Reforma trabalhista, completou quatro anos, dia 11/11. As alterações promovidas na CLT geraram polêmicas e contestações no universo jurídico. Algumas foram derrubadas pelo STF. Porém, ainda acumula ações sem julgamento sobre diversos pontos da reforma, como a ultratividade, por exemplo, que retira todos os direitos dos trabalhadores depois da data base, caso não haja negociação
A Lei 13.467/2017, conhecida como reforma trabalhista, completou quatro anos de vigência na quinta-feira (11/11). As alterações promovidas na CLT geraram polêmicas e contestações no universo jurídico. Muitas delas foram logo de início levadas ao Supremo Tribunal Federal. Algumas foram até mesmo derrubadas pela corte. Porém, o STF ainda acumula ações sem julgamento sobre diversos pontos da reforma
Para Ricardo Calcini — professor de Direito do Trabalho da Pós-Graduação da FMU —, merece especial atenção o julgamento sobre o “tabelamento” da indenização por danos morais. “Como os pleitos indenizatórios, nas ações trabalhistas, são muito frequentes, penso que o STF poderia dar prioridade à conclusão de tal julgamento, ao invés de iniciar outros que nem sequer estão em pauta”, indica ele.
O caso começou a ser julgado no final de outubro, mas foi interrompido por pedido de vista do ministro Nunes Marques. A discussão envolve dispositivos da reforma trabalhista que criam um tabelamento para pagamento de indenizações por danos morais — conforme sua natureza leve, média, grave ou gravíssima — e ainda fixam um teto. De acordo com a norma, as reparações devem se basear no último salário contratual do empregado, com limite de 50 vezes desse valor.
O ministro Gilmar Mendes, relator das ações diretas de inconstitucionalidade, já votou pela possibilidade de juízes concederem indenizações acima do teto. Para ele, o tabelamento seria um critério para proferir a decisão, mas não excluiria a discricionariedade do magistrado.
Um ano atrás, quando a reforma completava três anos, Calcini já destacava a importância deste julgamento e indicava que a lógica do tabelamento não existe em nenhum ramo do Direito.
Outro tema deve começar a ser analisado ainda nesta semana. Estão previstas para serem julgadas na próxima quarta-feira (17/11) as ações sobre a constitucionalidade do trabalho intermitente — modalidade instituída pela reforma que permite a alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade. O julgamento havia sido suspenso em dezembro do último ano, por pedido de vista da ministra Rosa Weber.
Até o momento, três ministros já votaram. O relator, Edson Fachin, considerou que os contratos intermitentes poderiam gerar insegurança jurídica, e por isso votou pela inconstitucionalidade dos dispositivos da reforma. Já os ministros Nunes Marques e Alexandre de Moraes divergiram, pois entenderam que a modalidade traz oportunidades e benefícios para empregadores e empregados.
Apesar da alta judicialização desde 2017, o STF, de um modo geral, não adota uma postura mais favorável ou contrária à reforma, mas analisa caso a caso. Assim, não é possível prever se a corte seguirá derrubando ou mantendo dispositivos da lei.
“Isso dependerá muito do tema objeto da ação que esteja pendente de julgamento”, indica Calcini. No caso do tabelamento dos danos morais, por exemplo, o professor imagina que o STF invalidará a norma. Já quanto ao trabalho intermitente, “o perfil hoje da Suprema Corte é indicativo da manutenção desse novo formato de contrato”.
Acordos coletivos em jogo (ultratividade)
O STF também precisa decidir se acordos e convenções coletivas podem afastar ou restringir direitos trabalhistas — ou seja, se aquilo que é acordado coletivamente pode se sobrepor ao legislado. O artigo 611-A da CLT, incluído pela reforma, autoriza a prevalência dos acordos sobre a lei, quando tratarem de determinados assuntos.
Diferentemente da maioria dos outros processos, este é um recurso extraordinário com agravo, e não uma ADI. Porém, há repercussão geral reconhecida. O relator, Gilmar Mendes, já votou por fixar a tese de que os acordos devem ser observados, mesmo quando restrinjam direitos trabalhistas — a não ser nos casos de direitos intransponíveis, como seguro-desemprego, anotação na carteira de trabalho, salário mínimo etc. O caso está suspenso desde novembro do ano passado, por pedido de destaque de Rosa Weber.
Apesar de não contestar exatamente a lei, há uma arguição de descumprimento de preceito fundamental que também deve definir a validade de outra regra da reforma sobre acordos coletivos de trabalho. O que se discute é a ultratividade desses atos — ou seja, a manutenção dos seus efeitos mesmo após o fim da sua vigência.
A ação foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) contra a Súmula 277 do Tribunal Superior do Trabalho, que permite a incorporação de cláusulas coletivas ao contrato de trabalho individual. Segundo a autora, o TST estaria conferindo ultratividade às convenções ou acordos coletivos, apesar de isso ter sido vedado pela reforma.
Desde 2016, todos os processos e decisões sobre o tema estão suspensos até a manifestação do STF. Quatro ministros, incluindo o relator, Gilmar Mendes, já consideraram inconstitucional a súmula, enquanto outros dois votaram de forma favorável. No último mês de agosto, um pedido de vista de Dias Toffoli suspendeu o julgamento.
E tem mais
Desde a instituição da reforma, é possível, por meio de acordo individual escrito, convenção ou acordo coletivo, estabelecer uma jornada de 12 horas seguidas de trabalho por 36 horas ininterruptas de descanso. A medida é contestada no STF pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que cita a garantia constitucional da jornada não superior a 8 horas diárias e 44 semanais.
O relator do caso, ministro Marco Aurélio, chegou a apresentar seu voto antes de se aposentar e declarou a inconstitucionalidade da regra. Em abril deste ano, no entanto, Gilmar pediu vista dos autos e o julgamento foi suspenso.
A reforma também autorizou dispensas imotivadas sem necessidade de autorização prévia dos sindicatos ou de celebração de convenção ou acordo coletivo. Em ADI, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM) alega abuso de direito e violação à proteção e regulação das relações de trabalho. Não há previsão para início da análise do mérito da questão no STF.
A lei de 2017 alterou até mesmo o funcionamento do TST. Desde então, por exemplo, para que a corte estabeleça ou altere uma súmula, é necessário um quórum mínimo de dois terços. O Regimento Interno do TST prevê a adesão da maioria absoluta — e não de dois terços — para edição, revisão ou cancelamento de súmula. A Procuradoria-Geral da República questiona as regras, devido à autonomia administrativa dos tribunais para elaborar regimentos sem interferência externa. O relator da ADI, ministro Ricardo Lewandowski, já acolheu os argumentos da PGR. Porém, no último mês de junho, Gilmar pediu vista.
Compensando o atraso
De acordo com Calcini, “o atraso nos julgamentos traz prejuízos irreparáveis aos trabalhadores”. Os piores deles, na visão do professor, foram as milhares de condenações de reclamantes ao pagamento de honorários advocatícios destinados aos advogados das empresas. Isso porque a reforma previu que os perdedores das ações trabalhistas deveriam pagar custas processuais, honorários advocatícios e perícias de sucumbências, mesmo se fossem beneficiários da Justiça gratuita.
Contudo, no final do último mês de outubro, o STF finalmente definiu a questão e declarou a inconstitucionalidade da regra. Calcini classificou o julgamento como “histórico” e destacou que está por vir “uma verdadeira avalanche de novas reclamatórias que estavam até então represadas” em função da reforma. Por outro lado, advogados trabalhistas acreditam que a decisão pode estimular os trabalhadores a buscarem o Judiciário mesmo sem bons fundamentos.
O advogado e professor de pós-graduação Arno Bach, especialista em Direito do Trabalho e Empresarial, concorda que antes da reforma havia “uma verdadeira indústria das reclamatórias trabalhistas”, com muitos pedidos aos quais o trabalhador sequer fazia jus. Porém, segundo ele, a regra foi incluída na CLT para “desencorajar empregados a procurarem o Poder Judiciário”. Assim, para ele, a decisão recente do STF foi o maior golpe já sofrido pela reforma desde o início da sua vigência.
Temas já enfrentados
Outros dois pontos da reforma já foram derrubados pelo STF. O mais recente foi o uso da Taxa Referencial (TR) para correção das dívidas trabalhistas. A lei determinou a aplicação desse índice, que está em desuso e atualmente no valor de 0% ao ano. Em dezembro do último ano, no entanto, o Supremo afastou a TR e estipulou o uso do IPCA-E na fase pré-judicial e da taxa Selic a partir da citação.
Antes disso, em 2019, a corte vetou uma regra da reforma que admitia, em algumas hipóteses, a atuação de grávidas ou lactantes em atividades insalubres, exceto quando apresentassem atestado de saúde. O relator, ministro Alexandre de Moraes, ressaltou a proteção da maternidade e afirmou que a norma transferia à trabalhadora o ônus de demonstrar a existência do risco à saúde.
Por outro lado, em 2018 o STF validou uma regra da reforma que extinguiu o imposto sindical obrigatório. O entendimento foi de que a Constituição não obrigaria a cobrança de tal contribuição.
Mais mudanças?
Apesar das significativas alterações promovidas pela reforma, a legislação trabalhista ainda sofre tentativas de modificações. Entre agosto e setembro, o Congresso discutiu o projeto de lei de conversão da Medida Provisória 1.045, que ficou conhecido como “minirreforma trabalhista”.
Dentre as previsões havia a criação de novos modelos de contratações, com menos direitos aos trabalhadores. O texto chegou a ser aprovado pela Câmara, mas o Senado derrubou a proposta.
Já dia 10/11, o presidente Jair Bolsonaro editou um decreto que revisa e flexibiliza normas trabalhistas infralegais — outros decretos, portarias e instruções normativas. O objetivo, segundo o governo federal, é simplificar e desburocratizar temas como carteira de trabalho, registro sindical, gratificação natalina, auxílio alimentação, entre outros.
Crédito: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Fonte: Conjur
Escrito por: José Higídio