Em tempos de quarentena, mesmo o esquema de home office pode contribuir para insatisfação, ansiedade e burnout. Pressão, ambiente inadequado e a continuidade das dificuldades vivenciadas no emprego nem sempre são resolvidos com distância do escritório
Um assunto que inquieta muitas pessoas é: como fazer o que gosto ou gostar do que faço? No universo do trabalho, fica cada dia mais evidente a busca por alguma ocupação que realmente traga bem-estar. Ainda assim, não são poucos aqueles que mantêm atividades profissionais as quais não toleram e acabam infelizes. Entre as justificativas, costumo ouvir o famoso “não tenho escolha”. Será?
Nossas escolhas implicam responsabilidade, planejamento e risco. E também oportunidade. Se você está insatisfeito ou vive angustiado com o trabalho, precisa refletir. Tantas vezes é o ambiente profissional (in loco ou remoto) que faz mal à saúde.
Entre as síndromes ocupacionais mais citadas na atualidade está o burnout. Falamos de uma condição já incluída na nova classificação internacional de doenças (CID), com entrada oficial a partir de janeiro de 2022. Ela se refere a um estado de exaustão vital relacionado ao trabalho. O termo foi criado pelo psicólogo alemão Herbert Freudenberger, ele mesmo vítima do problema.
Pesquisas demonstram que 33% dos trabalhadores brasileiros padecem de burnout. Outros levantamentos, citados pelo International Stress Management Association/Isma-BR, apontam que até 70% da população possa ser atingida pela síndrome, que tem um forte impacto no desempenho de empresas e órgãos públicos.
O aumento significativo a cada ano está ligado a condições de trabalho cada vez mais competitivas e os próprios tabus e preconceitos que cercam a busca por tratamento. Muita gente ainda teme ser “rotulada” no escritório e perder reconhecimento, salário ou emprego. Em larga escala, esse fenômeno faz com que não só as pessoas mas a instituição adoeça junto.
E quais os sinais do burnout? Desinteresse pelo trabalho, falta de concentração crônica, baixa autoestima, lapsos de memória, irritabilidade, insônia, fadiga, desânimo, dores pelo corpo… Perceber os indícios da síndrome permite procurar ajuda dentro ou fora da empresa. Não é raro que o local de trabalho também precise de tratamento.
Um problema chamado assédio moral
Outro fenômeno que, infelizmente, tem se tornado mais comum nas instituições públicas e privadas é o assédio moral. Abordado em pesquisas sobre saúde mental e ambiente ocupacional desde os anos 1970, ele é analisado e difundido por estudiosos de renome que, entre outras coisas, mostram como o mal-estar no trabalho prejudica a saúde em geral, elevando o risco de doenças físicas e psíquicas.
A sensação de desconforto e as dificuldades de relacionamento em nível profissional e pessoal levam as vítimas de assédio a quadros de depressão e até mesmo suicídio. É um problema que não se restringe a um gênero ou idade, mas dados comprovam que as mulheres são as principais vítimas, sobretudo em países com maior disparidade nas oportunidades de emprego.
No Brasil, os canais de denúncia e ouvidorias são excelentes alternativas para que a vítima ou alguém que tome ciência da situação de assédio moral denuncie. Infelizmente, muitas pessoas não contam com uma rede de apoio (amigos, familiares e colegas) que possa contribuir para evitar desfechos mais trágicos.
O Ministério Público do Trabalho conta com comissões de combate ao assédio muito eficientes, auxiliando a diminuir o número de casos e contribuindo para que essa violência perversa seja erradicada.
Desde 2001, existem projetos no Congresso Nacional com o objetivo de normatizar o assédio moral e, em março de 2019, a Câmara aprovou o projeto de Lei 4742/01 com a finalidade de tipificar no Código Penal o crime de assédio moral no ambiente de trabalho. Na emenda o assédio fica caracterizado pela ofensa reiterada à dignidade do assediado, resultando em sofrimento físico ou mental no exercício do emprego, cargo ou função.
É importante esclarecer que o burnout pode se manifestar com ou sem assédio moral. Na síndrome do esgotamento, a tensão com os próprios limites ou as metas impostas é que traz repercussões psicológicas e físicas. Contudo, o assédio moral pode contribuir para o desenvolvimento do burnout e acentuar seus desdobramentos.
Em momentos como o que estamos vivendo, com novos modelos de atividades laborais, é fundamental que esses temas sejam divulgados e discutidos, uma vez que a quarentena não os elimina — como ainda aumenta o risco de violência doméstica e sexual.
Com a perspectiva de o home office ser adotado ou prolongado em empresas privadas e setores públicos, devemos prevenir o possível aumento das mortes silenciosas no cotidiano do trabalho. Trabalhar não deve ser encarado como sinônimo de castigo, mas de complemento para a realização pessoal.
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Fonte: COM A PALAVRA – 17 jun 2020
Escrito por: Karina Uchôa, advogada e pesquisadora na área de qualidade de vida