Banco alega que TCU considerou improcedente a denúncia contra o procedimento de seleção realizado
A raspadinha federal Lotex passará a ser comercializada pelo Consórcio LTX Brasil. A diretoria da CAIXA Loterias S.A., subsidiária da Caixa Econômica Federal, assinou o contrato na segunda-feira (22), com o grupo que tem Carlos Gonçalves como administrador e inclui as empresas Beijing Zhongcai Printing Co., Ltd., Card 2 Buy Soluções de Pagamentos Ltda, Vri Importação e Exportação Ltda e a Genlot do Brasil Tecnologia em Jogos Ltda.
A informação foi divulgada pelo site BNLData.
Com vigência a partir de 15 de julho e pelo prazo de dois anos, o consórcio fará a comercialização de bilhetes da Loteria Instantânea Exclusiva — Lotex de forma física em Unidades Lotéricas distribuídas em todo o território nacional, e de forma online por meio de portal web e aplicativo.
A estatal utilizou a lei13.303/16 para justificar a contratação sem licitação do Consórcio LTX Brasil. Esse texto legal fala da “contratação de prestação de serviços relacionados com seus respectivos objetos sociais e nos casos em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares” e quando “justificada a inviabilidade de procedimento competitivo”.
Processo da Caixa na Justiça
No final de maio, o juiz da 14ª Vara Federal Cível da Justiça Federal do Distrito Federal, Waldemar Claudio de Carvalho, suspendeu o processo de contratação sem concorrência ao conceder liminar em Mandado de Segurança a outro consórcio que se sentiu prejudicado.
À época, o site especializado BNLData denunciou a ação como um desrespeito à legislação vigente. “Ao invés de publicação de edital aberto ao público com procedimento competitivo, a Caixa enviou para um grupo restrito de fornecedores de bilhetes de loteria instantânea e serviços um ‘termo de referência’ convidando-os a manifestar formalmente sobre o interesse em participar de futuro processo competitivo, mediante a assinatura de acordo de confidencialidade com o banco”, alegou o site.
No dia 22 de maio o presidente da Caixa Econômica Federal, Carlos Vieira (indicado para o cargo pelo presidente da Câmara, Arthur Lira) publicou no Diário Oficial da União — DOU autorização para que a presidente da Caixa Loterias, Lucíola Aor Vasconcelos e a diretora executiva da subsidiária, Maria Thereza da Silva Moreira Assunção, além do superintendente nacional de loterias da Caixa, Rodrigo Schekiera Franco dos Santos, participassem de visita técnica às fábricas do consórcio para fornecimento de bilhetes da LOTEX, nas cidades de Pequim e Shenzhen, na China, no período de 23 de maio a 1º de junho.
O costume é que as visitas técnicas a instalações de um fornecedor aconteçam após o resultado de uma licitação ou concorrência.
Ou seja, desde a publicação da Portaria transferindo a Lotex para Caixa, o banco estaria realizando procedimento negocial sem observar a legislação vigente no âmbito da delegação de serviços públicos, contrariando os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Em outro texto, o site voltou a insistir na irregularidade: “(…) desde a publicação da Portaria transferindo a Lotex para Caixa, o banco realizou procedimento negocial sem observar a legislação vigente no âmbito da delegação de serviços públicos, contrariando os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.”
Neste caso, explica o BNLData, a Caixa poderia estar violando a Constituição Federal, a Portaria que autorizou a exploração da Lotex, o entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal, e a Lei 13.756/18, ao prejudicar os beneficiários legais e contribuintes brasileiros com a dinâmica de preços e repasses que será adotada.
Posição da Caixa
Procurada pelo ICL Notícias, a assessoria da Caixa enviou o seguinte posicionamento sobre a transação:
“A Caixa informa que o rito de contratação realizado pela Caixa Loterias tem fundamento legal, sendo caracterizado como mecanismo de posicionamento concorrencial. O processo competitivo respeitou os princípios da administração pública em total obediência à regulamentação legal, governança e compliance da Caixa.
Nesse sentido, o procedimento de seleção de empresa para a prestação de serviço acessório relacionado à comercialização da Lotex foi isento e transparente, atraindo fornecedores de alta credibilidade e comprovada atuação no mercado de loteria instantânea.
O banco ressalta que o referido processo competitivo foi objeto de avaliação pelo Tribunal de Contas da União que considerou improcedente a denúncia relacionada ao procedimento de seleção realizado”.
Representantes dos funcionários tentaram barrar negócio
Desde março, as entidades que representam os funcionários da Caixa tentaram — em vão — barrar o negócio.
“A criação da subsidiária LOTEX, hoje Caixa Loterias, em 2016, no governo Temer, teve o propósito de preparar a privatização das operações, o que só não aconteceu devido à forte pressão que exercemos junto com outras entidades e parlamentares”, disse na época ao ICL Notícias o presidente da FENAG (Federação Nacional das Associações de Gestores da Caixa), Marconi Apolo. Mas a nova administração retomou, rapidamente, os planos de transferência gestados ainda no governo Temer.
No começo do governo do presidente Lula, em 2023, quando Rita Serrano assumiu a presidência da Caixa, uma das medidas que estava em andamento era justamente encerrar as atividades da Lotex. Rita sustou a operação, mas com sua saída isso foi revertido.
Funcionários da CEF destacam a importância que as loterias têm no financiamento de programas sociais do governo federal. No ano passado, por exemplo, as Loterias da Caixa arrecadaram um total de R$ 23,4 bilhões e desse total, R$ 7,9 bilhões foram pagos aos apostadores, na forma de prêmios, enquanto R$ 9,2 bilhões foram destinados a programas sociais do governo federal nas áreas de seguridade social, educação, saúde, cultura, esporte e segurança pública. Ou seja, cerca de 60% dos lucros da operação com as loterias volta, todo ano, para a sociedade, na forma de investimentos sociais. E isso só é possível porque a gestão da Caixa é pública.
Influência de Lira
Além de indicar o presidente da Caixa, Carlos Vieira, que substituiu Rita Serrano, Arthur Lira exerce influência direta em segmentos do banco que o interessam diretamente. Foi por isso que venceu a disputa de poder com o governo federal e conseguiu que o Ministério da Fazenda anunciasse a saída do assessor especial José Francisco Manssur. Ele era o responsável pela área de apostas esportivas eletrônicas — as chamadas bets.
De acordo com a jornalista Letícia Casado, do UOL, desde 2023, com o avanço da regulamentação das apostas, o grupo do presidente da Câmara dos Deputados fazia forte pressão sobre o ministro Fernando Haddad.
Para evitar mais desgastes na aprovação de pautas de interesse do governo federal no Congresso, o chefe da Fazenda decidiu ceder ao avanço de Lira e resolveu substituir Manssur.
Em 2023, o presidente da Câmara dos Deputados conseguiu emplacar o aliado André Fufuca (PP–MA) no Ministério dos Esportes, indicou o atual presidente da Caixa, Carlos Vieira, além de alocar outros nomes na administração federal.
Lira também negociou a transferência da área que cuida de apostas esportivas para a pasta dos Esportes. Haddad conseguiu manter o setor na Caixa, sob o comando da Fazenda, mas o deputado alagoano acabou emplacando nome de confiança para a presidência do banco.