Suspeito de ter feito aplicações em paraísos fiscais, presidente do Banco Central, Campos Neto, não poderia atuar na definição da Selic, já que se beneficiaria da decisão
Sob a acusação de envolvimento em operações suspeitas no exterior, aplicações em offshore em paraísos fiscais e em fundos exclusivos, entre elas algumas que variam conforme a Selic, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, participará, nesta quarta-feira (1º), de reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, que definirá se baixa a taxa básica de juros. Pelas revelações, Campos Neto não poderia participar desta definição, já que se beneficiaria da decisão.
Hoje, a Selic é de 12,75% ao ano, uma das mais altas do mundo. Economistas ligados aos bancos preveem que a taxa deve baixar meio ponto percentual.
Em outubro de 2021, no escândalo dos Pandora Papers, um consórcio internacional de mídia revelou os nomes de figurões detentores de empresas em paraísos fiscais – as chamadas off shore. O de Campos Neto apareceu ligado à empresa COR Asset, aberta em 2004, nas Ilhas Virgens, com um aporte de US$ 1 milhão.
Após a revelação, o presidente do BC, no cargo desde fevereiro de 2019, se defendeu afirmando ter fechado a offshore em agosto de 2020. Ou seja, por 15 meses, ele acumulou as funções no Banco Central e as de investidor em offshore.
Em resumo: escapava da obrigação de pagar impostos no Brasil e ainda podia obter ganhos extras na hipótese de o dólar se valorizar em relação ao real, cujo preço é diretamente influenciado por medidas adotadas pelo BC. Foi a partir do escândalo internacional que a Comissão de Ética Pública da Presidência da República abriu investigação sobre as atividades de Campos Neto.
Escândalo pode ser maior
Na última sexta-feira (27), a revista CartaCapital noticiou, em reportagem de capa, as operações suspeitas do presidente do BC. Intitulada “Dois lados do balcão”, a matéria informa que Campos Neto abriu, ao todo, quatro empresas em paraísos fiscais: Peacock Asset, COR Asset, ROCN (iniciais do nome do proprietário) e Darling Corp. A primeira nas Bahamas, e as outras nas Ilhas Virgens. A revista se baseou em documentos apresentados pelo economista ao Senado à época de sua indicação para o BC.
O caso estava sendo investigado pela Comissão da Ética Pública sobre conflito de interesses, a pedido do deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ), relacionado a um outro caso suspeito. No entanto, a apuração foi suspensa em 27 de setembro por determinação da Justiça Federal.
Segundo o que vinha sendo investigado, Campos Neto teria ligação com um fundo exclusivo registrado, em 10 de janeiro de 2018, na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e na Receita Federal. O fundo possui um único cotista, pessoa física e detentor de 100% do patrimônio desde o início. O CNPJ é 30.077.624/0001-78.
A matéria da CartaCapital informa que, em 27 de setembro, horas antes de Lindbergh pedir investigação na Comissão de Ética Pública, o deputado inquiriu Campos Neto em uma audiência da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara sobre se ele era o dono do referido fundo. A reportagem lembra que, durante a audiência, o parlamentar ficou sem respostas do presidente do BC, inclusive para a pergunta sobre se o fundo exclusivo tem investimentos em Tesouro Direto ou em títulos do Tesouro.
Título público é um papel que o governo vende no mercado financeiro em troca do compromisso de devolver o dinheiro lá na frente ao comprador e de pagar um adicional sobre o valor original da venda. Uma das referências usadas para remunerar compradores de títulos é a taxa básica de juros (Selic), que o presidente do Banco Central mantém nas alturas, sufocando a economia.