Em entrevista, presidente do Banco Central afirmou que “ninguém propôs em nenhum momento acabar com o parcelado”, e que problema envolvendo o rotativo do cartão será debatido no âmbito do CMN
Devido à má repercussão de que estaria em estudo no Banco Central uma medida para acabar com parcelado sem juros no cartão de crédito, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, negou ontem (17) que esse assunto esteja em debate no âmbito da autarquia. “Há uma equação difícil de equilibrar. De um lado, entende-se que o parcelado sem juros é muito importante para o consumo. E ninguém propôs em nenhum momento acabar com o parcelado. A ideia que estava sendo discutida era como podemos fazer para que isso não continue crescendo de forma desenfreada”, disse em entrevista ao canal do Poder360 no YouTube.
Campos Neto explicou que há várias soluções sendo discutidas para o problema dos juros cobrados no rotativo do cartão de crédito e que provavelmente o assunto será avaliado pelo CMN (Conselho Monetário Nacional). O colegiado é formado pelos ministros Fernando Haddad, da Fazenda, que é o presidente, e por Simone Tebet, do Planejamento, além de Campos Neto.
Ainda segundo o presidente do BC, “ninguém quer fazer nada que tenha um impacto abrupto no consumo”. “É importante entender que esse é um instrumento que é utilizado, vem crescendo há muito tempo. Ninguém quer criar nenhum tipo de ruptura que possa causar um impacto para as pessoas”, complementou.
O chefe da autoridade monetária reforçou ainda que ele tem conversado com os setores envolvidos. “Alguns setores expressam muita preocupação com o que aconteceria na vida das pessoas se não tivesse o parcelado sem juros. E eu entendo isso”, disse.
Sobre o avanço do tema no Congresso, onde tramita um projeto de lei prevendo limite para as taxas do rotativo, ele afirmou que a Fazenda está tentando achar o equilíbrio entre o técnico e o político, ou seja, tentando encontrar um meio termo entre os subsídios técnicos oferecidos pelo BC e a viabilidade política das propostas estudadas. “O Ministério da Fazenda está se debruçando numa ligação sobre o que é puramente técnico e o técnico viável de ser aprovado no Congresso”, pontuou.
Em fala concedida na semana passada, Campos Neto havia citado incômodo do BC com o sistema atual de financiamento por cartão de crédito, que permite aos correntistas parcelar compras em até 13 parcelas sem juros. Essa modalidade não existe no resto do mundo. “É como se fosse um financiamento de longo prazo sem juros”, avaliou o presidente do Banco Central.
Na ocasião, ele disse que a autarquia estuda criar algum tipo de “tarifa” para desincentivar a compra desenfreada no crédito em uma quantidade muito grande de parcelas – o que, com frequência, leva o comprador a perder o controle da própria fatura.
A fala trouxe grande repercussão entre varejistas, consumidores e o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O mandatário da Fazenda disse que as mudanças que estão sendo estudadas no rotativo do cartão de crédito, com os juros mais caros do mercado, não podem comprometer as vendas do varejo.
Em 2022, a taxa de juros dos bancos alcançou 42% ao ano, enquanto que o cartão de crédito rotativo chegou a 409,3%.
Em entrevista, Campos Neto reforça que há muitas emissões de cartões de crédito no país
Na entrevista, Campos Neto voltou a dizer que há muita emissão de cartão no país. “Então, existia uma ideia de que, se tabelar os juros, acabamos controlando a emissão de cartões, porque os bancos vão começar a entender que, com os juros tabelados, precisa emitir menos”, prosseguiu.
Sobre o diagnóstico do problema dos juros elevados cobrados no rotativo, Campos Neto destacou o contexto da migração do sistema baseado no cheque pré-datado, cujo risco era assumido pelo lojista, para o sistema parcelado no cartão de crédito, migrando o risco para o emissor.
Segundo ele, o mercado no Brasil cresceu a uma velocidade não vista em qualquer outro país do mundo, com um elevado número de cartões emitidos em condições de fazer pagamentos parcelados sem juros e uma taxa de inadimplência muito elevada.
“Houve novos entrantes nesse mundo de cartões, principalmente ligados ao varejo, que emitiram muitos cartões. Entendiam que precisavam fidelizar o cliente. No final das contas, isso gerou também uma inadimplência grande”, disse.
Hoje, de acordo com Campos Neto, 20% de todo o mercado de crédito está ligado aos cartões, sendo que 15% são com compras sem juros e 5% com juros.
Ele também disse que há entraves para a recuperação de crédito no Brasil ‒ o que influencia nas taxas de juros elevadas cobradas pelas instituições financeiras. “Mostro sempre nas apresentações que eu faço que o Brasil tem uma recuperação de crédito de 18%, que, se não me engano, é pior que Venezuela, Burundi, Zimbábue e Haiti”, disse.
“Quando o crédito fica inadimplido, você quase não consegue recuperar. Parte da explicação é que no Brasil o processo de recuperação de crédito é judicial, e não extrajudicial. Então, ele é longo, demorado”, complementou.