Diferentemente do assédio moral, que geralmente é praticado contra uma pessoa de forma individual, o organizacional engloba esse problema diretamente na estrutura e afeta diversos trabalhadores, que muitas vezes não percebem que estão passando pela situação
Fazer com que a produtividade aumente a qualquer custo na empresa é um destino que quase sempre encontra pelo caminho o assédio organizacional. Com a chegada da pandemia de Covid-19, algumas pessoas conseguiram transformar a sala de casa em escritório, mas com isso levaram a pressão do trabalho para dentro do lar e eventualmente também o assédio.
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Ecoa conversou com especialistas para esclarecer o que é assédio organizacional, como identificar essa conduta nos tempos de home office, o que fazer caso passe por isso e de que maneira evitar que as organizações caiam nesse erro.
O que é assédio organizacional?
Diferentemente do assédio moral, que geralmente é praticado contra uma pessoa de forma individual, o organizacional engloba esse problema diretamente na estrutura e afeta diversos colaboradores, que muitas vezes não percebem que estão passando pela situação.
“O assédio organizacional é uma violência transversal na cultura de uma empresa, o modus operandi que estimula uma competitividade exacerbada e o isolamento dos trabalhadores. Tudo em prol da produtividade e do lucro”, explica Laura Pedrosa Caldas, doutora em psicologia clínica pela UNICAP (Universidade Católica de Pernambuco), perita judicial, que atua com ênfase em assédio moral e outras violências laborais.
Como o assédio organizacional é cometido na prática?
Toda organização tem metas, que são transferidas para as equipes e aos colaboradores de forma individual. Mas quando esses objetivos se tornam inalcançáveis ou levam toda a equipe a um ritmo frenético e regado por ameaças, é nesse momento que começa o assédio organizacional.
“Para assegurar o cumprimento das metas excessivas, aumentar a eficiência ou rapidez na realização de uma tarefa, as empresas tomam como medidas recursos incompatíveis como práticas de humilhações e exposições”, explica Stheffany Marjorie Teixeira Simões Pires, advogada especializada em direito do trabalho e Processo do Trabalho.
Situações como essa acabam criando uma espécie de ciclo que silencia outros colaboradores e faz com que o assédio continue acontecendo de forma estrutural na organização.
“O método mais utilizado é o da gestão por estresse, fundado na pressão psicológica. O assédio se dissemina na empresa atingindo a todos, pelo pavor de ser a vítima de humilhação, sendo assim conduzidos a produzir além do seu limite e se calar diante das irregularidades por colocar o seu emprego em risco”, exemplifica a advogada.
Assédio organizacional pode acontecer no home office?
Ainda que o regime em home office seja uma realidade distante para grande parte dos trabalhadores brasileiros, quem experimentou essa lógica no auge da pandemia encontrou cenários difíceis — entre março e agosto deste ano os processos trabalhistas ligados a esse modelo de trabalho cresceram 270% em comparação com o ano passado.
Se ter o trabalho no conforto do lar pode parecer um sonho por um lado, de outro pode significar perder a privacidade dentro da própria casa. Para o advogado Luiz Almeida, especializado em direito trabalhista, os principais casos de assédio organizacional estão ligados à invasão de privacidade.
“O trabalho remoto dificultou um pouco a identificação do assédio organizacional, já que a maneira de comunicação entre a empresa e os funcionários foi alterada. Muitas dúvidas surgem quanto à natureza do que ocorre, sendo por vezes difícil distinguir o mau comportamento do assédio”, comenta Almeida.
No entanto, o advogado é direto em explicar o que pode ser considerado como assédio organizacional: “Qualquer conduta abusiva, que se manifeste por comportamentos, palavras, atos, gestos ou escritos que possam trazer danos à personalidade, à dignidade ou à integridade física e psíquica de todos ou de determinado grupo da empresa, pondo em perigo os empregos ou degradando o ambiente de trabalho”.
A doutora em psicologia e perita judicial, Laura Pedrosa Caldas explica que entre os assédios praticados no teletrabalho estão mensagens que vão de ameaças veladas ou explícitas de perda de oportunidade de carreira até demissão.
“O sofrimento psíquico e o adoecimento mental são sinais que trabalhadores em teletrabalho apresentam quando vítimas de assédio moral virtual. Trata-se de cobranças por resultados que exigem um tempo integralmente útil, sem respeitar intervalos e jornadas previstas no contrato de trabalho”, explica Caldas.
Como agir em casos de assédio organizacional?
O advogado Luiz Almeida, orienta que em casos de assédio organizacional no trabalho remoto os trabalhadores devem buscar seus direitos judicialmente. “Em casos de danos, de qualquer ordem, eles precisam ser reparados”, explica.
Almeida ainda lembra que em decorrência da pandemia de Covid-19, o Ministério Público divulgou uma Nota Técnica Conjunta, em que traz uma série de medidas para promover a prevenção e o enfrentamento da violência e do assédio nas relações de trabalho.
Entre elas, o advogado destaca. “A responsabilidade das empresas, ainda que os trabalhadores estejam trabalhando remotamente, de garantir condições decentes de trabalho, com remuneração adequada, em condições de liberdade, equidade e segurança, com acessibilidade, liberdade sindical, respeito à jornada de trabalho legal, aos direitos humanos, entre outras obrigações”.
A psicóloga Laura Pedrosa Caldas lembra que os traumas por assédio organizacional podem incluir depressão e outros transtornos. “Ansiedade, inclusive a síndrome de pânico, fobia e compulsão. Destaca-se o uso problemático de álcool e de outras drogas, além do estresse e transtornos de adaptação”, explica.
Como evitar o assédio organizacional?
O assédio organizacional por vezes pode estar “mascarado nas ações de engajamento de forma sistemática, principalmente, quando essas criam um ambiente muito competitivo e pouco saudável.
Nesse sentido, a cultura empresarial tem um ponto decisivo. “Existe uma total relação entre assédio e cultura. Nesta perspectiva, deve-se lembrar que o assédio é um problema de cultura, de cunho social e organizacional. Liderança, cultura, código de ética e conduta devem se fazer presentes em ações preventivas e corretivas”, explica Rosana Daniele Marques, psicóloga e gerente em gestão de pessoas, que atua como consultora estratégica com foco em recursos humanos.
Marques alerta que os cuidados com a cultura empresarial a fim de que se evite o assédio organizacional começam pela política de recrutamento e seleção. “É importante que se atraia profissionais que de fato tenham coerência com os valores e princípios da companhia e desenvolver um código de ética e conduta, que deixe explícito as diretrizes toleráveis e intoleráveis da companhia”, explica.
A gerente em gestão de pessoas também recomenda a implementação de um canal de denúncia para que os profissionais possam escalar possíveis problemas e atitudes que não sejam cabíveis.
O advogado Luiz Almeida, especializado em direito trabalhista, lembra que fazer “pesar no bolso”, também é uma forma de coibir o assédio organizacional nas companhias.
“É preciso seguir a orientação do Ministério Público do Trabalho, em oficiar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, com o intuito de informar sobre os casos em que os dirigentes das organizações privadas tenham sido condenados por assédio, para assim impedir a concessão ou renovação de quaisquer empréstimos ou financiamentos”, defende Almeida.
Sindicalize-se para fortalecer a sua defesa. O Sindicato somos todos nós!
Fonte: Ecoa – Novembro de 2020
Escrito por: Giacomo Vicenzo