Em 26 de fevereiro de 2018 saiu a sentença que o condenou “por três vezes, cada uma das vezes relativa a uma vítima, em continuidade delitiva, artigo 71, na forma do artigo 69, todos do Código Penal, à pena de nove anos de detenção, em regime inicial semiaberto”.
Durante mais de dois anos, trabalhadoras de uma agência bancária em São Paulo sofreram terror físico e psicológico, sendo molestadas pelo gerente-geral da unidade. Em todo esse período não conseguiram, da chefia imediata, nenhuma providência que alterasse a situação dramática de assédio sexual imposta pelo superior hierárquico.
Três mulheres, cansadas da humilhação, encheram-se de coragem e procuraram o Sindicato responsável pela área da agência. Só a partir daí pararam de sofrer.
A agência foi fechada por dias, até que o banco tomasse providências. Incentivadas pelo departamento jurídico do Sindicato de sua base – que acompanhou todo o processo – o gerente foi denunciado à Justiça.
Após a apresentação do boletim de ocorrência, lavrado em agosto de 2015, o banco instaurou procedimento interno, que levou à dispensa por justa causa do gestor.
Em 26 de fevereiro de 2018 saiu a sentença que o condenou “por três vezes, cada uma das vezes relativa a uma vítima, em continuidade delitiva, artigo 71, na forma do artigo 69, todos do Código Penal, à pena de nove anos de detenção, em regime inicial semiaberto”, conforme assinado pela juíza Cecília Pinheiro da Fonseca.
A coragem dessas trabalhadoras é um exemplo para todas as mulheres. E ilustra a força que tem a união entre o movimento sindical e a categoria. A prática de assédio sexual e moral é comum no sistema financeiro, atingindo principalmente as trabalhadoras. Juntos e juntas somos mais fortes e só assim podemos resolver situações absurdas como essas. É importante que outras trabalhadoras que estejam passando pela mesma situação deem um basta e não se calem diante dessa violência.
Omissão
Desde 2013 as trabalhadoras conviviam com a pressão do assédio sexual do gerente-geral que só foi encerrada em agosto de 2015, quando o Sindicato da região fechou a unidade por dias, em protesto contra a situação e cobrando providências da instituição financeira. Tão logo recebeu o boletim de ocorrência com a denúncia formal das bancárias, o banco afastou o gerente-geral para averiguação. E elas decidiram fazer a denúncia à Justiça.
Durante tempos elas buscaram ajuda da gerente administrativa e foram desprezadas. Além de se omitir, essa foi a única mulher em toda a agência que se dispôs a defender o assediador, chegando a dizer a uma das bancárias que “quem ele come ou deixa de comer é problema dele”.
Todas as demais trabalhadoras da unidade informaram ter passado por situações semelhantes nas mãos do chefe.
Almoço no motel
Uma das bancárias relatou que era chamada de palavras que faziam referência ao seu corpo. O gerente-geral, que prometia almoços para quem batesse metas de venda, insinuava em público que se fosse ela, o almoço seria num motel. E pressionava com ameaças de demissão.
Diante das recusas da bancária, ele passou a bloquear com o carro a saída dela do estacionamento, ocasiões em que chegou a tocá-la. Ela passou a ficar trancada no carro até que ele desistisse e, por fim, começou a se deslocar de transporte público para evitar esse contato. Chegou a se afastar em função da saúde abalada.
Quando voltou, passou pelo programa de reabilitação do banco e informou sobre o assédio sexual. A única recomendação da empresa: mudar de agência, o que ela tentou, sem sucesso. As transferências eram analisadas pelo próprio gerente-geral, que as barrava criticando falsamente a qualidade do trabalho da bancária.
“Preço”
O mesmo aconteceu com outra denunciante que tentou transferência e chegou a passar em entrevista, mas foi negada após a responsável pela outra agência entrar em contato com o gerente assediador.
Para essa bancária, o assédio começou ao ter um problema no caixa solucionado pelo gestor. Em função disso, ele começou a assediá-la, dizendo que “tudo na vida tem um preço”.
Tentava beijá-la e a seguia até o banheiro, tentando agarrar a trabalhadora. Também enviava mensagens de cunho sexual no telefone celular pessoal da bancária e cobrava em público respostas, dizendo que “afinal de contas é o chefe”.
Assim como sua colega, ela só ficou livre da violência quando decidiu procurar o movimento sindical que deu a ela todo o amparo psicológico e legal.
Beijo forçado
A outra trabalhadora começou a ser assediada após três meses de prestação de serviço na unidade. O gerente-geral disse que ela deveria se reportar a ele diariamente com um beijo, já que era o chefe. E foi se tornando cada vez mais agressivo, forçando contatos físicos, perseguindo-a até o banheiro, insinuando convites a motel.
Um dia, almoçando no refeitório da agência com um colega, foi pressionada na parede pelo assediador. O colega repudiou a atitude, mas foi ameaçado pelo gestor, dizendo que ele era o chefe e mandava ali. Da mesma forma que as outras, só teve paz com a atuação do Sindicato e o afastamento do agressor.
Sentença
Durante o julgamento, a gerente administrativa que se omitiu na defesa de suas colegas e se prestou ao papel de defender o gerente-geral, tentou diminuir a gravidade da conduta tratando-o como “muito brincalhão”. Mas foi forçada a reconhecer que “viu o réu beliscando as nádegas de uma funcionária”.
Quando interrogado, o acusado só conseguiu negar os fatos genericamente, “mas não apresentou qualquer explicação nem versão minimamente plausíveis”, informa a sentença.
“Assim, os elementos de prova presentes nos autos demonstram, de forma cristalina, o dolo do réu, ele que, visando exclusivamente satisfazer sua lascívia, perseguiu as ofendidas por vários meses, molestando-as diariamente, valendo-se, para tal, de sua posição hierárquica superior”, continua.
“Ainda, ressalto as consequências dos fatos para as vítimas, que foram submetidas a verdadeira tortura psicológica diária pelo acusado, com imenso reflexo no cotidiano pessoal, chegando [uma delas] a relatar que bateu o carro devido aos transtornos causados pela conduta do réu, que beirou o atentado violento ao pudor, superando, em muito, as elementares do tipo penal. Assim fixo as penas-bases no patamar máximo legal”, finalizou a juíza.
Sigilo
O movimento sindical não divulgou o banco ou nomes para preservar o sigilo da ação e a dignidade das trabalhadoras. O terror a que foram submetidas foi tamanho que até a estrutura familiar de algumas delas sofreu abalos.
O gerente-geral ainda pode entrar com recurso.
Fonte: SEEB SP