Eles atuam em diversas atividades, da saúde à mineração, e denunciaram falta de equipamentos de proteção, distanciamento social e demissões indevidas durante pandemia
A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) expôs uma série de irregularidades praticadas por empresas de todos os portes mais interessadas no lucro do que no bem-estar dos seus trabalhadores. Por não ofereceram condições sanitárias e de proteção para o trabalho presencial essas empresas acabaram sendo denunciadas junto ao Ministério Público Federal (MPT).
Até o dia 20 de setembro deste ano o órgão recebeu 47.846 denúncias, que resultaram em 681 ações civis públicas, 872 Termos de Ajuste de Conduta (TAcs) e a expedição de cerca de 15 mil recomendações. Também foram expedidas 14.982 recomendações a autoridades do poder público e empregadores e instaurados 15.281 inquéritos civis relacionados à pandemia, de acordo com levantamento do próprio MPT.
O alto número de denúncias em 18 meses de pandemia não surpreende a coordenadora Nacional de Promoção da Regularidade do Trabalho na Administração Pública (Conap), procuradora regional do Trabalho do MPT, Ileana Neiva. Para ela, a prevenção dos trabalhadores contra a Covid-19 no Brasil poderia ter sido mais efetiva, se, além das medidas de biossegurança, as empresas e órgãos públicos tivessem investido em busca ativa de casos, afastamento de quem se contagiou do ambiente de trabalho, entre outras medidas.
“Era preciso ter feito vigilância em saúde do trabalhador. A Lei do SUS prevê vários tipos de vigilância em saúde, entre elas a vigilância epidemiológica e a vigilância em saúde do trabalhador, que estabelece que os serviços médicos das empresas devem ser fiscalizados pela vigilância dos estados e municípios”, diz a procuradora regional do Trabalho.
Segundo ela, para se evitar tantas mortes e contágios dentro das empresas era preciso que os serviços médicos das empresas realmente comunicassem os casos de covid-19 à vigilância epidemiológica dos municípios. Ainda assim seria preciso ter um número de servidores suficientes para aplicar a lei, o que não ocorre no país.
A história da pandemia poderia ser outra, com interdição de estabelecimentos que não estão cumprindo as regras sanitárias, pesquisando-se como a Covid entrou na empresa, como se espalhou, se foram afastados os outros trabalhadores que tiveram contato com quem estava doente, para que ela não atingisse mais pessoas Ileana Neiva
Subnotificação prejudicou combate à covid-19
Segundo a procuradora regional do Trabalho, a subnotificação da doença foi muito grande porque o SUS sempre foi subfinanciado e os recursos mal dão para a assistência e o país não investiu na vigilância em saúde do trabalhador.
“Também houve falta de testes para a detecção precoce da doença, evitando-se que um trabalhador infectado continuasse no local de trabalho. Então, as empresas para não terem esse custo deixaram de testar os seus empregados e evitar surtos, e o que se viu foi infecção passando de um empregado para outra, sem medidas para conter a transmissão do vírus”, afirma Ileana.
A procuradora explica que em casos de empresas menores, elas poderiam ter recorrido aos testes do próprio SUS. Ela conta que os testes do SUS próximos de perder a validade foram ofertados pelo órgão aos supermercados, mas eles não aceitaram fazer os testes.
“Nesse ponto, faltou o SUS comunicar ao Ministério Público, pois as empresas não podem se negar a adotar medidas que evitem a transmissão do vírus”, criticou.
A procuradora do MPT recomenda como essencial as empresas colocarem nos seus Programas de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), um protocolo de testes, dizendo qual a periodicidade que os testes devem ser aplicados, como estratégia de busca ativa de casos.
As empresas denunciadas
A lista de ações, acordos e recomendações compreende desde a Mineradora Vale, a Andrade Gutierrez, BRF S.A, Marfrig Global Foods e Aurora Alimentos S.A, JBS, Votarantin e até hospitais públicos municipais do Rio de Janeiro, Rondônia e Pará, entre outras.
No setor dos frigoríficos foi pactuada uma série de medidas como o fornecimento de máscaras adequadas e a proteção de grupos vulneráveis até a garantia de distanciamento mínimo entre pessoas, inclusive na linha de produção.
A JBS Passo Fundo (RS) e a do município de São Miguel do Guaporé (RO), chegaram a ser interditadas devido ao alto número de trabalhadores infectados.
No setor da mineração, o MPT abriu inquérito civil público para investigar possíveis casos de contaminação de trabalhadores e recomendou a mineradora Vale uma série de medidas a serem implementadas para o enfrentamento e a contenção da Covid-19 no Complexo de Carajás em Parauapebas e nos empreendimentos de Canaã dos Carajás e Ourilândia do Norte (PA).
A Vale ainda fez um acordo judicial com o MPT-MG que fixa procedimentos como rotinas de divulgação e de orientação sobre as medidas de distanciamento e uso de equipamentos de proteção.
Em Mato Grosso, o MPT-MT firmou acordo com as empresas Andrade Gutierrez Engenharia S.A., Nexa Recursos Minerais S/A, Votorantim Metais Zinco S.A. (atual Nexa Recursos Minerais S.A.) e Construcap CCPS Engenharia e Comércio S.A. para reforçar as medidas de proteção dos cerca de 1500 trabalhadores da planta mineradora localizada em Aripuanã, no extremo norte do estado.
No Rio de Janeiro o acordo foi junto ao município do Rio de Janeiro para que fossem protegidos os profissionais de saúde que atuam em oito hospitais municipais durante a pandemia de Covid-19. São eles: Lourenço Jorge, Miguel Couto, Salgado Filho, Souza Aguiar, Evandro Freire, Rocha Faria, Albert Schweitzer e Pedro II.
Ainda na área da saúde o MPT em Rondônia pediu à Justiça Federal que determine à União o fornecimento de material para a ampliação dos leitos de UTI no estado, para garantir o atendimento em saúde à população.
No Pará, o MPT obteve liminar que obrigou o município de Belém a fornecer equipamentos de proteção individual (EPIs) a todos os profissionais de saúde que atuam na rede pública municipal. A decisão também determina que o município forneça capacitação os profissionais que atuam nessas unidades de saúde para reduzir a disseminação do da Covid-19 e a disponibilizar materiais de higiene e limpeza nos hospitais.
No Rio Grande do Norte, o MPT-RN concluiu mediação iniciada a partir de pedido do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Rio Grande do Norte (SindSaúde). Foi definido que todos os servidores que trabalham na área da assistência, nas unidades hospitalares da rede pública de saúde estadual e em unidades de atendimento direto à população teriam que receber adicional de insalubridade em 40%, enquanto durar o estado de calamidade em saúde pública Covid-19.
Na agricultura, um produtor de café do município de Delfinópolis, no sul de Minas Gerais, terá que adotar um conjunto de 27 obrigações para a prevenção da Covid-19, garantir condições de segurança conforto e regularizar e coibir trabalho análogo à escravidão. O acordo foi assinado após uma força-tarefa de auditores fiscais do Trabalho e do MPT constatar trabalhadores em condições degradantes na propriedade, localizada no distrito de Olhos D’Água da Canastra.
Na área de telemarketing, o MPT ajuizou ação cautelar contra a empresa TMKT Serviços de Marketing Ltda , em Mogi das Cruzes (SP), por expor seus 500 funcionários ao risco desnecessário de contaminação pelo coronavírus. A empresa mantém os trabalhadores em ambientes fechados e não atende à quarentena estabelecida pelo governo do estado de São Paulo, estabelecida em março de 2020.
Em Sergipe, o MPT do estado obteve decisão liminar que determinou a suspensão em todo o estado das atividades de teleatendimento e central de telemarketing da empresa Almaviva. Foi permitido somente o teleatendimento relacionado aos serviços médicos, hospitalares, farmacêuticos, laborais, clínicas e de serviços de saúde.
A plataforma digital de transporte de passageiros Cabify teve que, por decisão liminar da Justiça do Rio de Janeiro, fornecer gratuitamente aos motoristas do aplicativo álcool-gel 70% e limpeza de veículos utilizados pelo serviço. A empresa ainda foi obrigada a elaborar material informativo com orientações sobre higiene pessoal e veicular. A decisão tem abrangência nacional.
As plataformas digitais de alimentos iFood e Rappi também foram alvo de ações civis públicas ajuizadas pelo MPT em São Paulo, que obteve liminar contra as empresas. O objetivo foi garantir assistência financeira a trabalhadores infectados pela Covid-19 ou que integram o grupo de alto risco para que possam se manter em distanciamento social com recursos necessários para sua sobrevivência.
No ramo petrolífero, o MPT diz que vem acompanhando casos de contaminação de trabalhadores em plataformas de petróleo. Em Cachoeiro de Itapemirim (ES) a instituição realizou audiência para investigar casos de adoecimento de profissionais na plataforma petrolífera operada pela empresa SBM Offshore, a FPSO Capixaba, localizada no litoral de Marataízes.
Proteção aos trabalhadores de unidades prisionais e dos detentos
A Justiça do Trabalho de Campinas (SP) concedeu liminar ao Ministério Público do Trabalho (MPT) e às entidades sindicais, determinando que o Governo do Estado de São Paulo cumpra uma série de medidas para garantir a proteção dos servidores e trabalhadores terceirizados das 176 unidades prisionais espalhadas pelo Estado de São Paulo, de forma a evitar o contágio do coronavírus.
Segundo as entidades sindicais, há milhares de pedidos de afastamento de servidores com sintomas da Covid-19, inclusive casos de internação e acometimentos graves da doença, além de óbitos comprovados.
No Distrito Federal, o MPT notificou o Sistema Penitenciário do DF após surto da pandemia de Covid-19 infectar mais de 60 pessoas no Complexo da Papuda.
Crédito: EBC
Fonte: SEEB do RJ