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China: uma semana de protestos

27 de janeiro de 2009

Por Tomi Mori, de Tóquio

Foram três dias consecutivos de manifestações contra a ocupação japonesa das ilhas Diaoyu, a que se somou a mobilização contra a abolição das línguas tibetana e mongol das escolas.

Governo chinês decretou que as reportagens sobre as manifestações anti-nipónicas não podem ser publicadas na primeira página dos jornais. 




A semana que termina parece ter sido uma das mais longas da recente história politica chinesa. Desde sábado passado, por três dias consecutivos, milhares de jovens, liderados por uma vanguarda de activistas universitários, protestaram em várias cidades chinesas contra a ocupação japonesa das ilhas Diaoyu, no mar da China. No Japão, essas ilhas são chamadas de Senkoku e consideradas parte do arquipélago japonês.

 

E nos últimos dias da semana foi a vez dos estudantes secundários tibetanos protestarem por três dias consecutivos contra a tentativa do governo chinês de abolir a sua língua materna das escolas.


O paradoxo da posição burocrática


É de se imaginar que, em qualquer país onde a população se levante contra a ocupação de um país inimigo, o governo desse país seja o primeiro a apoiar e incentivar essas manifestações. Mas, paradoxalmente, a burocracia governante chinesa não só reprimiu e estrangulou as manifestações, como impôs uma severa censura na imprensa. A liberdade de imprensa e de expressão é um dos principais termómetros para se aferir o nível de democracia atingida por uma sociedade que se auto-intitula humana. Pois bem, após as manifestações no inicio da semana, o Partido Comunista Chinês determinou, imediatamente, cinco normas que devem ser obedecidas no que se refere a cobertura dos assuntos relacionados ao conflito sino-japonês. Uma delas é que sejam usadas informações da agência oficial chinesa, Xinhua. Ou seja, no país com a maior população do planeta só pode haver uma opinião: a da burocracia governante. E uma outra, é que as reportagens sobre essas manifestações não podem ser publicadas na primeira página. Por que o governo chinês é contra que a sua população se manifeste contra o Japão?



O paradoxo que não é paradoxo


O que, aparentemente, se trata de uma paradoxo, na verdade não o é. É muito provável que estes três dias de protestos contra o Japão tenham entrado para a recente história chinesa como o reinício da luta política das massas chinesas após o massacre da luta democrática na Praça da Paz Celestial, no final da década de oitenta. Extirpar o mal pela raiz, como diz o velho ditado, parece ser o cerne da recente repressão chinesa ao movimento.


Não se trata de uma repressão onde foram feridos ou mortos activistas, mas da repressão sobre as notícias, para restringir a possibilidade que as primeiras manifestações se transformassem rapidamente num processo multitudinário.


Não foi a fome, os salários miseráveis que levaram as massas às ruas desta vez, mas outra coisa, a indignação. Uma indignação justificável contra o imperialismo japonês, mas uma outra mais intensa e poderosa. A camuflada indignação das massas chinesas contra a burocracia governante. Na China, qualquer opinião pública contra o governo é considerada um crime. É por esse motivo que o actual Prémio Nobel da Paz, Liu Xiaobo, se encontra detido, acusado de “subversão”.


A luta anti-nipónica é uma das brechas que os activistas chineses têm para lutar contra o seu próprio governo. Manifestações massivas contra o imperialismo japonês, inevitavelmente, levam a uma ampla luta democrática. E é esse o ponto central da actual repressão sobre as manifestações desta semana. A burocracia chinesa, após a débacle dos regimes do leste europeu, aprendeu que qualquer respiro democrático das massas de seu país, acaba por se voltar contra ela. E pode significar o início do fim dos seus privilégios. A China chegou ao segundo posto da economia mundial, mas só pode manter-se nessa posição sob um regime ditatorial, seja do ponto de vista económico ou político.



Estudantes voltam a lutar


Os recentes protestos foram liderados pelos estudantes universitários chineses. Na segunda-feira, dia 18, pelo terceiro dia consecutivo, os estudantes manifestaram-se em Wuhan, na província de Hubei.

Um dos problemas do actual modelo chinês é que a anteriormente propagada existência ilimitada de mão-de-obra barata chegou ao fim, como o demonstrou a onda de greves vivida pela China semanas atrás. Mas o outro aspecto, que não mereceu atenção da imprensa mundial, é que enquanto falta mão-de-obra desqualificada, muitos estudantes chineses que se formam estão a ter dificuldades de ingressar no mercado de trabalho.


Os estudantes cujos pais fazem parte da burocracia governante logo conseguem um posto de trabalho. O mesmo não ocorre com estudantes que travaram uma longa luta para se formarem, tendo pais que não fazem parte da burocracia chinesa ou que não possuem ligações à nova burguesia. A brutal disparidade económica entre os novos ricos chineses, entre os altos escalões da burocracia é outro aspecto que não passa despercebido pelos milhões de chineses. Ter chegado ao segundo posto da economia não representou nenhuma mudança qualitativa para a ampla maioria. E os estudantes, durante esses protestos, transformam-se na ponta de lança de um profundo processo de luta política que está por surgir num futuro bem próximo.

Passando a borracha numa história milenar


Na sequência da luta contra o imperialismo japonês, surgiu a luta dos estudantes secundários tibetanos em defesa da sua própria língua. Na quarta-feira, na quinta e na sexta, esses estudantes mobilizaram-se em várias cidades do Tibete. Os protestos começaram em Tongren, na província de Qinghai, e chegaram a Pequim, provocando manifestações de apoio também no exterior. Eles envolveram não só tibetanos como também mongóis, que possuem a sua própria língua.


Os protestos começaram depois de Qiang Wei, chefe do partido na província, ter manifestado o apreço pelo uso de uma “língua comum” nas escolas. O que os estudantes interpretaram como uma disposição de banir o sistema bilingue actual, para o uso exclusivo do mandarim. A oficialização do mandarim,como a língua oficial da China, é uma politica de passar a borracha sobre uma história milenar da cultura asiática. A actual China é composta não só por nações anexadas, como é o caso do Tibete e da Mongólia, como por diversas etnias. As diversas línguas existentes na Ásia são uma valiosa herança cultural que sobrevive desde o período em que o homem se encontrava em estado selvagem, evoluindo para o que chamamos de sociedade humana. Apagar as línguas, como o tibetano, o mongol ou o cantonês é uma política consciente da burocracia chinesa para acabar com os conflitos étnicos, que podem desagregar a actual configuração do pais.


Os protestos desta semana, ainda que pequenos em números, tiveram a grandeza de se constituir no início de uma profunda luta anti-burocrática e anti-capitalista na China. Não só no terreno das reivindicações económicas, como foi a recente onda de greves, como também de profundas mudanças políticas.

Fonte: Esquerda.net

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