É preciso lembrar de Zumbi dos Palmares e também da importância das lutas das mulheres no espaço palmarino
Danilo Santos da Silva*
Estamos no mês de novembro, ocasião na qual os temas relacionados à população negra ganham mais repercussão, sobretudo, no Brasil. Embora esse texto tenha sido produzido no referido período, não tem a pretensão de expor uma perspectiva eventual, mas apresentar uma reflexão sobre a “consciência negra” como fruto da memória coletiva de luta da população negra na sociedade brasileira.
Ter como parâmetro esse horizonte, nos ajuda a pensar o 20 de novembro e nos aproxima da ideia de memória coletiva de resistência da população negra, a partir da experiência dos quilombos que se espalharam por todo território brasileiro e tem como maior exemplo o Quilombo dos Palmares (c. 1605-1695), representando, quase cem anos de resistência contra o sistema de colonização escravista europeu.
Com base nessa experiência, no ano de 1971, no Rio Grande do Sul, o Grupo Palmares, utilizou a data da morte de Zumbi dos Palmares, 20 de novembro de 1695, como marco simbólico da luta coletiva da população negra no Brasil. Sete anos mais tarde, com a criação do Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978, aconteceu o processo de nacionalização da data, como Dia da Consciência Negra: “[…] eu quero ver quando Zumbi chegar, o que vai acontecer. Zumbi é senhor das guerras, é senhor das demandas. Quando Zumbi chega, é Zumbi quem manda […]” (Jorge Ben Jor, 1974).
Embora o dia 20 de novembro esteja relacionado com a morte de Zumbi dos Palmares, não podemos esquecer que o propósito do dia da “Consciência Negra”, deve ser compreendido no plano da luta coletiva da população negra no passado e no presente. Isso significa dizer, que ao mesmo tempo que precisamos lembrar da memória de Zumbi dos Palmares, também, é fundamental, registrar a importância das lutas das mulheres no espaço palmarino, que cada vez mais passam a ser referência de luta nos dias atuais: “Brasil, o teu nome é Dandara […] não veio do céu e nem das mãos de Isabel, a liberdade é um dragão no mar de Aracati […]” (Enredo da Mangueira, 2019 – “História pra ninar gente grande”).
No enredo, Dandara é apresentada para questionar o pressuposto da liberdade concedida pela Princesa Isabel, no dia 13 de maio de 1888, mostrando ainda uma resistência negra ancestral. Além disso, se reconhece a participação feminina negra na formação da sociedade brasileira. Dentro da mesma perspectiva, o poeta Silveira faz duras críticas a produção da história: “[…] Senhor historiador oficial, deixe o sobrado, a casa-grande, recue na linha do tempo, mergulhe no espaço geográfico, […] meta-se no bucho do Palmar, […]. Veja num lado história, noutra escória. Depois comece a contar […]” (SILVEIRA, 1987).
Nesse sentido, a institucionalização do dia da consciência negra foi uma vitória importante, representou o reconhecimento do direito à memória e história da população negra, com a promulgação, em 2003, da Lei nº 10.639 (Educação das Relações Étnico-raciais, História da África e Cultura Afro-brasileira), inserindo no calendário escolar o 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”. Se no passado a população negra teve que recorrer a essa memória coletiva para substanciar as reivindicações dos seus/nossos direitos, atualmente (2019), tem se utilizado para manutenção (e ampliação) dos direitos sociais conquistados nas últimas décadas.
Em uma conjuntura que a questão econômica e política – capitalismo neoliberal e governo de extrema-direita – são supervalorizadas e sobrepõem as questões sociais e para justificar as reformas neoliberais, que atingirão diretamente a população negra, empurrando-a cada vez mais para uma situação de precariedade, aumento de exclusão e vulnerabilidade social, pois há cresce a informalidade do trabalho, o subemprego e desemprego, tornando quase impossível que a maioria da população tenha o direito a uma aposentadoria na velhice. Ao mesmo tempo, um governo de tendências neofascistas, que deliberadamente ataca o direito à memória da população negra, os programas de ações afirmativas e os direitos quilombolas, entre outros.
Esse contexto atual, apresenta novos desafios para os movimentos socioculturais negros, mais do que nunca, a memória coletiva de resistência se apresenta como instrumento importante para a auto-organização política da população negra. É preciso, “por menos que conte a história […]. Se Palmares não vive mais, faremos Palmares de novo […]” (LIMEIRA, 2011/2012).
Fazer Palmares de novo, tem a ver em dar continuidade a luta do passado, como foi as lutas contra a escravidão e pela dignidade humana e , mais recentemente, no século XX, buscamos a cidadania republicana e no tempo presente, persistimos em defesa de uma plena cidadania, em torno da manutenção dos direitos quilombolas, das ações afirmativas, da luta antirracista e de políticas de Estado para população negra e povos excluídos historicamente, como os povos originários/indígenas, entre outros.
Então no próximo dia 20 de novembro, dia da “Consciência Negra”, é momento de comemorar, mas, acima de tudo, denunciar a configuração do racismo estrutural e institucional na sociedade brasileira. É momento, como diria o cantor Mano Brown, de fazer com que “a fúria negra ressuscite outra vez […]” (Racionais MC’s, 1997).
Que essa “fúria” negra continue sendo fonte para memória coletiva das próximas gerações, ou seja, que Dandara, Aqualtune, Acotirene, Zumbi e outros símbolos da resistência negra possam continuar inspirando a constituição de um país multicultural e plurirracial, que não só respeite, como também, valorize as diferenças como ponto para desenvolvimento da sociedade brasileira.
*Pesquisador colaborador do NEABI-CCHLA/UFPB; Ativista do Movimento Negro e Assessor de Projetos do Fundo Brasil de Direitos Humanos
Fonte: Brasil de Fato