Cotada para entrar na pauta da Câmara, a Medida Provisória 927/2020 permite que empresas atrasem o recolhimento do FGTS, flexibiliza o regime de home office, libera a antecipação de férias individuais mesmo que o trabalhador ainda não tenha trabalhado o tempo exigido para desfrutar do descanso mensal, entre outras mudanças, para aliviar a pressão sobre empregadores durante a pandemia
Mas o relator da MP, deputado Celso Maldaner (MDB-SC), foi além. O deputado propôs o endurecimento de regras para o período da calamidade pública e alterações na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), aproveitando trechos que estavam na MP 905/2019, a do Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, que perdeu a validade sem ser votada no Senado.
Veja as principais mudanças:
Em seu relatório, Maldaner reduziu pela metade a multa a ser paga pelo empregador em caso de demissão sem justa causa durante a pandemia – de 40% para 20% sobre o saldo do FGTS. O texto original não altera o percentual da multa, mas livra o empregador do pagamento de juros sobre os valores não pagos durante a suspensão salarial.
Volta do domingo
Entre as mudanças permanentes, o relator propôs que o repouso remunerado aos domingos, hoje regra, seja apenas preferencial e amplia essa possibilidade para todos os setores, sem ressalvas. A CLT prevê que o repouso deve ser sempre aos domingos, “salvo motivo de conveniência pública ou necessidade imperiosa do serviço”.
Trajeto não entra como acidente
O relatório também flexibiliza a fiscalização trabalhista e restringe o reconhecimento de acidente de trabalho durante o trajeto do serviço. Aumenta, por exemplo, as situações em que deverá ocorrer a dupla visita dos auditores antes da autuação e também o intervalo entre elas.
O que é uma medida provisória?
Medida Provisória é uma ferramenta prevista pela Constituição Federal que possui força de lei, produzindo efeitos imediatos. Ela pode ser utilizada em situações de relevância e urgência. Para que se torne lei, entretanto, o Congresso Nacional deve aprová-la.
Caso não haja a aprovação, o Congresso deverá editar um decreto legislativo parar tratar dos efeitos jurídicos da MP durante o período de sua vigência. Ou seja, se a Medida Provisória não for aprovada pelo Congresso, os parlamentares terão que julgar se os efeitos que ela produziu enquanto esteve vigente podem ser considerados legais ou não.
Porém, caso o Congresso não edite esse decreto, todos os efeitos criados pela MP durante a sua vigência serão mantidos sem necessidade de julgamento da legalidade de cada um deles.
Do que se trata a MP 927 ?
A medida provisória 927, publicada em edição extra do Diário Oficial da União em 22 de março, é parte das iniciativas do governo federal para lidar com o surto de covid-19 no Brasil. A medida entrou em vigor no mesmo dia de sua edição e tem validade de 120 dias para tramitação no Congresso Nacional.
Ressalta-se que o texto da medida trata de ações a serem conduzidas pelo tempo em que durar o estado de calamidade pública no Brasil. Lembrando que o reconhecimento da situação brasileira frente à pandemia de covid-19 como estado de calamidade pública foi feito pela Câmara dos Deputados em 18 de março de 2020, e, entre outras coisas, autoriza o rompimento do teto de gastos pelo governo.
O foco principal da MPV 927 é econômico, pois visa atenuar o impacto prejudicial que o isolamento social terá no crescimento do PIB brasileiro. Tal impacto é resultante da necessidade de suspensão da produção de bens e serviços que implica o isolamento social. Embora cada governador e prefeito esteja adotando as providências cabíveis de isolamento considerando as características de cada localidade, em geral, todas as atividades comerciais foram interrompidas. A exceção fica por conta da produção de alimentos, medicamentos e outros bens essenciais, além de serviços de farmácia, infraestrutura, coleta de lixo, logística, bancos, correios, comércio local e venda de combustíveis.
Tendo em vista esta paralisação de inúmeros setores produtivos, a medida provisória 927 foi editada a fim de flexibilizar questões trabalhistas durante a pandemia. Assim, seu conteúdo abrange o teletrabalho, a antecipação de férias, a concessão de férias coletivas, o aproveitamento e antecipação de feriados, o banco de horas, a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho, o direcionamento do trabalhador para qualificação e o adiamento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Principais temas contidos na Medida Provisória 927
Teletrabalho
O capítulo II da MP autoriza empresas e instituições de trabalho a adotar o regime de teletrabalho, ainda que não haja acordos individuais ou coletivos. O teletrabalho é uma maneira de trabalhar de forma não presencial e por meio de tecnologias que tornem a rotina de trabalho possível.
É necessário, neste caso, o estabelecimento de um acordo por escrito entre as partes que regulamente a dinâmica do mesmo. Em específico, deverão ser firmados acordos que regulamentem o fornecimento de equipamentos e infraestrutura necessários ao exercício do teletrabalho, ou que estabeleça critérios de reembolso de despesas arcadas pelo empregado com tais instrumentos. Caso não seja possível o provimento dos itens essenciais para realização da função do empregado, ele deverá se manter a disposição do empregador no período da jornada normal de trabalho.
O capítulo ainda menciona que o trabalhador e o empregador poderão se comunicar por aplicativos e programas de comunicação (Whatsapp, Skype etc). Contudo, isto não será contabilizado como tempo à disposição, prontidão ou sobreaviso.
Férias e Feriados
No capítulo III, a MP concede ao empregado e ao empregador o direito de negociação da antecipação das férias, que deverão ser de, no mínimo, cinco dias e que poderão ser concedidas ainda que o período aquisitivo não esteja completo. Está permitido até mesmo a antecipação de períodos futuros de férias, situação em que a empresa poderá pagar o adicional de um terço de férias junto com décimo terceiro salário.
O capítulo também estabelece que o pagamento das férias poderá ser realizado até o 5º dia útil do mês posterior ao início do período de ausência do trabalhador para que ele desfrute das férias.
Em relação às férias coletivas, o capitulo III estabelece que, ao concedê-las, a empresa ou instituição de trabalho não necessita comunicar previamente órgão sindicais e trabalhistas, como o Ministério do Trabalho e o Ministério da Economia.
Para empregados que se enquadram no grupo de risco, haverá prioridade na concessão de férias, sejam elas individuais ou coletivas. Já profissionais de saúde ou que exercem funções essenciais, suas férias e licenças não remuneradas poderão ser suspensas, cabendo ao empregador comunicar o trabalhador com antecedência de 48 horas.
Em relação a antecipação de feriados, o capítulo autoriza a antecipação de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais, a partir de aviso prévio aos trabalhadores por parte dos empregados com antecedência de 48 horas.
Banco de horas e qualificação
No capítulo VI, a MP autoriza que empresas que utilizem banco de horas, usem o banco de seus funcionários para compensar a suspensão das atividades. Ou seja, os funcionários poderão se ausentar de suas funções e compensar a ausência com horas extras de trabalho após o fim da crise. A compensação deverá acontecer em até 18 meses, a partir do dia de encerramento do estado de calamidade pública. Além disso, ela poderá também ocorrer por meio de prorrogação de jornada em até duas horas, não excedente dez horas diárias.
Com isso, ao usar as horas extras, o empregado não irá trabalhar por agora, porém, no futuro, ele não será pago pelo período que trabalhar a mais dado que as horas do banco já foram utilizadas.
Segurança do trabalho
O capítulo VII da MP suspende a obrigatoriedade de exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares. Tais exames deverão ser realizados no prazo de 60 dias, após o encerramento do estado de calamidade pública.
Contudo, a suspensão não vale para casos em que o médico coordenador do programa de saúde ocupacional considere a não realização do exame um risco para a saúde do empregado. Além disso, no caso do exame demissional, sua suspensão só está autorizada se o trabalhador tenha feito exame ocupacional há menos de 180 dias.
Ainda, o capítulo suspende também a obrigatoriedade de realização de treinamentos periódicos e eventuais dos trabalhadores, previstos em normas de segurança e saúde no trabalho. Contudo, após o encerramento do estado de calamidade, estes treinamentos deverão ser realizados em até 90 dias.
Doença não relacionada ao trabalho
Já o artigo 29 da MP, admite que os trabalhadores que adquirirem o covid-19 não serão considerados doentes ocupacionais (isto é, doentes que foram contaminados com enfermidade no exercício de sua atividade laboral), exceto mediante comprovação do nexo causal (vínculo entre a conduta do agente e o resultado por ela produzido).
FGTS
Pelo capítulo IX, a MP suspende a exigência do recolhimento do FGTS pelas empresas e instituições de trabalho, referente aos meses de março, abril e maio, com vencimento em abril, maio e junho, respectivamente. Os valores correspondentes poderão ser recolhidos, a partir de julho, sob parcelamento, em até seis parcelas mensais. Não haverá incidência de multa e encargos para as empresas que declarem as informações até 20 de junho. Ressalta-se que a suspensão do FGTS não será válida em caso de demissão do trabalhador.
Além disso, o capítulo suspende igualmente os prazos processuais para defesa e recurso em processos administrativos de autos de infração trabalhistas e notificações de débito de FGTS.
Profissionais da Saúde
Em seu artigo 6, a MP autoriza a prorrogação da jornada de trabalho de profissionais da área de saúde (incluindo atividades insalubres e jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso) e adoção de horas suplementares no intervalo de descanso entre 13ª hora e a 24ª hora. É importante, contudo, que o empregador garanta o repouso semanal remunerado.
O artigo ainda prevê que as horas suplementares poderão ser compensadas por banco de horas ou hora extra, no prazo de 18 meses, após o encerramento do estado de calamidade pública.
Abono anual
O capítulo XI da MP prevê que que o pagamento do abono anual aos beneficiários da Previdência Social será feito em em duas parcelas, em abril e maio. Essa regra valerá para os beneficiários que, durante o ano de 2020, tenham recebido auxílio-doença, auxílio-acidente ou aposentadoria, pensão por morte ou auxílio-reclusão será efetuado em duas parcelas, em abril e maio.
Outras questões trabalhistas
A MPV 927 ainda autoriza o estabelecimento de acordo entre o empregado e o empregador a respeito de outras questões ligadas a acordos e convenções coletivas de trabalho. Os acordos estabelecidos neste período terão prevalência sobre os acordos anteriores. Como condição para execução desta iniciativa, a MPV 927 obriga o empregador a garantir expressamente a permanência do trabalhador no emprego durante o período de crise causado pela pandemia de covid-19.
Suspensão do contrato de trabalho
Com a justificativa de preservar empregos e rendas, o artigo 18 da MPV 927, que foi revogado no dia seguinte à edição da medida, previa que o empregador poderia suspender o contrato de trabalho por até quatro meses. Durante esse período, não haveria pagamento de salário, embora fosse mantido os outros benefícios como plano de saúde e vale alimentação, podendo a empresa oferecer ajuda compensatória mensal ao empregado, em valor acordado entre eles.
A suspensão poderia ser acordada individualmente entre empregador e empregado, não havendo necessidade de acordo ou convenção coletiva.
Durante a suspensão, a empresa ou instituição de trabalho era obrigada a submeter seu empregado a curso de qualificação profissional não presencial, na maior parte dos casos, atrelado à atividade profissional do trabalhador.
Fonte: Congresso em Foco e politize.com.br