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Assédio Moral Institucional Bancário

27 de janeiro de 2009

Bruno Scarpelini

1. CONCEITO DE DANO – BASES LEGAIS.
“Dano” moral é o prejuízo do patrimônio psíquico, moral e intelectual de alguém (CF 5º, X), o qual consiste no equilíbrio psicológico, bem-estar, reputação e normalidade da vida, cujo desequilíbrio desanima, dói, assusta, angustia, e abate [1].

Assédio moral é a conduta abusiva reiterada de natureza psicológica do empregador para com seu subordinado. Em inglês se diz “mobbing” (to mob = agredir) para definir o comportamento agressivo dos lobos que amedrontam um membro do grupo, até afugentá-lo. Já os homens ofendem, depreciam, ampliam erros, abusam do poder, exigem em excesso – enfim, trocam o ideal de cooperação por parâmetros de mera competição.

O “psicoterror” [2] danifica o direito de personalidade da vítima, ao por em perigo seu emprego e degradar o ambiente de trabalho, desprezando a noção ideal de humanidade. A violência contra o ser humano praticada por “política da empresa” traz danos existenciais.

Nosso Estado Democrático de Direito baseia-se na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF 1º) e repudia expressamente o assédio moral, ao garantir a inviolabilidade do direito à vida (CF 5º, caput) e cuidar da saúde do trabalhador (CF 6º e 7º). Nossa ordem econômica (CF 170) visa assegurar a todos existência digna pela valorização do trabalho humano, com base na defesa do meio-ambiente, nele compreendido o do trabalho (CF 170, VI e 200, VIII) e é dever do Poder Público preservá-lo para as futuras gerações (CF 225).

Mas apesar da diretriz constitucional, ainda é modesta a legislação sobre o assédio. Não há lei federal, apenas leis municipais regulando o tema no âmbito específico da Administração Pública, como a Lei Municipal 13.288/2002, da cidade de São Paulo, com penas de suspensão, multa ou demissão ao servidor responsabilizado por assédio moral [3].

2. A SITUAÇÃO DOS BANCÁRIOS – INSTITUCIONALIZAÇÃO DO ASSÉDIO.
Há até pouco tempo, falar sobre assédio moral era visto como exagero ou “frescura”.

Porém a sociedade mudou. A tutela dos direitos da personalidade hoje é tida como um freio à brutalidade dos homens e a preocupação com o problema é mundial, daí a avalanche de publicações a respeito. Por isso, numa relação trabalhista, há que se cuidar dos interesses das pessoas envolvidas, não mais apenas do seu conteúdo traduzível em patrimônio.

A complexidade aumenta quando se enfoca o trabalhador bancário, que foi o que mais sentiu os efeitos do enxugamento dos quadros das empresas e do recente afunilamento do mercado de trabalho bancário. A mesma globalização que trouxe à Constituição Federal o princípio da dignidade da pessoa humana (CF 1º, III), também transformou nossa economia, e o setor bancário foi o que (tecnologicamente falando) mais se modernizou. O novo conceito de supervalorização do individualismo reestruturou as relações do trabalho. A globalização ajudou muito a cultura, por compartilhar informações, mas problematizou o departamento de recursos humanos. Há teorias sobre melhorias no ambiente corporativo, relações mais equilibradas, criatividade e aproximação dos funcionários com a ideologia da empresa, mas pouco se faz na prática.

Hoje, a seleção e avaliação de funcionários de uma agência bancária busca o “trabalhador produtivo”, aquele que ignora sua própria dor, atinge suas metas e é isoladamente premiado por desempenho – desvinculando a equipe do resultado da empresa. O superindividualismo diminui as relações afetivas no local de trabalho, gera atrito entre chefes, subordinados, pares, e cria o assédio moral.

A gestão de uma agência bancária hoje envolve pura e simplesmente impor e controlar metas de vendas mês a mês, gerando opressão infinita sobre todo o grupo de trabalhadores e desgastando a relação do Banco com seus próprios clientes!

O abuso reiterado degrada o ambiente de trabalho. A “pressão” repercute na vida privada do trabalhador, na sua qualidade de vida, gerando desajustes sociais, transtornos psicológicos e doenças psíquicas, principalmente a depressão. Por isso os bancários são campeões em registros de suicídio [4].

Se o bancário convive mais com colegas do que com sua própria família, isto é “frescura”?

O desgaste profissional passa despercebido pelo próprio empregado na rescisão seu contrato de trabalho (motivada, na verdade, pelo assédio moral), pois nossa jurisprudência refere exemplos mais gritantes, como xingamentos e humilhações públicas, quando o certo seria prevenir todas as formas de violência praticadas por um inimigo sem rosto, a “política da empresa”. São atitudes propositalmente ausentes do “código de ética” dos bancos.

Ampliemos o conceito, indicando outras possíveis situações de assédio [5]: imaginemos o cotidiano do funcionário de agência, cuja missão é amealhar mais e mais dinheiro para o banqueiro. Podem ocorrer, entre outras situações: a) imposição de horários injustificados; b) rigor excessivo; c) trabalho superior às forças do empregado (atribuição de metas dificílimas ou impossíveis de ser cumpridas); d) solicitação de trabalhos urgentes para depois jogá-los na gaveta ou no lixo; e) impor obrigação de realizar autocríticas em reuniões públicas; f) exposição ao ridículo (rol de empregados com menor produtividade) [6]; g) desqualificação ou críticas em público; h) descaso para com a saúde do trabalhador [7], ou divulgação de doenças e problemas pessoais; i) sugestão para pedido de demissão; j) instruções confusas; k) referência a erros imaginários, etc.

É comum também o puro e simples esvaziamento de funções (boicote de material, como automóvel, mesa de trabalho, equipe, etc.) [8], nas incorporações entre bancos: o pessoal da instituição “comprada” é preterido frente a seus novos colegas e sutilmente forçado a demitir-se – um modo de o novo patrão fugir dos salários mais altos antes praticados.

Os bancos vivenciam mais o assédio justamente porque trabalham por metas e tem de responder ao mercado com rapidez [9], enquanto as empresas que trabalham com projetos tendem a dar mais tempo à maturação de idéias do funcionário. Por isso, notadamente entre os bancários, é comum que os colegas (temerosos ou indiretamente interessados no afastamento da vítima) endossem o assédio moral – que se torna assim um “assédio institucional”, por envolver a cultura de gestão da empresa [10]. Quando a política empresarial favorece o terror psicológico, todos os funcionários podem estar sofrendo este tipo de assédio.

3. A ORIGEM DO MAL – PERVERSÃO OU PERVERSIDADE?
Hoje, nos bancos, a venda de produtos de todo tipo, antes facultativa e deixada a cargo daqueles com perfil para tanto, tornou-se a tarefa mais importante e as metas devem ser cumpridas sob ameaça de despedida [11].

Sendo o patrão um banco, além da fixação de metas inexeqüíveis, devemos lembrar também das condições físicas das unidades onde lotados os bancários (geralmente em número muito pequeno se comparados ao imenso universo de clientes a quem devem prestar satisfatório atendimento) para constatarmos o drama de que é vítima esta categoria profissional, sob a constante ameaça de demissão ou de estagnação profissional:

De um lado, o banco entende que mais clientes podem consumir mais de seus produtos (cartões de crédito, seguros, capitalizações e vários outros modos de aumentar o ganho da intermediação financeira), e orienta toda a sua atividade no sentido de fazer com que tais vendas aconteçam na mesma proporção do número de clientes.

Do outro lado, o cliente entende que o banco é um prestador de serviço, que serve para administrar o seu patrimônio ou sua necessidade pontual de crédito, através da atuação de profissionais especializados – e só por isso é que o procura.
No meio deste conflito de interesses está o trabalhador bancário, cobrado a prestar o melhor atendimento pelo cliente e pressionado pelo patrão a ser o melhor dos vendedores. No fim, desgasta-se a relação banco-cliente e o próprio profissional, vitimado pela síndrome do esgotamento profissional chamada “burnout” [12], devida ao elevado “stress” no trabalho.

Os bancos pregam “liberdade” nas relações entre si e com o mercado, mas se contradizem ao explorar ilimitadamente seus subordinados, danificando-lhes a saúde. Isto porque, especialmente neste campo de vendas e prestação de serviços, a competição intensa estimulada pelos banqueiros dá uma conotação de “guerra” ao trabalho diário. Mas o “stress” despertado num guerreiro de verdade tem uma justificativa: a morte do inimigo. O soldado dispara seu fuzil contra um adversário real. Quanto ao gerente de contas do banco da esquina, a quem deve destruir: o concorrente ou seu chefe?… Ou seria o cliente?…

Assim, quando o banco estimula o “stress” para ultrapassar a concorrência, promove uma perigosa descarga do hormônio adrenalina, sem que se possa satisfazer a agressividade desencadeada – o que não faz sentido e ainda extrapola o contrato de trabalho, já que o empregado não vai fugir nem atacar, e muito menos é um lutador!

Esse tipo de gestão produz o que a Psicanálise chama perversão [13]: um ambiente psicologicamente doente, moralmente permissivo, que banaliza a maldade e tolera atitudes grosseiras, numa postura que contraria a razão de ser do Direito do Trabalho.

O quadro persistirá, apesar da Constituição, até que, ao menos na esfera jurídica, passemos a combater ostensivamente o desrespeito aos direitos da personalidade. Se isso não acontece, o próprio padrão de humanidade é nivelado por baixo, o mal é banalizado e a vítima pode acabar sendo o próprio sistema bancário, que deveria ver no fator humano o seu maior capital [14].

Esperamos que por atuação maciça dos operadores do Direito, cedo ou tarde os bancos procurem eles mesmos se desvencilhar de políticas de gestão empresarial calcadas neste paradigma de “produtividade” como quantidade (não qualidade), como se o trabalhador fosse um robô e não uma pessoa.

4. CARACTERIZANDO O ASSÉDIO MORAL.
A lei ainda está construindo a definição do assédio, mas vamos tentar caracterizá-lo. Rodolpho Pamplona Filho [15] nos dá três elementos principais: 1) o abuso de direito; 2) a natureza psicológica do atentado à dignidade psíquica do indivíduo; e 3) a conduta reiterada.

O Código Civil faz de todo abuso de direito um ato ilícito (CC 187) reprimido pela lei. Assim, quando o empregador justifica a conduta abusiva de seu preposto como exercício normal do poder de direção, extrapola os limites do contrato de trabalho, pois deveria estimular laços de cooperação mútua no ambiente de trabalho.

O segundo elemento é particularmente importante, porque nele se baseia o quantum da reparação eventualmente pretendida em juízo. Não há necessidade de que o bancário venha a ser materialmente vitimado pela violência. Basta a exposição, pois há dano moral na própria situação de risco, medo, etc [16]. Aliás, medo, tensão e angústia não deveriam depender de prova, pois são lesões da própria alma, que ocasionam sofrimento íntimo [17].

Já a conduta do ofensor, em regra, basta que seja contínua para configurar o assédio. Difícil concebê-lo como algo esporádico, pois um ato isolado não poderia provocar uma “doença social”. Não que o dano decorrente de único ato ofensivo não mereça reparação – mas neste caso não há assédio moral, e sim o dano moral “puro” (vale delimitar os campos, para impedir o esvaziamento do conceito).

A doutrina aponta ainda um quarto elemento: a manifestação expressa com finalidade de excluir a vítima do ambiente de trabalho [18], do qual discordamos, porque no caso específico das relações de mando entre bancários, muitas vezes a intenção declarada ao público é diametralmente oposta, e aquela finalidade só aparece quando do confronto dos fatos já na esfera judicial. Exemplo óbvio são as campanhas de vendas que incendeiam o meio bancário, notadamente os funcionários de agências (“pontos-de-venda”). Para motivar o trabalhador a buscar as metas, premia-se os melhores, às vezes ocorrendo de se expor ao ridículo os retardatários, como é caso clássico da jurisprudência. E quanto ao trabalhador que cumpre – sim – as metas, mês a mês, a cada “campanha”, à custa do convívio familiar e da própria saúde? Esforça-se por uma promoção que nunca vem, ou simplesmente para proteger emprego de outro “colaborador” mais jovem ou preparado. O tempo passa e este trabalhador vai revelando sintomas de depressão, contra os quais luta – pois incorporou a ideologia da empresa e não quer ser um “perdedor”. Até o dia em que é “encostado” – quando não demitido – por não agüentar mais manter o ritmo de “produção” incessante exigido pelo banco. Neste caso – muito comum – não há intenção de excluir o funcionário, sequer uma única agressão direta. Mas como dizer que não foi vítima do assédio moral?

Um último elemento caracterizador do assédio moral seria o imprescindível dano psíquico-emocional da vítima [19] comprovado por meio de perícia quanto ao nexo causal. Discordamos de novo, pois o dano não caracteriza o assédio moral e sim a responsabilidade civil decorrente da conduta que o gerou. Embora muitas vezes seja fruto do assédio, o abalo psíquico nem sempre ocorre. Basta a violação do direito da personalidade a ser provada em juízo, pois a prevenção ao assédio moral é para evitar que a doença surja!

5. CRITÉRIOS DE REPARAÇÃO. CONSEQUÊNCIAS PARA AS PARTES.
A reparação do dano moral tem natureza civil de responsabilidade objetiva: constatamos o nexo causal entre fato e dano, no ambiente de trabalho, e pedimos a reparação.

Isto porque o risco da atividade econômica é do empregador (CLT 3º), que é responsável por atos de seus prepostos no exercício do trabalho ou em razão dele, ainda que não haja culpa de sua parte (CLT 8º, § único, e CC 932, III, e 933). Assim, deixou de valer o antigo conceito (STF, Súmula 341) de que um ato causado por empregado no exercício do trabalho ensejaria culpa presumida do empregador, pois o Código de Defesa do Consumidor e o Novo Código Civil falam em
responsabilidade civil objetiva, quem quer que seja a vítima [20].

A lei é justa e também protege o patrão de uma possível lesão injustificada, por meio do direito de regresso (CC 934) e do desconto de salários (CLT 462). Mas entendemos que seria mais justo que também no caso de assédio moral incumbisse ao patrão provar o ânimo de seu preposto (CLT 462, § 1º, por analogia), porque a reparação do dano moral extrapola a esfera do indivíduo e diz respeito a toda a sociedade, pois são agredidos bens irrenunciáveis (dignidade da pessoa humana) e bens de interesse público (meio-ambiente do trabalho). Havendo dificuldade na prova, revelado estaria o alinhamento da conduta do preposto com os objetivos da empresa!

Fora do âmbito judicial, o assédio moral traz conseqüências diferentes conforme a perspectiva do sujeito envolvido, mas que afetam: 1) o empregado assediado; 2) seu colega e algoz; e também 3) a empresa empregadora.

Os piores efeitos recaem sobre a vítima, cujo rendimento é prejudicado devido à pressão psicológica e que vê sua intimidade afetada de várias maneiras, desde os comentários de colegas até a escancarada represália: a promoção recusada, a transferência injustificada, a demissão. O assédio é assim um trauma cujas seqüelas podem marcar indefinidamente a vida da pessoa, com necessidade até mesmo de acompanhamento médico/psicológico.

A lei já trazia a hipótese de despedida indireta do trabalhador (CLT 483, alíneas “c” e “e”), chegando a antever a delicada situação em que o obreiro desiste do emprego – sua única fonte de recursos – por não suportar mais abusos. Infelizmente isso não foi suficiente para prevenir o dano, pois até lá o ambiente de trabalho já se degradou por completo…

Para reparar o dano, a lei permitiu uma compensação pecuniária que amenize a dor da vítima. Mas há outras possíveis, como a retratação pública, pois a violência atinge a esfera extra-patrimonial e o conceito de dignidade não pode ser monetariamente traduzido. Mas quando um nanco protagoniza violação ao direito de seu subordinado, a Justiça do Trabalho tem visto na reparação civil por indenização pecuniária [21] o meio mais eficaz para compensar um dano que é, na verdade, irreparável. Arbritar o valor devido em casos envolvendo instituições financeiras talvez seja a parte mais difícil numa ação indenizatória deste tipo, já que o ordenamento jurídico não define uma tabela e a dor moral não tem preço…

Quanto à pessoa do agressor, a lei contempla sua punição nas esferas: a) trabalhista, na justa causa (CLT 482, “j”); b) civil, na responsabilidade patrimonial direta pelo dano (CLT 462, §1º); e c) criminal (sanções diversas conforme o tipo). Mas responsabilizar apenas o preposto é ignorar a raiz do problema. Pois quando o gerente-geral de uma agência bancária leva seus subordinados ao esgotamento, muitas vezes ele próprio também já está esgotado, inconscientemente dominado pela ideologia da empresa – eis a verdadeira causa de toda a tragédia. Claro que isto não justifica o assédio moral, mas ao menos o explica.

O ponto-de-vista dos bancos é o menos defensável. Eles parecem ignorar que além do prejuízo evidente de ter de responder com seu patrimônio às condenações judiciais, o assédio ainda lhe traz outras formas de prejuízo que afetam a própria organização empresarial.

Rodolfo Pamplona Filho [22] enumera três conseqüências pecuniárias diretas:
a) o custo das faltas ao trabalho (a primeira coisa que faz o trabalhador que se sinta desprotegido – gerando insatisfação nos clientes e ressentimento nos próprios funcionários, cujas atividades são interdependentes, fora o agravamento do quadro quando a somatização das agruras vividas pelo bancário justifiquem seu afastamento por licença médica);
b) a queda de produtividade (se um único caso de assédio moral já diminui a expectativa de ganho do empregador, que dizer da possível queda geral de produtividade, principalmente entre funcionários na mesma situação da vítima, ante a sensação de insegurança no meio-ambiente de trabalho?); e
c) a rotatividade da mão-de-obra (além do pagamento das verbas devidas, há a despesa não prevista em face do necessário treinamento de novos trabalhadores para a função antes exercida pelo empregado desligado ou afastado).
Portanto, mesmo em menor escala, o próprio banco é vitimado por uma política de gestão empresarial equivocada. Fazer “vista grossa” para o assédio moral põe em xeque a política de “produtividade” até aqui tão valorizada, onerando excessivamente a empresa, numa relação custo-benefício deficitária, principalmente numa economia globalizada.

6. CONCLUSÃO. NOVOS RUMOS.
O problema social desencadeado pelo assédio moral entre bancários deve-se ao enfoque equivocado dos bancos quanto às suas estratégias de gestão. Toda a questão deveria resolver-se no conceito de função social da empresa (decorrente do princípio da função social da propriedade), estabelecido pela Constituição Federal e que alterou o perfil político, econômico e ideológico do Estado brasileiro. Foram positivados vários princípios antes inexpressivos, e a antiga preferência à proteção patrimonial individual deu lugar à supremacia do indivíduo [23] e de seu valor perante a sociedade.

Cabe às empresas a geração de empregos, o recolhimento de tributos e – principalmente aos bancos – a própria movimentação da economia. Sua função social será alcançada quando, além de cumprir referidos papéis, observarem os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (CF 1°, III), do valor social do trabalho (CF 1°, IV), da solidariedade (CF 3°, I), da justiça social (CF 170, caput), da busca do pleno emprego (CF 170, VIII), entre outros.

E o Direito do Trabalho contribui para esta função social, pois cremos que o indivíduo desenvolve plenamente sua personalidade quando valoriza o trabalho.

Assim, o meio mais eficaz de combater o assédio moral é preveni-lo – o que só é possível se os bancos sentirem a conveniência de incorporar os valores da lei às suas políticas comerciais, seja pelo vulto dos desembolsos por indenizações às vítimas ou porque o gasto de tempo e pessoal represente um valor econômico considerável.

Adotar medidas de prevenção ao assédio moral significa promover a educação (ex: campanhas que esclareçam que o assédio moral é uma doença social ou manuais onde conste que certas “liberdades” não podem ser toleradas no ambiente de trabalho [24], de modo a impedir eventual alegação de desconhecimento pelo agressor quanto às restrições da conduta adotada) e a fiscalização (a ser exercida diretamente pelo empregador, mas nada impede seja supervisionada pelo Estado, e mesmo a própria vítima pode ter um papel ativo na advertência ao ofensor), pois como há deterioração do relacionamento entre as pessoas e da imagem da empresa, afetando custos, vendas, despesas, etc, parece óbvio que o maior interessado em combater o assédio seja o próprio empregador. Até por ser uma prerrogativa do seu poder de direção, a atividade de fiscalização pode ser atribuída a prepostos específicos da empresa.

Enquanto a lei trabalhista não regula especificamente o assédio moral, cabe aos operadores do Direito comprometidos em combatê-lo fazer uso, além de todos os dispositivos legais já mencionados, também dos seguintes, por exemplo: a) Lei nº 9.029/95, aplicável aos atos discriminatórios no ambiente de trabalho; b) CPC 332, para que se admita todo meio de prova; c) CC 186, 187, 214, 223, 225 e 927, com regra expressa; d) CLT 373-A (proíbe a discriminação), 482, alíneas b e j, 483, e, e 652, IV (figuras de justa causa e rescisão indireta); e) CP 216-A (analogia do assédio sexual).

Claro que a indenização não deve servir para enriquecer a vítima nem para quebrar a empresa, ao mesmo tempo em que tem de servir como instrumento pedagógico para que a empresa não mais viole a dignidade de outros trabalhadores. Registre-se apenas que a dor moral (o brio, o amor-próprio) não tem preço para o homem de bem – e aí o papel do Poder Judiciário de tentar confortar a vítima pela certeza de que o causador do dano foi punido, e de que a lição pode servir para que outros não vivam o mesmo drama. É a “teoria da exemplaridade” [25] aplicada à reparação por danos morais.

Como no Brasil de hoje os bancos ostentam uma capacidade financeira indiscutível, é óbvio que uma condenação em valor módico não causa nenhum efeito pedagógico. Assim, a condenação de um banco deve atender não apenas ao anseio de justiça do indivíduo, mas da sociedade inteira, neste mundo moderno onde a corrida pelo lucro tende a fazer do ser humano um número abstrato, e onde a ética e a moral algumas vezes passam longe das relações entre as pessoas, seja nos negócios, no trabalho ou nos outros setores da vida.

É empolgante o caminho que temos pela frente!

6. NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
[1] FERREIRA, Roberto Schaan. O dano e o tempo: responsabilidade civil. Revista de Estudos Jurídicos, v.25, n.64, 1992
[2] KONRAD LORENZ, citado por SILNEY ALVES TADEU. Assédio psicológico no ambiente de trabalho. Revista do Direito Trabalhista. Ano 12. Nº 12. Ed. Consulex. São Paulo. 2006.
[3] “Para fins do disposto nesta lei considera-se assédio moral todo tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a auto-estima e a segurança de um indivíduo, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução da carreira profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício do funcionário, tais como: marcar tarefas com prazos impossíveis; passar alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais; tomar crédito de idéias de outros; ignorar ou excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros; sonegar informações de forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com persistência; subestimar esforços”.
[4] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Dano moral nas relações de trabalho. Revista do Direito Trabalhista. Ano 12. Nº 12. Ed. Consulex. São Paulo. 2006.
[5] PAROSKI, Mauro Vasni. Assédio moral no trabalho. Disponível no Jus Navigandi: .
[6] Vide ementas do Acórdão 00335-2005-611-04-00-1 RO – TRT 4ª Região – Relatora Juíza Maria Helena Mallmann – DJRS 22.06.2006 e do Acórdão 06689-2001-652-09-00-4 – (10113-2004) – TRT 9ª Região – Relatora Juíza Marlene T. Fuverki Suguimatsu – DJPR 28.05.2004.
[7] Vide ementas do Acórdão 20060126684 – TRT 2ª Região – Relator Juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros – DOESP 17.03.2006 e do Acórdão 0625-2001-021-15-00-0 – (4981/06) – TRT 15ª Região – Relator Juiz Flavio Nunes Campos – DOESP 10.02.2006.
[8] Vide ementa do Acórdão RO 1142.2001.006.17.00-9 – TRT 17ª Região – Relator Juiz José Carlos Rizk.
[9] Vide ementa do Acórdão RO 00267-2007-009-17-00-6 – TRT 17ª Região – Relator Desembargador Cláudio Armando Couce de Menezes.
[10] CALVO, Adriana. O assédio moral institucional e a dignidade da pessoa humana. Disponível em www.calvo.pro.br.
[11] GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. 2ª ed. Ed. Ltr. São Paulo. 2005.
[12] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Obra citada.
[13] LACAN, Jacques, citado por CARNEIRO, Carlos Frederico Fiorino, Juiz do Trabalho prolator da sentença no Processo AT 00907-2005-008-12-00-7, que tramitou na Vara do Trabalho de Concórdia, SC.
[14] SOROS, George, citado por BOFF, Leonardo. Fundamentalismo: a globalização e o futuro da humanidade. Ed. Sextante. Rio de Janeiro. 2002.
[15] Noções conceituais sobre o assédio moral na relação de emprego. Disponível no Jus Navigandi: .
[16] Vide ementa do Acórdão 23.396/03 – Processo 00323-2002-091-09-00-6 – TRT 9ª Região – Relator Juiz Celio Horst Waldraff – DJPR 24.10.03.
[17] Vide ementa do Acórdão RO 01393/2001-000-24-00-7 – TRT 24ª Região – Relator Designado Juiz Amaury Rodrigues Pinto Júnior – DOMS 12.09.2002.
[18] PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Obra citada.
[19] NASCIMENTO, Sônia A. C. Mascaro. Assédio moral no ambiente do trabalho. Revista LTR, vol. 68, nº 08. São Paulo. 2004.
[20] VENOSA, Silvio de Salvo. Responsabilidade Civil. Ed. Atlas. São Paulo. 2006.
[21] Vide ementas do Acórdão RO 00163-2004-316-02-00 – (20060496945) – TRT 2ª Região – Relatora Juíza Rosa Maria Villa – DOESP 18.07.2006 e do Acórdão RO 01661-2002-315-02-00 – (20050920825) – TRT 2ª Região – Relator Juiz Rafael E. Pugliese Ribeiro – DOESP 10.02.2006.
[22] Obra citada.
[23] PEREIRA, Rafael Vasconcellos de Araújo. Função social da empresa. Disponível em: .
[24] Vide ementa do Acórdão RO 00804-2004-019-09-00-6 – (17365-2005) – TRT 9ª Região – Relator Juiz Arnor Lima Neto – DJPR 12.07.2005.
[25] MELO, Nehemias Domingos de. Dano moral trabalhista. Ed. Atlas. São Paulo. 2007

30 de Junho de 2010.


Fonte: Assunção Advocacia

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