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Urgente: ameaça concreta contra direitos sociais

29 de janeiro de 2012

Artigo de Maria Lúcia Fattorelli
Diversas matérias jornalísticas divulgadas nos últimos dias comprovam que o plano do novo governo é reduzir os gastos sociais, a fim de fazer sobrar mais recursos para o pagamento dos juros da dívida pública.

Matérias tentam impor ao funcionalismo público, previdência, assistência e demais gastos sociais a responsabilidade pelo desequilíbrio das contas públicas. Na realidade, o rombo está no pagamento dos maiores juros do mundo, calculados sobre uma dívida que não tem contrapartida real, feita de juros sobre juros; golpes sobre golpes, como comprovou a recente CPI da Dívida Pública na Câmara dos Deputados.

O massacre planejado contra os servidores e beneficiários da Previdência e Assistência Social é flagrante:
“Durante reunião com a presidente eleita Dilma Rousseff, na segunda-feira, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, apresentou uma proposta de política fiscal para o país, cuja essência é que as despesas correntes primárias cresçam menos que o Produto Interno Bruto (PIB). Essas despesas são aquelas relacionadas com o pagamento de salários do funcionalismo, com a previdência e assistência social e o custeio da máquina pública. Elas não incluem o pagamento dos juros das dívidas públicas e os investimentos”. (Valor Econômico – 10/11/2010)

A iminência de nova Reforma da Previdência para reduzir gastos sociais também é flagrante. O ministro Paulo Bernardo já declarou que pretende limitar as despesas correntes à metade do crescimento do PIB, o que poderá ser aprovado com facilidade no Congresso, face à composição da futura base do governo Dilma naquela Casa, suficiente para aprovar a reforma da Previdência:

“Outra preocupação do governo é com o déficit da Previdência. Para o ministro, não é possível dar aumento real para os benefícios acima de um salário mínimo. Sobre a reforma da Previdência, Bernardo considera que, em algum momento, isso deverá ser feito e que ‘antecipar isso para um bom momento político’ pode ser uma boa idéia”. (O Estado de São Paulo, 11/11/2010)

O sistema de privilégio da dívida pública – que beneficia grandes bancos e corporações – é produto de fraudes denunciadas pela CPI da Dívida Pública e que precisam ter sua investigação aprofundada e devidamente denunciada, para que os recursos parem de se esvair no ralo dos juros e sejam destinados ao cumprimento dos direitos humanos da sociedade brasileira.
O gráfico a seguir, que retrata a distribuição dos recursos do Orçamento Geral da União em 2009, demonstra que o pagamento de juros e amortizações da dívida federal consumiu 36% dos recursos, correspondente a R$ 380 bilhões, ou seja, mais de R$ 1 bilhão POR DIA!

 


 

Se considerarmos também a rolagem da dívida – que é a parcela da amortização da dívida paga com a emissão de novos títulos públicos –, os gastos com a dívida consumiram em 2009 nada menos que 48% dos recursos.
Devido ao crescimento acelerado do estoque da dívida pública – a Interna já ultrapassa R$ 2,3 trilhões e a Externa US$ 300 bilhões –, esta consome gradativamente parcela mais relevante dos recursos para o cumprimento de seu serviço: pagamento de juros e amortizações.

Dentre as ameaças aos servidores públicos que se encontram em gestação, merecem ser destacadas algumas, pois terão impacto também sobre os servidores da esfera estadual e sobre toda a sociedade que demanda serviços públicos: 

•PLP 549/2009, que congela os salários dos servidores públicos por 10 anos, enquanto a dívida pública recebe remuneração garantida todos os anos, pelos maiores juros do mundo;

•Anúncio, pelo Ministério da Previdência, de “necessidade” de nova Reforma da Previdência dos servidores e regime geral, aumentando ainda mais a idade para aposentadoria e redução de benefícios (é importante ressaltar que o presidente Lula vetou – no dia da estréia do Brasil na Copa do Mundo – o fim do fator previdenciário que havia sido aprovado no Congresso Nacional);

•PEC 233/2008, que propõe uma reforma tributária que altera o financiamento da Seguridade Social (na medida em que transforma as contribuições sociais – que tem destinação vinculada – em impostos);

•Limitação dos “gastos primários”, ou seja, limitação de todos os gastos sociais, enquanto para os gastos com a dívida não são estabelecidos quaisquer limites.

Essas ameaças de cortes de gastos sociais se tornam especialmente preocupantes diante da conjuntura internacional de crise financeira, que atingiu fortemente os EUA, países da Europa e está servindo de argumento para a aplicação de medidas de ajuste neoliberal aqui no Brasil, agora que passaram as eleições. Muitas das medidas aplicadas nos países europeus também já se encontram em gestação aqui no Brasil, como o congelamento de salários de servidores e redução de benefícios e direitos previdenciários, acima mencionados. Tais medidas representam a subtração de recursos de áreas essenciais para que se destinem ao pagamento dos juros da dívida pública, que nunca foi auditada, como determina a Constituição.

No Brasil, a recente CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados apontou uma série de graves indícios de ilegalidades e ilegitimidades no processo de endividamento brasileiro, tendo o Relatório Final da CPI reconhecido, em seu diagnóstico, que:

•As elevadíssimas taxas de juros (não-civilizadas) foram o fator mais importante para o crescimento da dívida, inclusive dos estados e municípios;

•A dívida interna cresceu nos últimos anos para financiar a compra de dólares das reservas internacionais, com grande custo para as contas públicas;

•O Senado Federal renunciou à sua competência, pois permitiu emissões de títulos sem especificar suas características;

•Há falta de transparência na divulgação dos números da dívida, bem como falta de informações e documentos à CPI;

•O montante dos gastos com juros da dívida divulgado pelo governo é menor do que o efetivamente gasto. Isto porque os juros anunciados pelo governo se referem somente aos “juros reais”, ou seja, descontada a inflação. A outra parcela dos juros (ou seja, referente à atualização monetária da dívida) é contabilizada equivocadamente como “amortizações”.

Apesar do grave diagnóstico, contraditoriamente, o Relatório Final não admitiu ter encontrado irregularidades no endividamento, não recomendou a auditoria da dívida (prevista na Constituição) e também não recomendou acionar o Ministério Público para o aprofundamento das investigações.

Porém, a pressão constante das entidades da sociedade civil que participaram das sessões da CPI fez com que somente 1/3 dos 24 membros da CPI votassem a favor deste “Relatório-Pizza”, que foi aprovado pelo apertado placar de 8 a 5.

A pressão das entidades também fez com que 8 deputados da CPI assinassem o “Voto em Separado” do deputado Ivan Valente (PSOL/SP), que pede a auditoria da dívida, e o encaminhamento ao Ministério Público de diversos indícios de ilegalidades apuradas, dentre eles:

•Juros sobre Juros (Anatocismo), ilegal segundo o STF;

•Juros flutuantes na dívida externa – ilegais, segundo a Convenção de Viena

•Ausência de contratos e documentos; ausência de conciliação de cifras; cláusulas ilegítimas;

•Ilegalidade do livre fluxo de capitais, que deu origem à dívida interna;

•A grande destinação dos recursos orçamentários para o pagamento da dívida viola os direitos humanos e sociais;

•O Banco Central faz reuniões com os bancos e outros rentistas para definir as previsões de inflação, que definem as taxas de juros.

Este Voto em Separado já foi entregue ao Ministério Público, cabendo às autoridades e à sociedade civil acompanharem de perto esse processo, para que sejam aprofundadas as investigações e elaboradas as ações judiciais cabíveis.

A despeito das diversas ilicitudes apontadas pela CPI, o pagamento do serviço da dívida goza de imenso privilégio, em detrimento do povo brasileiro, que arca com elevada carga tributária e não recebe o devido retorno em serviços públicos. Além dos crescentes contingenciamentos efetuados para produzir o superávit primário, diversas outras fontes alimentam o pagamento dos juros e amortizações da dívida, principalmente as seguintes:

a) lucros das estatais (por isso é que elas se endividam para realizar investimentos, apesar de altamente lucrativas, pois seus lucros distribuídos ao governo não são destinados a reinvestimentos, mas para pagar dívida);

b) lucro do Banco Central (quando há lucro, esse vai para pagar dívida; quando dá prejuízo, como em 2009 – de R$ 147 bilhões -, o Tesouro Nacional cobre com recursos decorrentes de excesso de arrecadação ou emissão de novos títulos da dívida);

c) recebimento de juros e amortizações da questionável dívida dos estados e municípios com a União (todo sacrifício dos entes federados – cerca de 13% de sua receita – é destinado para o pagamento da dívida);

d) emissão de novos títulos;

e) As Medidas Provisórias 435 e 450 (já transformadas em lei) determinam que toda sobra de recursos orçamentários vinculados por lei a áreas sociais, que não chegaram a ser executados, pode ser destinada ao pagamento da dívida, ou seja, ao final do ano, há uma “limpa geral” no caixa e os recursos vão para pagar juros e amortizações;

f) o rendimento dos recursos da Conta Única do Tesouro, depositados no Banco Central.

Além de todas essas verbas, novas medidas estão sendo programadas pelo próximo governo para cortar gastos sociais a fim de destinar ainda mais recursos para o pagamento dos juros.

Por isso é urgente estancar essa sangria, realizando-se a AUDITORIA DA DÍVIDA.

Nesse contexto de corte de gastos, evidenciam-se anúncios de que alguns setores de alto escalão deverão receber a devida atenção, conforme recado dado pela grande mídia:

“Em visita à Coréia do Sul, a presidente eleita, Dilma Rousseff, disse que, se não houver aumento salarial no Executivo, “não vamos ter ministros no Brasil”, mas se recusou a falar sobre eventuais reajustes nas remunerações do Congresso e do Supremo Tribunal Federal”. (Folha Online – 11/11/2010)

Merece destaque também o fato de que a mesma página do jornal Valor Econômico de 10/11/2010, que noticiou a necessidade de corte de despesas com pessoal e previdência, informou também sobre a previsão de recursos para aumento para o Supremo Tribunal Federal:

 

 

As autoridades que comandam os poderes constituídos da República precisam tomar posição pública em relação ao problema do endividamento público brasileiro, especialmente face às denúncias e indícios de ilegalidades documentados pela CPI.

Há décadas o endividamento público tem sido utilizado como instrumento de especulação e saque de recursos públicos. Até mesmo os poços de petróleo do Pré-Sal foram vendidos pela União à Petrobrás para obter superávit primário, ou seja, a reserva de recursos para o pagamento da dívida. É importante lembrar que a maior parte dos lucros distribuídos pela Petrobrás vai para os investidores privados, e a parcela que vai para o governo é destinada, por lei, para o pagamento da dívida.

O sacrifício social decorrente da utilização da dívida como instrumento de especulação é imenso, enquanto o bilionário lucro dos bancos cresce exponencialmente e as transferências de lucros ao exterior têm ultrapassado todas as expectativas. Ao mesmo tempo, o Banco Central contabiliza prejuízos bilionários (R$ 147 bilhões em 2009) e o povo, que paga a conta mediante o pagamento de elevada carga tributária, tem o direito de saber a destinação dada a esses recursos, pois apenas uma pequena parcela é direcionada a serviços e investimentos públicos. É preciso dar maior transparência aos gastos financeiros e à esterilização de recursos para a composição do superávit primário e pagamento de juros.

Diante do exposto, é urgente mobilizar a sociedade para que esta não venha a ser ainda mais sacrificada, pois querem direcionar parcela ainda maior de recursos para os juros. Para isso, é preciso fortalecer o enfrentamento à política de endividamento público, divulgando a verdade dos fatos, especialmente diante da ausência de transparência e contrapartida dessa dívida para a sociedade. Entendemos que o primeiro passo é a realização de ampla e profunda auditoria da dívida, prevista na Constituição Federal, porém jamais realizada. A auditoria possibilitará o conhecimento real de todo o processo, baseado em provas e documentos.

O Equador demonstrou que é possível enfrentar o setor financeiro de forma soberana. A realização da auditoria oficial da dívida daquele país (2007/2008) foi instrumento essencial nesse processo, pois permitiu a redução da dívida externa com os bancos privados internacionais (Bonos Global 2012 e 2030) em 70%, enquanto os investimentos em saúde e educação quadruplicaram. Respaldado no relatório da auditoria, que foi devidamente referendado pelas instâncias jurídicas, o presidente Rafael Correa apresentou uma proposta soberana no sentido de que aceitaria reconhecer apenas 25 a 30% dos mencionados títulos, sendo que 95% dos detentores dos mesmos acataram imediatamente tal proposta, sem qualquer contestação.

A experiência equatoriana abriu caminho para a CPI da Dívida no Brasil (2009/2010), que apurou graves indícios de ilegalidades e ilegitimidades que precisam ter sua investigação aprofundada, pois significam lesão ao patrimônio público, ofensa aos direitos humanos e desrespeito a diversos dispositivos constitucionais, conforme texto disponível na página da Auditoria Cidadã na internet (1).

Considerando o posicionamento noticiado pelos diversos veículos de comunicação nos últimos dias, de que o governo federal terá que limitar os gastos sociais em relação ao PIB - ou seja, impedir que os gastos sociais aumentem sua participação no bolo econômico nacional – para que os gastos com a dívida pública permaneçam sem limite, é fundamental que a sociedade civil se mobilize e exija o respeito aos Direitos Humanos no país, o cumprimento da Constituição Federal de 1988 e a realização da auditoria da dívida pública.

As matérias citadas acima e outras sobre o tema podem ser lidas nos links a seguir:

Projeto de domar a gastança – Gabriel Caprioli – Correio Braziliense – 10/11/2010 

Dilma tentará impor teto para gastos – Agencia o Globo/Cristiane Jungblut – O Globo – 10/11/2010 

Bernardo defende que Dilma gaste menos – Ribamar Oliveira – Valor Econômico – 10/11/2010 

Bernardo retoma plano ‘rudimentar’ de ajuste – Lu Aiko Otta – O Estado de S. Paulo – 10/11/2010 

Bernardo vê espaço para dobrar investimento público – Fabio Graner – O Estado de S. Paulo – 11/11/2010 

Maria Lucia Fatorelli é coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida. 
Nota:
(1) http://www.divida-auditoriacidada.org.br/config/DocumentoCPI.pdf/download 

Website: http://www.divida-auditoriacidada.org.br/

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