Venda da companhia está prevista para ser efetuada em breve e deve gerar dor de cabeça para população. Atualmente, tarifa social é de R$ 22,38, enquanto no Rio de Janeiro, após privatização da Cedae, é de R$ 45,30
Na área de distribuição de água e tratamento de esgoto, São Paulo está muito próximo de repetir o Rio de Janeiro. E para pior. O processo de privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), previsto para ter início em breve, com o leilão da empresa, deverá ser concretizado ainda no primeiro trimestre de 2024.
Um “preview” da venda da Sabesp pode ser constatado no funcionamento da sua similar do Rio de Janeiro. Após a privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), em 2021, houve aumento das tarifas de água residenciais e comerciais e crescimento do número de reclamações feitas pelos consumidores. Hoje, a empresa que toma conta da maior parte dessas regiões é a Águas do Rio.
Para o diretor da Associação dos Profissionais Universitários da Sabesp (APU) e conselheiro do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS), Amauri Pollachi, a privatização não trará os benefícios alegados pelo governo de São Paulo. Muito pelo contrário.
De acordo com Pollach, a Sabesb pratica uma das tarifas mais baixas do Brasil. Ele destaca que a companhia cobra, em tarifa social, R$ 22,38, enquanto no Rio de Janeiro é de R$ 45,30. “Ou seja, a tarifa social fluminense é 102,04% maior do que a de São Paulo”, compara.
Pollachi lembra ainda que a Sabesp é uma companhia saudável financeiramente. Em 2022, registrou lucro de R$ 3,12 bilhões – 35,4% maior do que em 2021. Ele também acrescenta que não há qualquer fundamento na cartilha ‘Desestatização da Sabesp – Guia Informativo’, enviada pelo governo do estado às prefeituras, câmaras municipais e deputados da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), em setembro.
Na cartilha, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) argumenta que a venda da companhia vai aumentar o volume de investimentos em R$ 10 bilhões – dos atuais R$ 56 bilhões para R$ 66 bilhões. Haveria também ampliação do atendimento à população, com a inclusão de dez milhões de pessoas no sistema de saneamento básico, além da antecipação da universalização dos serviços, de 2033 para 2029.
“A Sabesp atende 375 dos 645 municípios do Estado de São Paulo. Juntos, são 31,7 milhões de pessoas, ou 71,5% da população paulista. Ao final de 2022, 310 cidades já haviam alcançado ou superado as metas de universalização”, destaca Pollachi. “Para ampliar o atendimento, é preciso de ações conjuntas entre as prefeituras, já que parte da população vive em condições precárias. Isso exige programas de urbanização e de remoções de famílias em áreas de risco, que não virá com a privatização”.
Ele lembra ainda que o governador argumenta que vai utilizar parte do dinheiro arrecadado com a venda da Sabesp para subsidiar a redução de tarifas. “Transformar dinheiro de capital para repassar em subsídio para a diminuição de tarifa para uma empresa privada não é sustentável ao longo do tempo. Um dia, o dinheiro acaba. É o pior exemplo de gestão pública do mundo”, avalia Pollachi.
Hoje, deputados estaduais da base do governador Tarcísio de Freitas levam o projeto de privatização da Sabesp para a Alesp. O texto, porém, é alvo de críticas de prefeitos e vereadores de diversas cidades paulistas, além de parlamentares.
Recentemente, o Tribunal de Contas do Município de São Paulo criou um grupo de estudo para analisar o tema. Entre os moradores do estado, 53% rejeitam a privatização da companhia, segundo pesquisa do Datafolha, de abril.
RIO DE JANEIRO
No Estado do Rio de Janeiro, com privatização da Cedae, no fim de 2021, houve uma enxurrada de reclamações em órgãos de defesa do consumidor e nas redes sociais. Após a entrada da concessionária Águas do Rio no serviço de água e esgoto, são várias as queixas por aumento das tarifas e cobranças indevidas, entre outras.
É o caso de Franklin Braga, que levou um susto quando abriu a conta de água em agosto. Morador de Bonsucesso, bairro da zona norte do Rio de Janeiro, ele recebeu uma fatura de mais de R$ 2,3 mil. A média ao longo dos últimos meses, no entanto, não passava dos R$ 500.
“Tínhamos um único hidrômetro para a minha casa e da minha irmã. Depois que pedi a instalação de um aparelho só para minha residência, a conta disparou. Entrei na Justiça, mas ainda não houve acordo. Para piorar, estou com nome sujo na praça. É um absurdo esse valor. Não faz qualquer sentido. Se a gente não reclamar, fica por isso mesmo”, reclama Braga. Ele acrescenta que uma nova audiência com a Águas do Rio está marcada para 30 de outubro.
A troca de hidrômetro nas residências de moradores do Estado do Rio, por sinal, tem sido motivo de reclamações contra a Águas do Rio. É o que alerta advogado Mateus Terra. “Quando há a troca, a conta costuma vir mais alta. Não sei o que acontece. A Águas do Rio está conseguindo uma façanha: as pessoas estão com saudade da Cedae, querem a companhia de volta”, diz.
RECLAMAÇÕES
De acordo com a Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa), em 2022, foram registradas 22.046 manifestações formais contra as nove concessionárias – empresas que atuam nos sistemas de água e esgoto e de gás – fiscalizadas pela entidade. Entre elas está a Águas do Rio.
Em 2022, a concessionária teve 10.859 registros. Do total, 2.915 foram de reclamações sobre fatura, falta d’água, cobrança indevida e vazamentos, entre outras. Já no primeiro semestre de 2023, a Águas do Rio registra 2.503 ocorrências do mesmo tipo.
Em nota, a Águas do Rio informou que “das 10.859 manifestações recebidas pela Agenersa em 2022, 73% são referentes à solicitação de informações, e não de reclamações. Para minimizar as demandas, a concessionária investe na ampla divulgação de seus canais de atendimento à população para a pronta solução dos casos”.
A concessionário acrescentou que “somente em 2022, a empresa atendeu mais de 3,7 milhões de clientes, através das lojas físicas, call center e WhatsApp. O número de casos que chegaram à Agenersa representa 0,1% dos atendimentos realizados pela Águas do Rio. Essas demandas são tratadas como prioridade. Não há mais casos pendentes de 2022 e, no caso de 2023, a maior parte já foi concluída. Situações mais recentes, estão em fase de tratativa”, informou a Águas do Rio.