Movimento que elevou de R$ 200 para R$ 600 a proposta do auxílio emergencial foca na continuação do programa no pós-pandemia. E ajudará parlamentares na argumentação na defesa da manutenção
Desde o início da pandemia do novo coronavírus, um grupo de 163 organizações da sociedade civil, de centrais sindicais a institutos de pesquisa, passando por entidades de responsabilidade empresarial, tem se mobilizado em torno das propostas de renda básica. Em um primeiro momento, a urgência era de um auxílio emergencial. Por meio de documento técnico e abaixo-assinado, que teve a adesão de mais de meio milhão de pessoas, a campanha Renda Básica Que Queremos conseguiu elevar a proposta inicial do governo, de R$ 200 para R$ 600 e R$ 1,2 mil para mães com filhos, em conjunto com os partidos de oposição. Agora, esse grupo foca na Renda Básica Permanente.
Para tanto, nesta semana, quando será instalada a Frente Parlamentar em Defesa da Renda Básica, o grupo pretende lançar um documento para que as propostas discutidas entre parlamentares considerem princípios básicos de direito e cidadania.
O objetivo do documento é oferecer parâmetros para orientar uma construção pautada por três princípios: o da renda como direito humano, fundamental e indivisível dos demais; o da política de Renda Básica como vetor de redução de desigualdades; e o da solidariedade em relação ao seu financiamento. Ao todo, o movimento chegou a um conjunto de sete parâmetros para o estabelecimento de uma Renda Básica Permanente no Brasil.
O primeiro é a incondicionalidade. A concepção é que saúde e educação são direitos constitucionais de todos.
A individualidade é outro parâmetro, a explicação é que benefícios levam em conta a renda familiar ou descontam o rendimento do mercado de trabalho. A proposta é que isso seja igualado. Cada pessoa precisa do auxílio, sem perder a noção de que pode ser ajustável, uma vez que públicos específicos precisam de aportes diferentes, como deficientes, idosos, crianças e adolescentes. Outro requisito é a Renda Básica não ser tributável, sem imposto de renda, ou perder o benefício caso seja empregado. Temos que levar em conta sempre a renda.
Redistribuição
O grupo defende o viés redistributivo da renda mínima. “A nossa carga tributária tem característica regressiva, pune os mais pobres. Qualquer reforma dessas transferências de renda deve levar em conta a possibilidade de ser paga pelos mais ricos”, destaca. O viés de ampliação de direitos é outra importante diretriz, diz o presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, Leandro Ferreira. “Quando se fala de uma noção que inclui renda, independentemente de condições ou não, trata-se de um direito, dissociado do mercado de trabalho, sem que outros direitos sejam reduzidos”, ressalta. Por fim, a referência deve ser o piso salarial. “Não estamos falando em indexar nada. Mas, em uma família com média de três pessoas, os benefícios individuais devem ser de algo em torno de R$ 350 para que a renda familiar chegue a um salário mínimo”, sustenta.
A importância do movimento é o critério da renda, não se a pessoa tem um emprego formal ou se já recebe outros benefícios, como funciona o auxílio emergencial. “Uma faxineira com carteira assinada e três filhos não recebe o auxílio emergencial, mas ganha um salário mínimo para quatro pessoas. Ela também precisa de uma renda básica”, defende o presidente da Rede Brasileira.
Durante a implantação do auxílio emergencial, o grupo monitorou os problemas de acesso a quem realmente precisa do auxílio, identificando um conjunto de 20 gargalos técnicos e solucionáveis que não foram abordados quando o benefício foi estendido por mais dois meses. “Isso significa a continuidade dos problemas já amplamente denunciados.”
Ferreira lembra que a proposta do grupo não é técnica. “Queremos construir o debate. São princípios. Um padrão de entrada como o do auxílio emergencial é uma boa referência. Só que removendo travas, com o único critério da renda”, resume.
Exemplos pelo mundo
Outros países também estão adotando medidas emergenciais para garantir alguma tranquilidade à população durante a crise, como os Estados Unidos, que aprovaram um pacote que transfere renda às famílias nos valores de US$ 1.200 a US$ 3.000 para todos os cidadãos da classe média e trabalhadora, enquanto durar a pandemia. Em Cingapura, por exemplo, o governo aprovou repasses de US$ 300 a US$ 1.500. No Irã, outro país que vem sendo fortemente atingido pela pandemia, três milhões de famílias devem receber uma renda de US$ 400 por quatro meses.
As medidas de distribuição de renda acompanham ainda o apelo de instituições, como destacou à Rádio França Internacional (RFi), o especialista independente da Organização das Nações Unidas (ONU) Juan Pablo Bohoslavsky, que defendeu a implementação do auxílio durante a crise.
“Neste momento, é fundamental que mais pessoas tenham esse auxílio. Estamos perto de um quinto dos brasileiros recebendo o abono emergencial, podendo passar para pelo menos um quarto ou um terço, e o movimento é ir ampliando isso de modo que a gente vai universalizando um bem, construindo uma outra lógica de organização da sociedade”, defende o diretor do Dieese, Fausto Augusto Júnior.
Fonte: Correio Braziliense e Rede Brasil Atual