Casos vão de mudança de função, pressão para que peçam demissão a ordem para que carreguem peso
Alice Menda, 31, ganhou uma rosa no Dia da Mulher. Uma semana depois, uma carta de demissão. Sem justa causa, afirma.
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“Aquele dia especial em que tantas empresas presenteiam suas funcionárias com flores e ressaltam, em discursos na maioria proferidos por homens, a importância de ter mulheres no time.”
Ela conta que dois meses antes havia sido chamada para coordenar uma área numa empresa de crédito.
A chefia ainda não sabia da gestação, então inicial. De repente, não servia mais. “Não havia uma reclamação, mas alegaram que o meu time estava reclamando que eu era rude.”
Afirma que saiu de lá tremendo. “Chorei na sala de reunião. Temi perder meu bebê.”
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Há um ditado que diz ser preciso uma aldeia toda para criar uma criança. Histórias como as de Alice, contudo, revelam que muitos empregadores não estão dispostos a facilitar a vida de uma funcionária que gere uma vida.
Em relatos à Folha, mulheres falam sobre pressões que vão do rebaixamento na carreira à transferência para funções mais pesadas, como carregar caixas. Muitas das que resistem são despedidas assim que voltam da licença-maternidade de 120 dias garantida pela Constituição.
A estabilidade da gestante até o parto existe, mas não é absoluta, afirma a advogada trabalhista Bárbara Anacleto. Diz a Constituição que grávidas podem ser demitidas por justa causa, “ante o cometimento de falta grave”.
Se a dispensa for considerada ilegítima, a resposta seria um processo trabalhista pedindo indenização ou a volta ao emprego por pelo menos o tempo previsto até a licença da mãe.
Segundo Anacleto, não há vedação legal para que a demissão ocorra de bate-pronto depois. “Mas há entendimento no sentido de que a dispensa imediatamente após o término da licença tem caráter discriminatório, sendo passível de indenização.”
Em seu caso, diz Alice, a firma preferiu fazer um acordo e pagar meses adiantado para dispensá-la logo.
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Há outras situações em que a trabalhadora se sente pressionada a não engravidar e, se o fizer, pedir ela mesma para ser mandada embora. Tem a do chefe que reuniu todas as mulheres da firma e criou uma “escala da gravidez”, para que ele só ficasse com uma funcionária ausente por vez. Se alguma engravidasse fora do rodízio, seria demitida.
E ainda a da assistente jurídica que auxiliava duas advogadas. Anunciou a vinda do neném e ouviu que até podia continuar trabalhando, mas que precisariam cada vez mais dela, a exigência só ia piorar. No fim, diz, já estavam com sua rescisão num envelopinho.
Outra: o patrão pediu à vendedora que não desse um pio sobre o filho que carregava no ventre. Já era gordinha mesmo, ninguém ia reparar. O homem temia que a clientela achasse que ela não daria conta de fechar o negócio, produtos para pets.
Priscila Lucena de Freitas, 32, queria fazer carreira em ciências da computação. Ia bem, o chefe começou a lhe confiar mais tarefas, até que um dia ela o avisou da gestação. A “confiança” nela esmoreceu; o ânimo dela, idem.
“Falava que, quando nascesse, não poderia contar comigo por culpa de emergências com a criança, que nesse casos sempre sobra para a mãe, não para o pai”, conta.
Quando deu à luz, pediu as contas. Um ano depois, voltou para a mesma empresa. “Fiquei sabendo que um estagiário estava recebendo o mesmo salário que o meu, que já era bacharel.”
A goiana Carla Giovana, 36, também engravidou, e não deu outra. “Fui deixada de lado em várias atividades.”
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Integrava a equipe de recursos humanos de uma empresa. Parou de trabalhar num dia, a bolsa d’água estourou no seguinte. Estava com nove meses.
A chefe a chamou para conversar na sala assim que ela retornou à labuta. Diz que ouviu dela: “Engraçado… Não sei o que aconteceu com você. Antes, você era uma funcionária exemplar, eu confiava 100%. Agora que é mãe, está ruim de serviço, não é tão inteligente quanto era antes”.
Carla se sentiu pressionada a abandonar o posto. Mas justo ela, que lidava com recursos humanos, sabia de seus direitos. Se queriam ela fora, não abriria mão da multa rescisória. Acabou demitida. “Detalhe: éramos sete grávidas, e ela [a patroa] forçou acordo com quase todas.”
Decidiu não processar por achar muito difícil ganhar uma causa assim e temer retaliação. “Tenho medo de não arrumar outro emprego por causa de um processo trabalhista.”
Juliana Rocha, 26, era lojista num shopping na zona sul paulistana. Ouvia piadas o tempo todo, como sobre ter que vender muito para bancar o leite do bebê.
O estabelecimento fechou, as funcionárias tiveram que carregar caixas pesadas e móveis. Juliana questionou por que não contratavam uma empresa de mudanças. Acusaram-na de corpo mole.
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A lei não permitia que o grupo, que tinha várias lojas na cidade, a despedisse. Ela foi enviada para outro shopping, a duas horas e meia de onde morava. E sim, havia opções mais próximas.
“Tinha que descer no meio do caminho e dormir na casa de parente porque não tinha mais ônibus para minha casa”, conta.
“Eu estava de oito meses.” Na volta da licença, superiores contavam o tempo que ela levava para tirar do peito o leite que alimentaria seu bebê mais tarde. Só podia ordenhar no horário do almoço.
Transferiram-na para outra filial da grife, loja de rua, com jornada de dez horas. Seu contrato, diz, era de seis horas. Nenhum acréscimo salarial.
A carta de demissão chegou com a justificativa de que também aquela loja fecharia. O lugar continua aberto até hoje. “Após minha saída, colegas comentaram que a dona não suportava olhar para minha cara de mãe cansada, não pegava bem com clientes, que eram de alto padrão.”
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Fonte: Folha de São Paulo – Mulher – 07/03/2020
Escrito por: Anna Virginia Balloussier