Segundo o Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, a entidade previu apagão que poderia durar uma semana e avisou a Enel. Mas modelo de gestão não prioriza a prevenção de danos
Responsável pela distribuição de energia na capital e mais 24 municípios da região metropolitana de São Paulo, a Enel, que assumiu o setor na privatização, foi alertada para a ocorrência de um apagão em caso da passagem de um ciclone extratropical. “A gente previu o que aconteceu. Avisamos a Enel que se houvesse um ciclone extratropical, São Paulo poderia ficar uma semana sem luz. O problema é crônico e não vai se resolver agora. Pode até piorar, se mudanças não forem feitas no modelo do setor elétrico”, disse o presidente do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, Eduardo Annunciato, o Chicão.
Em entrevista ao portal UOL, a liderança destacou a redução no quadro de funcionários a partir de 2019. Houve programas de demissão voluntária e de incentivos a aposentadorias, impactando no atendimento. “A empresa perdeu memória técnica. O número de funcionários com experiência não foi reposto. Investiram na mão de obra terceirizada, que tem uma rotatividade tremenda e corpo menos qualificado para avaliar e atender os problemas”, afirmou.
Para complicar, essa situação não é só na Enel. “Outras empresas privatizadas estão com o mesmo problema”, disse Chicão. Segundo estimativas do sindicato, em 2019 o número de empregados diretos da Enel era de 7,7 mil, e atualmente está em 3,9 mil. A antiga proprietária da Eletropaulo, a AES, havia aumentado o quadro de funcionários diretos após um apagão em bairros em São Paulo, causado por uma tempestade em 2014. Até a Enel assumir o controle em 2018 e a partir do ano seguinte, cortou trabalhadores.
Na avaliação do dirigente, o caos enfrentado desde sexta (3), após a forte chuva, tem tudo para voltar a ocorrer. Em primeiro lugar porque eventos climáticos como esse que afetou São Paulo na sexta-feira tendem a se repetir com mais frequência. E segundo porque são necessários investimentos, recursos técnicos e política de regulação. E até mesmo repensar a natureza pública ou privada de empresas que prestam serviços essenciais, como luz e água.
Modelo atual no setor favorece apagões
Para ele, o modelo atual do setor de distribuição de energia elétrica alimenta essa possibilidade. Isso porque para a empresa não é vantajoso investir em manutenção preventiva. Ou seja, com a troca de transformadores e poda de árvores onde geralmente há falhas. E sim instalar religadores automáticos, que isolam defeitos em um dado setor, impedindo que afete o resto da rede. E assim uma equipe vai consertar. Em outras palavras, a empresa deixa de gastar em manutenção preventiva em toda a malha para fazer ação corretiva nos pontos atingidos.
Essa escolha não é a mais acertada, segundo o dirigente, porque só funciona em dias normais. No entanto, diante eventos como o de sexta, os defeitos aparecem em muitos pontos da rede simultaneamente, justamente devido à falta de manutenção. E a estratégia com os religadores é insuficiente. “A empresa diz que investiu mais de R$ 5 bilhões. A questão é o tipo de investimento”, afirmou.
“Se a Aneel fiscalizasse individualmente por cliente a ausência de energia e multasse as empresas imediatamente ao invés de olhar para o conjunto, ela teria que realizar essas manutenções preventivas”, acrescentou Chicão. Entretanto, faltam fiscais em número suficiente.
O quadro começou a piorar após o processo de privatização. “O modelo foi mal arrumado e depois que privatizou a situação só vem definhando. E com as mudanças climáticas, a tendência é piorar ainda mais. Para resolver, vai ter que apertar as empresas”, defende.
Rever a privatização para solucionar problemas
Por isso, Chicão defende a reestatização no setor para a solução dessas questões. “Se nenhuma empresa topar realizar as manutenções preventivas que precisam ser feitas, com um corpo de pessoal técnico capaz de avaliar e responder de forma imediata quando houver um problema e com as trocas de equipamentos velhos que forem necessárias, a questão da reestatização pode ser posta na mesa”.
Ele lembrou que não demora o fim da concessão de 30 anos da Eletropaulo. E que as concessionárias vão reduzir os investimentos até saberem se conseguirão renovar seus contratos, e sob quais condições. “Estamos num momento delicado e crucial”, disse o dirigente. “Pois não adianta tirar a Enel se o modelo for o mesmo.”
A liderança chamou atenção ainda para o fato de que o caos pode se instalar também na distribuição de água, já que o governo de Tarcísio de Freitas corre para aprovar a privatização da Sabesp, apelando até para irregularidades no processo. “Sem luz, eu até vivo, mas sem água?”