CD chega para matar a saudade de se ouvir Nana nos oferecer pérolas que ela despudoradamente abrilhanta.
Nana Caymmi nunca se preocupou em poupar nossos corações, ao longo de uma trajetória que atravessa décadas no ofício de cantar, e eternizar, o “amor” em suas várias faces, espelhos nos quais Nana já se refletia em seu primeiro LP, gravado na histórica Elenco (1965), no qual desfiava seu rosário amoroso em canções como Morrer de Amor (Oscar Castro Neves e Louvercy Fiorini), Das Rosas (Dorival Caymmi), entre outras obras-primas, com destaque para a visceral interpretação da, na época, novíssima Derradeira Primavera, de Tom e Vinícius.
Embora tenha vivido um hiato distante das gravadoras, logo depois do primeiro disco, Nana voltou com toda sua força em 1975, e a partir daí não parou mais, gravando clássicos, revelando compositores, renovando peças esquecidas de nosso cancioneiro, enfim, é difícil falar de uma artista incansável que ajudou, muito, a construir o que podemos chamar, hoje, de música popular brasileira.
Em seu novo CD, Nana Caymmi apresenta um repertório que conceitualmente enfatiza o título do disco, Sem Poupar Coração, parceria de Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro, que já se torna um clássico no berço de seu ineditismo.
Composto por significativo número de temas inéditos, o CD chega para matar a saudade de se ouvir novamente a Nana nos oferecer pérolas que ela despudoradamente abrilhanta, como Contradições (Cristóvão Bastos e Aldir Blanc), Confissão (Antonio Carlos Bigonha e Simone Guimarães), Caju em Flor (João Donato e Ronaldo Bastos), Bons Momentos (Zé Luiz Lopes e Marcio Proença), numa mescla de compositores tanto contemporâneos como os já consolidados historicamente (e em constante atividade).
Num conjunto composto por 14 canções, Nana atenta cuidadosamente para as belas composições de Danilo Caymmi e Manú Laffer (Visão), esse uma revelação paulistana em pleno florescimento que, ao lado de Alice Caymmi (jovem compositora que se revela na belíssima Diamante Rubi) e Márcio Ramos (autor da lacerante Dúvida), coexistem harmonicamente num roteiro de excelente elaboração, no qual se juntam releituras especiais de Sueli Costa (Violão) e Guinga e Paulo César Pinheiro (Senhorinha) – aliás, já era hora de Nana Caymmi imortalizar esta canção, cuja doçura de sua releitura nos faz lembrar, e sentir saudades, da linda Acalanto (de Caymmi), histórico e afetivo dueto realizado entre pai e filha, nos anos 60.
Destaques especiais para Esmeraldas (de Rosa Passos e Fernando Oliveira) e Pra quem ama demais (Fátima Guedes), compositoras que sempre marcaram presença no repertório dos discos da cantora.
Duas canções demarcam-se por suas respectivas particularidades: tema do filme “Lara”, de Ana Maria Magalhães (obra biográfica sobre a atriz Odete Lara), a canção Fora de Hora (de Dori Caymmi e Chico Buarque) finalmente aparece em gravação que, em 2002, embalara a abertura do filme; de um outro modo, Não se esqueça de Mim (de Roberto Carlos e Erasmo Carlos), dueto com Erasmo gravado em 98, reaparece como uma espécie de “faixa-bônus”, encerrando o disco, por conta de sua presença na trilha da novela Caminho das Índias. E mesmo assim, a canção ressurge “renovada”, ganhando maior atenção de um público mais amplo.
Novamente, Nana Caymmi presenteia o Brasil com mais um primoroso trabalho, produzido por José Milton e com arranjos dos grandes Cristóvão Bastos, Dori Caymmi e Itamar Assieri, acompanhados por um time de músicos de primeira linha.
Como dedicatória, levando-se em consideração que o repertório fora todo selecionado por Nana, segue aqui a transcrição presente no encarte do disco:
“Papai e Mamãe,
Cantei pra vocês,
Com muita saudade,
sua filha.”
E como nos versos de Paulo César Pinheiro, presente na faixa-título do CD, “um amor só satisfaz além da razão”. Salve Nana Caymmi!
Fonte: u