Em alguns casos a diferença de remuneração chega a 663 vezes a mais do que o salário dos funcionários nas empresas brasileiras
A colossal diferença salarial entre a base e o topo da pirâmide das empresas alimenta e perpetua a desigualdade social que se vê fora delas. As últimas décadas marcaram a era dos super salários dos executivos, que cresceram exponencialmente, enquanto a renda da base se achatou.
Reduzir as desigualdades sociais é, sem dúvida, um dos principais desafios econômicos do nosso tempo. E não há como fazer isso sem garantir que a riqueza gerada pelas empresas beneficie as pessoas de forma mais equânime, assegurando um padrão de vida digno para quem está nos andares de baixo.
Dentro da lógica do capitalismo para todos e todas, o acionista não deve ser o grande protagonista do valor gerado por uma empresa, que deve ser compartilhado com os demais interessados do negócio: funcionários, fornecedores e comunidade.
Mas, seguindo essa lógica, qual seria, afinal, uma diferença salarial aceitável? E faz sentido falar em diferença justa quando se trata da distribuição de riqueza criada dentro de uma empresa privada? Quais são os parâmetros para guiar essa discussão?
Primeiro é importante um diagnóstico, ou seja, dados que mostrem onde estamos.
Nesse sentido, o universo das grandes empresas está prestes a ganhar novos elementos no Brasil a partir de maio. Neste ano, como parte de um avanço no reporte de fatores de governança ambiental, social e corporativa (ESG); o formulário de referência que as companhias listadas apresentam à CVM terá que informar, obrigatoriamente, a razão entre a maior remuneração individual (incluindo a variável) e a mediana da remuneração individual de todos os funcionários.
Nos EUA
Nos Estados Unidos a divulgação de diferenças salariais pelas companhias abertas já é obrigatória e sempre gera discussões. Os últimos dados compilados, relativos a 2021, mostram que os Diretores Executivos ou CEOs ganharam 399 vezes a remuneração do funcionário médio naquele ano. Um ano antes, esse múltiplo havia sido de 366 vezes. Cerca de 30 anos atrás, essa razão era inferior a 60 vezes.
No Brasil
Os números brasileiros também devem causar espanto. O consultor em governança e conselheiro de empresas Renato Chaves chegou a fazer esse cálculo ‘na mão’ usando dados publicados pelas empresas em 2019 e concluiu que essa razão chegava a um máximo de 663 vezes no caso da varejista Americanas – que está agora no epicentro de um escândalo contábil por fraudar seus resultados e, por consequência, inflar a remuneração variável dos executivos.
Abismo salarial no Itaú e Santander
Chaves analisou 70 companhias e concluiu que em 32 delas o múltiplo ficava acima de 100 e em 17 era de mais de 200 vezes o salário médio dos funcionários. Liderando a lista estavam também nomes como Pão de Açúcar, Magazine Luiza, Itaú, Santander e JBS.
Certificado de “B Corp”
Num universo de empresas que seguem a cartilha do “capitalismo para todos os interessados no negócio” e procuram gerar benefícios à sociedade e ao meio ambiente, ao invés de dar lucro somente aos acionistas, a diferença salarial é uma fração do observado nas empresas listadas no Brasil ou nos Estados Unidos.
Para obter o certificado “B Corp”, um dos quesitos em que as empresas são avaliadas é o das relações com os colaboradores e, dentro desse pilar, existe uma pergunta específica sobre o múltiplo salarial entre a maior e a menor remuneração da empresa.
Diferença de 663 para 20 vezes
Em 2021, mais de 90% das corporações B na América Latina tinham um múltiplo salarial de até 20 vezes.
Uma dessas empresas B, a gestora de fundos de impacto Vox criou um teto de 10 vezes para a razão entre o maior salário, o do CEO, e a remuneração de entrada de um analista.
Estudo da Harvard indica desejo pela diminuição do abismo
Um estudo realizado por pesquisadores da Harvard Business School em 40 países em 2014 mostra que existe um desejo por uma redução da disparidade salarial e que as diferenças existentes são muito subestimadas (o que obviamente alimenta a frustração quando os números reais são conhecidos).
Nos Estados Unidos, por exemplo, onde a razão entre o salário dos CEOs para o trabalhador médio das empresas estava em 354 vezes naquele ano, as pessoas achavam que a diferença era bem menor (30 vezes) e consideravam que o justo seria uma diferença de apenas 7 vezes. Haja distância entre expectativa e realidade.
Obs.: O que é ESG? A governança ambiental, social e corporativa, do inglês Environmental, Social, and Corporate Governance (ESG), é uma abordagem para avaliar até que ponto uma corporação trabalha em prol de objetivos sociais que vão além do papel de uma corporação para maximizar os lucros em nome dos acionistas da corporação.