“A decisão do STF em algumas questões sobre a Lei Maria da Penha não tem o poder de mudar o triste cenário e poderá, talvez, piorar a situação.”
O Supremo Tribunal Federal decidiu, há poucos dias, algumas questões sobre a Lei Maria da Penha. Dentre essas questões a mais relevante é a que determina, agora, que a ação contra o marido ou companheiro agressor tramite independentemente da vontade da mulher. Até agora, a mulher apanhava, dava queixa na polícia e, quando chegava diante do juiz, podia recuar, dizer que perdoara o agressor ou simplesmente não dizer nada e “retirar a queixa.” Agora, a coisa mudou: quer a mulher queira, quer não, o agressor, perdoado por ela ou não, vai responder a processo criminal, o qual terá o Ministério Público como órgão acusador.
A notícia foi comemorada por muitos que lutam pelo combate à violência doméstica, porque se acredita que tal mudança implicará na diminuição desse terrível mal social. Os índices brasileiros são, ainda, muito doloridos – qualquer coisa em torno de 15 mulheres agredidas por seus companheiros, a cada segundo, Brasil afora. E, outro dado estarrecedor é que, das mulheres que sofrem violência dentro de casa, apenas 2% delas, aproximadamente, levam o caso à Polícia. Há um circulo vicioso que deixa a mulher inerte, muitas vezes, até a morte, ante a violência que vem da mão do seu parceiro.
A decisão do STF não tem o poder de mudar o triste cenário e poderá, talvez, piorar a situação. Tem mulher que retira a queixa sim, por medo, sob ameaça, porque é dependente do marido e quer proteger os filhos. A essa mulher o Estado deve dar apoio, condições para que ela resgate sua auto estima, sua auto confiança e vá em busca de soluções ao seu problema. Protegê-la, calando-a, é que não pode ser. É pouco provável que a transferência do poder de decisão dela para o Estado vá ajudá-la. E aí? O Ministério Público inicia a ação, e a mulher vai dormir com o inimigo?
E se a mulher perdoa o marido, e ele muda para melhor? Vão os dois, juntos, esperar que o juiz os ouça e considere isso na decisão absolutória, ou deverão, ambos, no final, ser condenados? Ele, pelo crime, e ela, por não poder falar, expor e ver respeitado seu desejo. Se ao Estado cabe defender seus cidadãos, deve dar condições materiais e psicológicas para a mulher vítima, a fim de que ela possa se defender e não se deixar violentar. Que dê acolhida para quem pede. Refugio para quem está ameaçada.
Mas que decida ela, se sim ou não, se manda ou não o agressor responder pelo seu crime. Cabe ao Estado proteger seus cidadãos, mas não de modo a deixá-lo impotente diante de sua própria história. O STF querendo proteger exagerou na dose, e reforçando na mulher a figura tão só de vítima frágil e impotente, retrocedeu na luta pela liberdade e independência femininas. Será que por trás disso não há uma visão obtusa e machista de que mulher gosta de mesmo apanhar e depois sempre perdoa? E, se assim é, que seja o Estado protetor a cuidar dela?
Fonte: Radioagência NP