Meses antes de apresentar mudanças que obrigarão brasileiros a trabalhar 49 anos para receber benefício integral, secretário de Previdência reuniu-se com diversos representantes de planos de previdência privada.
Marcelo Abi-Ramia Caetano era um tecnocrata desconhecido da imensa maioria dos brasileiros até terça 6, quando a reforma da Previdência foi apresentada. Coube ao agora secretário de Previdência Social, alçado ao posto no governo Temer, anunciar as mudanças que farão trabalhar 49 anos quem quiser o “luxo” de se aposentar com o benefício integral.
“Essas mudanças são para que as pessoas morram antes de se aposentar”, crava Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Unicamp. “Evidentemente quando se torna a regra absolutamente impossível de ser cumprida, as pessoas que têm grana irão para o setor privado, mas o pobres irão para o cemitério [antes de se aposentar].”
E aparentemente, Caetano tem se esforçado para se aproximar de alguns setores que representam a previdência privada. Segundo sua agenda de compromissos, desde julho ele reuniu-se com representantes do Bradesco; Santander; JP Morgan; Itaú; XP Investimentos; Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg); Conselho Nacional dos Dirigentes de Regimes Próprios de Previdência Social (Conaprev); Confederação Nacional da Indústria (CNI); Fiesp. Só para citar alguns. Com alguns deles, mais de uma reunião.
Com os representantes dos trabalhadores, no entanto, reuniu-se apenas uma vez, no dia 5 de dezembro, com algumas centrais sindicais, já às vésperas de anunciar as alterações.
“Toda a questão da reforma da Previdência é um deboche, eles estão fazendo uma regra que para o indivíduo ter a aposentadoria integral, terá de contribuir dos 16 aos 65 anos no mercado formal de trabalho. Isso não existe em lugar nenhum do mundo”, afirma Fagnani. “Nós somos uns dos campeões mundiais em desigualdade e seremos campeões mundiais em rédeas exigentes para aposentadorias. É um contrassenso absurdo”, acrescenta.
Reforma desnecessária
E há muitos dados que enfraquecem a argumentação de que uma reforma na Previdência é necessária. Em 2014, de acordo com a Associação Nacional dos Auditores Fiscais (Anfip), as receitas da seguridade social atingiram R$ 686,1 bilhões, e as despesas, R$ 632 bilhões – portanto um superávit de R$ 53,9 bilhões.
Já a arrecadação líquida da Previdência Urbana foi de R$ 312,8 bilhões, e as despesas, de R$ 296,4 bilhões, superávit de R$ 16,4 bilhões. Por outro lado, a arrecadação líquida da Previdência Rural foi de R$ 6,7 bilhões, e a despesa, de R$ R$ 86,5 bilhões, déficit de R$ 79,8 bilhões.
Entretanto, a professora e pesquisadora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Denise Gentil sustenta que o cálculo do déficit previdenciário do governo e divulgado pela mídia é malicioso. Isso porque, de acordo com a Constituição Federal, a Previdência está inserida dentro do sistema de seguridade social, que abrange também o Sistema Único de Saúde e os programas sociais.
Segundo Denise, se for calculado como rege a Constituição, o sistema de seguridade social como um todo apresentou superávit de R$ 56 bilhões em 2014.
“O governo isola e retira a Previdência de dentro desse sistema de seguridade social, pega uma só fonte de receita, que é a tributação sobre a folha de pagamento e faz a conta receita menos despesa, que dá déficit, mas esse cálculo não esta previsto na Constituição Federal”, reforça Denise.
“Como, em sã consciência, alguém recomenda regras de aposentadoria mais severas do que as de países desenvolvidos, em um país absolutamente desigual e heterogêneo como o Brasil?” questiona Fagnani. “Como você quer que o trabalhador rural do Nordeste, que atravessou uma seca durante cinco anos seguidos, cumpra as mesmas regras de um país como a Suécia? Isso é um deboche”, reafirma.
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Fonte: SEEB SP