Pesquisa é uma iniciativa positiva da Febraban, dada a importância da tecnologia na vida das pessoas. Mas o interesse estratégico de seus financiadores sobressai
A Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária é realizada anualmente pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) com os principais bancos que operam no país e está em sua 28ª edição. “O estudo tem o objetivo de mapear o estágio da tecnologia bancária no Brasil e suas tendências. A pesquisa expõe e explica de que forma o intenso uso da tecnologia no setor bancário se reverte em maior conveniência e segurança para o cliente, tornando-se um importante instrumento de discussão na academia, órgãos do governo, mídia, entre outros”, diz o site da entidade. No momento em que a tecnologia ganha grande dimensão na vida das pessoas e é elemento de competitividade entre empresas e nações, é positiva a iniciativa da Febraban.
Coordenada pela Diretoria Setorial de Tecnologia e Automação Bancária da Febraban, em parceria com a empresa de consultoria Deloitte, a coleta de dados da pesquisa se dá em duas fases: uma quantitativa, com o preenchimento pelos bancos de um formulário; e outra qualitativa, por meio de entrevistas com executivos da área. Em 2020, 20 bancos responderam ao questionário e 10 executivos concederam entrevistas.
Principais resultados
a) Entre 2015 e 2019, no Brasil e no mundo, o setor bancário e o governo são os setores com as maiores participações nas despesas totais com tecnologia, com percentuais entre 13% e 16% do total dos gastos. Em seguida vêm os setores de comércio, telecomunicações, seguros e serviços de saúde (entre 5% e 10% do total). A indústria pesada e a indústria automotiva tiveram participações entre 2% e 4%.
b) Em 2011, os investimentos dos bancos em hardware e telecomunicações representavam três vezes os investimentos em software. Já em 2019, os investimentos em software foram praticamente no mesmo montante da soma dos investimentos em hardware e telecomunicações. Os sucessivos aumentos nos investimentos em software, desde 2013, coincidem com os avanços no uso de operações via smartphones pelos clientes.
c) O número de agências bancárias sobe entre 2010 e 2013 e cai entre 2017 e 2019. Em 2019, voltou-se quase ao mesmo de 2009. Em agosto de 2020, o total de agências no país era de 19,3 mil.
d) O período 2009/2013 foi marcado por forte crescimento econômico e uma ativa política de crédito. O período seguinte caracterizou-se por baixas taxas de crescimento e pelo encarecimento do crédito.
e) Entre 2011 e 2019, cresceram as operações bancárias com uso de smartphones, seguido das operações nas “maquininhas de cartão” (POS) e da internet. Destaca-se, também, a evolução das transações por meio dos correspondentes, porém ainda abaixo dos valores transacionados nas agências e demais canais, exceto os contact centers.
f) Entre 2018 e 2019, houve expressivo aumento da contratação de crédito e de seguros nos canais de internet banking e mobile banking. Por sua vez, as consultas de investimento e contratação de investimentos foram incorporadas aos canais de internet banking e mobile banking com significativo aumento no período.
g) Cresceu o pagamento de contas por meio do mobile banking e se intensificou a queda neste tipo de transação nos canais tradicionais (agências bancárias, posto de atendimento bancário e ATM). Todavia, vários bancos proibiram seus funcionários de receberem esse tipo de pagamento, “empurrando” os clientes para outros canais, como os correspondentes e as lotéricas.
h) Entre 2018 e 2019, as transferências, DOCs e TEDs, tiveram redução nos canais tradicionais, assim como pelo internet banking. Apenas o mobile apresentou alta neste item, provavelmente devido à comodidade de fazer as operações com um aparelho sempre em mãos. Movimento semelhante ocorreu com o depósito (cheque virtual).
i) Tanto no mobile quanto no internet banking há um predomínio das transações sem movimentação financeira, o que pode significar falta de segurança do consumidor bancário na utilização desses canais. Embora executados em menor proporção, os serviços com movimentação financeira no mobile banking e internet banking, entre 2013 e 2019, apresentam tendência de alta.
j) Em 2019, as transações via mobile superaram as movimentações via internet banking pela primeira vez (R$ 4,5 bilhões contra R$ 4,2 bilhões, respectivamente).
Considerações críticas
1. Um problema inerente às pesquisas dessa natureza reside na dificuldade em se manter o devido distanciamento entre o levantamento/leitura dos dados e os interesses/estratégia da entidade empresarial que financia a pesquisa. Nesse sentido, fica evidente o esforço do relatório da pesquisa Febraban-Deloitte em destacar:
a) os elevados investimentos dos bancos em tecnologia no país (quase no mesmo montante do setor governamental e maior entre os demais segmentos);
b) o crescimento da digitalização bancária que, pela forma como a pesquisa é interpretada, parece ser uma iniciativa tão-somente dos clientes (com uso espontâneo do mobile e internet banking) e não como uma estratégia promovida pelos próprios bancos, levando em conta as prioridades e interesses das instituições financeiras.
2. Quem se restringe a ver os resultados da pesquisa propostos pelo relatório, tende a considerar que o processo de avanço tecnológico no setor evolui bem e gera apenas impactos positivos na sociedade.
Informações sobre a relação entre a tecnologia bancária e o trabalho dos bancários também deveriam constar, em alguma medida, da pesquisa da Febraban.
3. A manifesta intenção da pesquisa é a de investigar o desenvolvimento tecnológico no setor bancário. No entanto, diante das características e importância dos bancos no desenvolvimento nacional, seria desejável que uma das perguntas do levantamento residisse no volume de operações de crédito feitas pelos bancos para fins de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação Tecnológica, inclusive com a disponibilização de informações por setor da economia e porte das empresas. Os resultados a esta pergunta poderiam evidenciar o quanto exíguo é este volume e, portanto, o quanto as instituições financeiras ainda têm a avançar nesta área. Seria importante que alguns levantamentos fossem mensurados pela pesquisa, tais como:
i) Evolução do uso dos canais (mobile, internet, agências, correspondentes bancários, contact center, POS e ATM) por faixa de renda e idade dos clientes;
ii) Relação entre canal utilizado e endividamento. Uma hipótese a ser avaliada é que o mobile e a internet tendem a gerar maior endividamento que os demais canais;
iii) Informações sobre a relação entre as modalidades de crédito mais presentes por canal e as respectivas cobranças de juros e tarifas;
iv) Volume de reclamações referentes a cada canal por parte dos clientes;
v) Desejos e expectativas dos clientes – especialmente os idosos – em relação às tecnologias bancárias versus o atendimento presencial; e,
vi) Formas e mecanismos de apoio da área de tecnologia bancária à educação financeira dos clientes.
4. Informações sobre a relação entre a tecnologia bancária e o trabalho dos bancários também deveriam constar, em alguma medida, da pesquisa, contemplando:
i) Horas de treinamento livres, durante a jornada de trabalho, para a capacitação dos trabalhadores bancários, de todos os segmentos que compõem a atividade bancária;
ii) Evolução do valor/empregado/hora; e,
iii) Volume de empregos diretos e indiretos gerados por canal de atendimento.
Mudanças metodológicas da pesquisa Febraban trouxe alterações e descontinuidade na apresentação de algumas informações, dificultando uma leitura histórica sobre cada tema.
5. Nas Políticas Públicas e nos processos de negociação com os Sindicatos, devem ser estabelecidos aos bancos que:
a) compartilhem os ganhos de produtividade com os clientes, por meio das reduções de juros e tarifas, bem como com os trabalhadores bancários, por meio de incrementos na remuneração e na PLR;
b) realizem programas de capacitação para uso das novas tecnologias por todos os bancários, evitando as demissões em virtude do desenvolvimento tecnológico; e,
c) viabilizem a participação de todos os bancários nos programas mencionados, por meio de horas livres remuneradas.
6. Com as mudanças metodológicas da pesquisa, houve alterações e descontinuidade na apresentação de algumas informações, dificultando uma leitura histórica sobre cada tema.
Jefferson José da Conceição. Professor da Universidade do Município de São Caetano do Sul (Uscs) e coordenador do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS (Conjuscs). Blog: www.blogdojeff.com.br. Autor do livro Entre a mão invisível e o Leviatã: contribuições heterodoxas à economia brasileira (Editora Didakt, 2019).
Gisele Yamauchi. Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade São Judas Tadeu (USJT). Economista e Turismóloga. Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela USJT e em Economia Política Mundial pela Universidade Federal do ABC. Colaboradora do Observatório Conjuscs.
Vivian Machado. Mestre em Economia Política pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Técnica do Dieese, na Subseção da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) e colaboradora do Observatório Conjuscs.
Crédito: Marcello Casal Junior/EBC
Fonte: Rede Brasil Atual