoas que estão trabalhando lá, o que nós estamos vendo hoje, é uma situação de desespero. Porque não tem gente para trabalhar, não tem gente para poder fazer a manutenção”, alertou o engenheiro eletricista Ikaro Chaves, ex-dirigente sindical e ex-conselheiro eleito do Conselho de Administração (Consad) da Eletronorte.
Mais demissões
Ainda em maio, durante audiência pública na Câmara dos Deputados, Chaves explicou que o sistema elétrico é capaz de operar com “muito pouca gente”. No entanto, os riscos aumentam no médio e longo prazo. Enquanto os cortes de pessoal atendem a uma lógica de curto prazo, com o objetivo de reduzir os custos de operação e, assim, ampliar os lucros dos acionistas da Eletrobras
“O problema se dá em curto prazo, mas em médio e longo prazo. Porque a partir do momento em que os trabalhadores não fazem a manutenção devida, a confiabilidade dos equipamentos diminui. Mas cedo ou mais tarde, vamos ter casos como o que aconteceu no Amapá“, afirmou o engenheiro.
Ele criticou o então presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira, que anunciou um novo plano de demissão voluntária (PDV) para 1.500 “colaboradores” como resposta à redução de 85% nos lucros da empresa durante o primeiro trimestre deste ano.
“Se não resolvermos esse problema hoje, se não colocarmos trabalhadores qualificados na Eletrobras, se não impedirmos essas demissões, se não revertermos a privatização, os brasileiros vão pagar caro por essa ganância da Eletrobras privada em resultados de curto prazo”, alertou Chaves, há três meses. Ele lembrou que o apagão no Amapá, em 2020, cobrou o seu resultado inclusive em vidas.
Suspensão
No final de julho, a Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro determinou a suspensão das demissões na Eletrobras em todo o país. A suspensão vale até que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue ação direta de inconstitucionalidade (ADI) movida pelo governo Lula que contesta trechos da lei que regulamentou a privatização da Eletrobras. O governo reclama que, apesar de deter 43% das ações da ex-estatal, só pode exercer votos até o limite de 10% no conselho da companhia. No início do ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a classificar como “bandidagem” o modelo de privatização da Eletrobras.