O nó crítico não é o número de sindicatos, mas sua ausência nos locais de trabalho e redes de teletrabalho. E, principalmente, nos territórios onde vive a maioria da classe trabalhadora brasileira
Declarações apontando o elevado número de sindicatos como um problema no Brasil voltaram ao debate. Desta vez, o próprio ministro do Trabalho, Luiz Marinho, recolocou o assunto. Mas com objetivo de apontar a redução do número de sindicatos como forma de se ter entidades maiores e mais representativas.
Compreendo a questão, mas creio que se o problema for analisado em uma perspectiva situacional, o nó crítico não é o número de sindicatos, mas sua ausência nos locais de trabalho e redes de teletrabalho. E, principalmente, nos territórios onde vive a maioria da classe trabalhadora brasileira.
A declaração do ministro está sustentada em dados reais. Estamos falando mais de 12 mil sindicatos, a maioria de base municipal e 10 centrais sindicais. No setor público, de acordo com o Dieese, são 2.760 entidades sindicais registradas no Ministério do Trabalho e Emprego, sendo 1.996 na esfera municipal (1.874 sindicatos, 66 federações e 3 confederações); 470 entidades na esfera estadual, sendo 432 sindicatos e 38 federações; e 204 entidades no âmbito federal, sendo 194 sindicatos e 10 federações.
Considerando que nossa organização sindical é por categoria profissional e que temos diversas categorias e 5.568 municípios, de pronto concluímos que muitas são as bases sindicais não organizadas ou representadas por entidades que se encontram distantes de onde trabalham e moram seus representados. Há quase um século a organização sindical brasileira foi se estruturando desta forma, cabendo ao sindicato colaborar com Estado, razão pela qual se instituiu o imposto sindical, a unicidade e prerrogativa de representação de filiados ou não.
Com as transformações no mundo do trabalho e a predominância das ideias neoliberais, os números de sindicalizados e as taxas de sindicalização caíram no mundo inteiro. No Brasil, de 7,1 milhões (18,6%), em 2017, para 5,4 milhões (13,7%), em 2019. Não caíram, despencaram, em uma situação marcada por altas taxas de desemprego, agravada pela precarização promovida pela reforma trabalhista, e pela sistemática campanha antissindical realizada para viabilizar a aprovação das reformas, nos obscuros governos Temer e Bolsonaro.
Cabe destacar que, malgrado as considerações que apontam a necessidade de reduzir o número de sindicatos, a pulverização e fragmentação do trabalho, por um lado, e o enquadramento sindical com base em um conceito superado de categoria, por outro, deixam ao relento milhares de trabalhadores, quando não promovem forte competição entre as entidades sindicais pela representação.
Diante da fraca representatividade, os trabalhadores se organizam por fora daquelas entidades sindicais com as quais não se identificam. As lutas dos entregadores e dos motoristas por aplicativos, que já criaram dezenas de associações e novos sindicatos, revelam que o problema está muito além do número de sindicatos.
As direções sindicais construíram centrais sindicais nacionais, suas instâncias estaduais e por categorias ou ramos de atividade. Entidades que atuam corporativamente representando categorias de cima abaixo. Desta forma, não se desenvolveram organizações que buscassem organizar e representar o conjunto da classe trabalhadora nos territórios, seja bairros nos grandes centros, ou nos municípios.
Esta é a razão pela qual digo que precisamos de mais, e não menos, sindicatos.
Aqui não me refiro especificamente ao seu número, mas à sua presença na organização e representação. Não há como assegurar uma forte representação e alta representatividade sindical – e muito menos reduzir o número de sindicatos -, sem assegurar o direito de eleição de delegados sindicais, com estabilidade, nos locais de trabalho, nas redes de teletrabalho e nos territórios. Sem assegurar este direito básico, nem sequer é possível prometer a redução do número de dirigentes sindicais por entidade.
Tampouco há como avançar na construção de entidades com maior densidade, sem superar o conceito de categoria profissional e possibilitar a criação de entidades de segundo grau, federações de classe, nos territórios.
A existência de muitos e pequenos sindicatos, com pouca força para ter protagonismo na defesa e ampliação de direitos não será superada sem um forte combate às práticas antissindicais, ao abusivo uso de interditos proibitórios para se aplicar multas impagáveis aos sindicatos.
Durante os últimos oito anos, os sindicatos viveram sob ataques sistemáticos e por todos os lados. Sua principal fonte de receita foi retirada sem que nada fosse posto no lugar. Pelo contrário, os descontos efetuados por ocasião das campanhas salariais foram duramente atacados por iniciativas e decisões dos três Poderes da República, por grande parte da classe patronal e pelos meios de comunicação.
Com menores recursos, iniciativas que atraiam associados tiveram de ser reduzidas, como prestação de serviços. Agravada pelo fim da obrigatoriedade de se fazer a homologação das rescisões trabalhistas nos sindicatos, e pelas insuperáveis restrições estabelecidas para que o trabalhador identificasse irregularidades e pudesse buscar reparações por meio de ações judiciais via seus sindicatos.
Não bastasse esta saraivada de ataques à organização sindical, também se tentou por diversos meios reduzir as atribuições sindicais. Dentre elas, a valorização de acordos individuais em relação aos acordos coletivos. A representação nas empresas com mais de 200 trabalhadores, estabelecida pela Constituição Federal, desde 1988, tentaram afastar os sindicatos do processo eleitoral. Mas, nem esta foi adiante. Por quê?
E assim chegamos ao que é o principal nó crítico do sindicalismo brasileiro. Estamos falando de um país de dimensões continentais, marcado por altas taxas de rotatividade e informalidade no trabalho. A maioria das oportunidades de trabalho são oferecidas por micro e pequenas empresas. As grandes concentrações de trabalhadores em um único local estão em extinção.
A realidade atual está marcada por menor concentração, maior pulverização, forte presença da informalidade e por formas de contratação absolutamente precarizadas. Isto sem contar a legião de trabalhadores que já deixaram de buscar trabalho, passando a integrar uma multidão de indesejados, seja por já não terem relevância no mercado de consumo, seja por já não comporem o exército de reserva, historicamente usado para reduzir salários e direitos.
Neste sentido, o problema principal não está na redução do número de sindicatos. Ele até poderá ocorrer se mudanças substanciais em outras questões estiverem asseguradas. O desafio do governo – e penso que caminha nesta direção – é criar condições econômicas que possibilitem melhorar a distribuição de renda e gerar empregos e oportunidades de trabalho para a imensa legião de desamparados, desanimados, desempregados e precarizados, que compõem nossa força de trabalho. Isso implica em intenso processo de qualificação profissional, orientado pelas oportunidades de trabalho que se pretende ofertar; em fazer uma reforma tributária progressiva, justa e solidária, que tribute a riqueza e o rentismo; e alivie a tributação sobre o trabalho.
O que o sindicalismo brasileiro precisa é poder voltar a respirar. Ter assegurado o direito sindical de eleger delegados sindicais com estabilidade, constituir seção sindical nas grandes empresas e quebrar o corporativismo que impõe representação por categorias.
É preciso considerar a dimensão territorial, autorizando que os sindicatos possam se organizar em federações de classe, entidades que possam construir maior densidade sindical em cada território e fazer filiação direta dos trabalhadores não representados, por se encontrarem desempregados, desestimulados, com habilidades profissionais superadas pelas transformações no mundo do trabalho e precarizados.
Somente com direitos sindicais como estes é possível avançar na unificação e fusão de sindicatos. E a criação de federações de classe no âmbito territorial deve ser buscada, oferecendo à classe trabalhadora um espaço onde possa recorrer em busca de apoio efetivo para sobreviver, para conhecer e defender seus direitos, para se qualificar e se reciclar profissionalmente, e para obter ajuda em sua dura busca por oportunidades para trabalhar com dignidade.
O problema não está no número, mas em ver nos sindicatos uma solução para enfrentar as agruras que atormentam a vida daqueles que só têm sua força de trabalho a oferecer. A organização nos locais de trabalho e nas redes, o estímulo para a eleição de CIPAs junto com os sindicatos, podem ajudar o Ministério do Trabalho na fiscalização das condições de trabalho, reduzindo acidentes e mortes, o que teria impacto positivo na redução das despesas do Estado. A organização sindical de toda a classe, no âmbito dos territórios, possibilitaria oferecer aos e às jovens e trabalhadores desamparados uma opção melhor do que entrar para o crime organizado ou cair nas mãos de pastores de judas.
Enfim, assegurando direitos sindicais que possibilitem ao movimento sindical se fazer mais próximo e aumentar sua representação e representatividade, estarão dadas as condições para adequar o seu número a essa nova realidade. E a classe trabalhadora terá sindicatos com maior densidade, ampla representação e muita representatividade. Estará protegida, se sentirá defendida e poderá até reduzir o número de suas entidades sindicais.