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Feminicídio cresce no país, apesar de aumento de ações no Judiciário

25 de junho de 2018

Estudo mostra que, em 2017, tramitaram 10,7 mil processos sobre este tipo de crime, mas só cerca de 5 mil resultaram em sentenças. Principal vítima é negra, com idade entre 18 e 30 anos

Levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgado na semana passada que avaliou a questão do feminicídio a partir do tratamento dado pelo Judiciário a estes crimes constatou que os casos de assassinatos de mulheres aumentaram 8,8% durante um período de 10 anos (de 2003 a 2013). E o número tem se mantido alto, mesmo com a criação de novas varas especializadas na aplicação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340). Conforme avaliação da maior parte destes processos, o principal perfil das vítimas continua sendo o mesmo: de mulheres negras, com idade entre 18 a 30 anos.

 

Mas a pior constatação do trabalho, intitulado O Poder Judiciário na Aplicação da Lei Maria da Penha é de que os tribunais não estão dando conta de atender toda a demanda relacionada a estes casos. Dos 10,7 mil processos em tramitação sobre o tema no ano passado, os magistrados só chegaram a dar perto de 5 mil sentenças.

 

O número é bem maior que o de 2016, que foi de cerca de 2 mil sentenças. Mesmo assim, mostra que mais da metade das ações continuam sem ter chegado ao fim.

 

Quando o recorte é feito a partir de números do ano passado, o percentual de crimes contra mulheres é ainda maior. Segundo o último Atlas da Violência – estudo elaborado conjuntamente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) –, os casos de feminicídio aumentaram 15,5% em uma década, passando de 4.030 ocorrências em 2006 para 4.645, em 2016 – média de 12,7 mortes por dia, praticamente um crime contra uma mulher a cada duas horas.

 

Para a socióloga Adriana Mota, integrante da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) e da Organização e Defesa dos Direitos e Bens Comuns (Abong) os dados não surpreendem, sobretudo, em relação ao perfil que envolve a mulher negra, infelizmente um dado antigo na sociedade brasileira.

 

“Temos uma hipótese de que quanto mais grave é a violência, mais preta é a cor da pele dessa mulher. Os principais casos observados de lesão dolosa e estupro, por exemplo, têm como vítimas em todo o Brasil, em sua maior parte, mulheres negras”, afirma. De acordo com ela, “existe uma interseção, no país, entre machismo e racismo”.

 

Na avaliação de Adriana, em geral a Justiça não é um lugar de conforto para as mulheres. E os julgamentos de crimes, a seu ver, tradicionalmente demoram anos para serem realizados, como evidenciam os casos mais famosos, como o da socialite Ângela Diniz, na década de 1970.

 

Apesar de reconhecer os esforços dos tribunais e do Judiciário como um todo para melhorar a situação, a representante da AMB e da Abong acredita que parte dessa estrutura se dá porque, nos judiciários estaduais há, ainda, “um espaço racista, machista e classista, mesmo tentando melhorar”.

 

O trabalho do CNJ, elaborado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do órgão, apresenta uma análise do quadro a partir de informações dos tribunais de Justiça. E constata que o volume de processos em tramitação é maior que a capacidade da Justiça de julgar os responsáveis por estes crimes.

 

Conforme o levantamento, a responsabilização criminal dos assassinos produziu 1.287 novos processos em 2016 e mais que o dobro no ano passado: 2.643 casos. 

 

Medidas protetivas

Dentro da Lei 11.340 (Lei Maria da Penha, de combate à violência doméstica e familiar de todo o tipo contra as mulheres, não apenas o feminicídio) varas diversas concederam, no ano passado, 236.641 medidas protetivas, número maior do que o de 2016, quando foram concedidas 194 mil medidas.

 

Os estados que registraram maior crescimento de medidas foram Goiás, Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, além do Distrito Federal. 

 

Entre as medidas protetivas de urgência previstas na legislação estão a suspensão de porte de armas do agressor, proibição de se aproximar ou manter contato com a vítima de agressão e, ainda, restrição judicial a visitas aos filhos.

 

“A resposta do Poder Judiciário aos casos de violência doméstica contra a mulher tem sido mais eficaz”, afirma  a presidenta do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, apesar de o estudo mostrar o volume de casos pendentes. 

 

“O Estado, que assumiu a responsabilidade de fazer a justiça no sentido humano, no plano do Estado-Juiz, tem que dar espaço para que essas pessoas falem, para que possamos dar a oportunidade da sociedade contribuir com as mudanças e também mudar a estrutura estatal que garanta que haja punição”, observa a magistrada.

 

Crime hediondo

O feminicídio passou a ser tipificado como crime hediondo em 2015, quando a Lei 13.104 normatizou o tema. “Apesar dos números altos, temos de nos perguntar se estes índices não estão sendo altos pelo fato de na última década ter havido maior preocupação no combate à violência contra a mulher do que nas anteriores, o que  por si só já é bastante positivo”, ressalta a socióloga Betina Vasquez, que elabora estudo sobre o tema para a Universidade de Brasília (UnB).

 

“Se por um lado há um grande número de ações nos tribunais, temos que lembrar que antes a grande maioria destas mulheres nem sequer tinha coragem de ir até uma delegacia denunciar seus agressores. Contar que foi agredida, acima de tudo, era vergonhoso para muitas delas”, diz Betina.

 

“A medida protetiva é muito importante para impedir mortes. A celeridade das ações é um fator de respaldo para que outras mulheres possam fazer denúncias e se sintam encorajadas a isso. A mulher precisa estar empoderada, segura”, afirma a assistente social Conceição Santos. Conceição atua no Instituto Maria da Penha, criado pela farmacêutica cearense que ficou paraplégica em razão de agressões sofridas do marido e deu nome à legislação.

 

Embora a agressão física praticada no ambiente doméstico seja a mais conhecida, a Lei 13.104 define violência doméstica e familiar como qualquer prática de violência contra a mulher, seja esta física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral, tais como ameaçar, constranger, humilhar, perseguir, insultar, chantagear e ridicularizar. Obrigar a companheira à relação sexual, por meio de intimidação ou uso da força, também está contido no mesmo artigo da lei.

 

A diretora da União Brasileira de Mulheres (UBM), Natália Gonçalves, também avalia o resultado do trabalho do CNJ como uma percepção do que há anos se vê na vida real das cidades, mesmo diante das muitas redes de proteção e política social implantadas na última década.

 

“Ainda temos a mulher pobre, que tem filhos, depende do marido para viver, não tem para onde ir se deixá-lo e vive uma série de outras situações que a impedem de procurar uma prevenção ou fazer uma denúncia por ter sido vítima de violência”, conta.

 

De acordo com Natália, apesar de toda a melhoria dos últimos anos, continua sendo tortuoso o caminho das mulheres com piores condições socioeconômicas para registrar ocorrência contra seus agressores. “Ela vai numa delegacia, de lá precisa ir no Instituto Médico Legal (IML) e aguardar para ser aberto o processo. A não ser que esteja correndo risco de morte, tem que esperar todos os trâmites para ter a devida proteção em caráter imediato”, ressalta.

 

“E estamos falando de mulheres que em sua maior parte não têm empregos, dependem dos maridos, não possuem apoio por parte de famílias. Há toda uma conjuntura por parte desse perfil de mulheres e negras, que no final das contas é só a ponta do iceberg”, revela.

 

Natália destaca que a Lei Maria da Penha até tem buscado uma rede integrada de proteção que passa pelas áreas de saúde, segurança pública, assistência social e Justiça, mas acha que é preciso atuar mais na prevenção. “Porque se deixarmos para atuar só no combate, ninguém vai dar conta”,alerta. Os números do Judiciário já mostram isso.

Fonte: Rede Brasil Atual

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