Parecer de Arthur Lira mantém Fiagro e fundos no exterior fora da base do imposto mínimo, com visões conflitantes sobre seus efeitos na justiça fiscal
O parecer apresentado pelo deputado Arthur Lira (PP-AL) para a reforma do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) é considerado um avanço na progressividade tributária ao criar uma alíquota mínima para rendimentos anuais acima de R$ 600 mil e ampliar a faixa de isenção para milhões de brasileiros de baixa e média renda. No entanto, a manutenção de brechas no texto final, permitindo que super-ricos escapem em parte da nova tributação mínima, acende debate entre especialistas, parlamentares e o mercado. Entre os pontos mais discutidos estão os benefícios mantidos para os Fiagro (Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais) e para dividendos enviados ao exterior.
O relatório preserva a isenção para rendimentos dos Fiagro desde que o fundo tenha pelo menos 100 cotistas e as cotas sejam negociadas em bolsa ou balcão organizado. Para o economista André Aranha, da UFRJ, essa estrutura permite uma concentração desproporcional: “É possível que um investidor concentre quase todas as cotas e distribua pequenas participações entre outros 99 para atender à formalidade. Isso contraria o princípio da justiça fiscal e mantém desigualdades”, avalia. Ele defende que a regra seja revista para limitar a concentração e recomenda também um imposto de saída para brasileiros que transferem grandes fortunas ao exterior. “As brechas não são meramente técnicas, são formas para os mais ricos continuarem pagando menos do que poderiam”, completa.
Em relação à isenção para dividendos enviados ao exterior para fundos soberanos ou de previdência, André aponta que “essa é uma brecha que beneficia quem tem estrutura para movimentar recursos para fora do país, algo restrito a uma minoria, e que fere a progressividade que a reforma busca implementar”. Para ele, essas exceções precisam ser eliminadas ainda na tramitação em plenário.
Já Pedro Humberto, pesquisador do Ipea, apresenta uma visão distinta sobre os Fiagro. Ele afirma: “Não enxergo que o Fiagro possa ser um instrumento de fuga do imposto mínimo. Além dos riscos do fundo, seus rendimentos serão tributados em 5% a partir de 2026, de acordo com a MP 1303/2025”. Sua maior preocupação está nos fundos no exterior: “Minha maior preocupação é a atual isenção para fundos de não residentes, os Fundos de Ações (FIA) de não residentes e os Fundos de Títulos Públicos para não residentes. O milionário brasileiro pode mudar o domicílio fiscal para o Uruguai ou Argentina, que concede isenção da renda do exterior como programa de atração de residentes ricos. Sendo não residente, um Fundo de Ações isento pode ser estruturado, bem como o uso dos fundos de títulos públicos”, detalha. Pedro acrescenta: “Atualmente o Brasil não tributa o ganho de capital no momento de mudança de domicílio fiscal ou cidadania, como ocorre nos Estados Unidos e em mais 13 países da OCDE. Corrigir isso é fundamental para que a reforma seja eficaz”.
Já a economista Carla Beni, professora da FGV e Conselheira do CORECON SP, reconhece que a questão do Fiagro não seja um problema imediato, mas faz um alerta político: “Nada impede que a bancada do agro, que hoje possui mais de 300 deputados, derrube os 5% de IR previstos a partir de 2026”. Ela também contesta um argumento comum entre defensores da isenção: “O argumento de que esta tributação desestimularia a LCA não procede, porque ainda é muito menor que qualquer aplicação como CDB, por exemplo, que começa com 22,5% e termina com 15% após dois anos”. Para ela, é preciso atenção para evitar retrocessos em um ponto que ainda depende de regulamentação futura.
Isenção do IR
A votação do parecer na Comissão Especial pode ocorrer já nesta quarta-feira (15), com expectativa de aprovação pelo governo e aliados. A bancada petista trabalha para que as discussões sobre as brechas ocorram no plenário em agosto, quando emendas podem ser apresentadas para limitar a concentração nos Fiagro e acabar com isenções para dividendos remetidos ao exterior. Parlamentares admitem que, embora as isenções não comprometam a essência da proposta, enfraquecem seu impacto ao permitir que super-ricos sigam usando estratégias para reduzir sua contribuição fiscal.