Se uma greve não pode interromper a produção ou os serviços não tem eficácia
Nas últimas semanas, importantes categorias enfrentaram suas campanhas salariais nas várias regiões do país. Entre elas, os metroviários, eletricitários, urbanitários, condutores de ônibus, ferroviários e trabalhadores em saneamento. Todos enquadrados no conceito de trabalhadores em atividades essenciais. A lei exige que publiquem editais com 72 horas de antecedência avisando a população da greve. Assim que os editais são publicados o Ministério Público do Trabalho ingressa com um pedido de liminar sobre a greve. Antes mesmo da greve se iniciar os Tribunais Regionais do Trabalho concedem liminares exigindo que até 90% dos trabalhadores permaneçam trabalhando, assegurando o atendimento dos serviços considerados “inadiáveis”.
Estabelecem multas de até R$ 200 mil reais por dia, caso os sindicatos não cumpram a ordem judicial. O valor da multa e os percentuais variam em cada região, mas sempre determinam que se assegure 100% das atividades em funcionamento.
Como é possível uma greve com apenas 10% dos trabalhadores?
A greve é uma forma de tentar obrigar a empresa a fazer algo que não pretende fazer ou não está obrigada por lei: conceder aos trabalhadores vantagens não necessariamente previstas em lei.
Se uma greve não pode interromper a produção ou os serviços não tem eficácia. Não exerce pressão. Não é greve.
Trata-se de um direito conquistado com muitos sacrifícios pela classe trabalhadora. E ao longo de mais de meio século em que deixou de ser criminalizado e passou a ser admitido em nosso ordenamento constitucional, o Estado sempre buscou suprimi-lo indiretamente através da lei ordinária. Converteu-se numa arma fundamental para derrotar a ditadura a partir do final da década de 1970. Um direito que foi reconquistado enfrentando intervenções sindicais, demissões e até prisões. Foi a grande bandeira da classe trabalhadora nas eleições constituintes de 1986. E assegurou uma conquista decisiva na redação do artigo 9º da Constituição Federal de 1988, inspirada na lei surgida durante a Revolução dos Cravos em Portugal.
“Ter um direito” significa que o Estado deve garantir sua efetivação e que todos os cidadãos devem respeitar esse direito. Porém, ao longo da ofensiva neoliberal iniciada nos anos 1990, gradativamente o direito de greve foi sendo esvaziado, tanto por leis ordinárias como pelo entendimento dos tribunais. Atualmente, para as categorias que integram o que a lei denomina “serviços essenciais” podemos afirmar, sem exagero, que já não existe.
De fato, no campo das chamadas “atividades essenciais” para o setor privado foi baixada uma lista de atividades tidas como tal, e exigida a manutenção de um esquema de emergência durante a paralisação. Esquema este que os tribunais vêm transformando na exigência de 100% de funcionamento. Alimentados continuamente pela intensa campanha dos grandes veículos de comunicação que jogam a população contra os grevistas, impedindo que entenda suas reivindicações enquanto trabalhadores, as greves são estigmatizadas e os que lutam são acusados de privilegiados que querem “chantagear a população”.
Estamos assistindo a uma gradativa retomada da capacidade de luta do movimento sindical. Amplia-se a luta pela conquista de aumentos reais, bem como para recuperar a perda salarial acumulada nos últimos anos. E a cada dia esta retomada se defronta com um direito de greve completamente esvaziado.
Cresce o número de greves, especialmente nas atividades privadas consideradas como “não essenciais”, mas sempre de curta duração. Neste momento, as ameaças de greve e mesmo as paralisações de curta duração têm sido suficientes para firmar acordos onde são assegurados o reajuste salarial e o percentual de aumento real. Mas é um quadro conjuntural que inevitavelmente irá se alterar. Nenhuma categoria se arrisca a enfrentar as multas e restrições que vêm impedindo o exercício do direito de greve e, quase sempre, retornam ao trabalho ante a concessão de uma liminar ou a ameaça de terem seu movimento julgado como “abusivo”.
O curioso é que a bandeira da reconquista do direito de greve não vem sendo empunhada com a ênfase necessária pelos dirigentes sindicais. Muitos sequer se aperceberam destas mudanças, e conduzem as campanhas salariais como se a greve ainda pudesse ser exercida com amparo legal.
Alguns dirigentes sindicais acham que esclarecer para os trabalhadores essa nova situação restritiva pode assustá-los. E como os avestruzes, preferem esconder a realidade e fingir que nada mudou.
Eis um desafio decisivo para a classe trabalhadora. Reconquistar o direito de greve não será obra de apenas uma categoria e exigirá a unidade do movimento sindical, que segue se pulverizando, consumido em disputas internas pela disputa dos aparatos. Pautar a reconquista do direito de greve, denunciar seu esvaziamento é uma tarefa que não pode ser postergada e deve ser priorizada pelos que apostam na construção de uma concepção classista no movimento sindical.
Fonte: B