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“Diferença de classe” no SUS viola a Constituição

28 de maio de 2010

No processo constituinte de 1988, criamos no Brasil um sistema público de saúde (o SUS) para realizar uma ampla reforma da saúde no país. Um dos grandes sonhos de então, era transformar a saúde em um direito de todos, para acabar com a exclusão de grande número de pessoas do acesso à saúde, especialmente as mais pobres. O máximo a eles permitido era o acesso às “Casas de Caridade”, que deles exigia um humilhante atestado de pobreza.

Lamentavelmente, e para a surpresa da sociedade brasileira, vinte anos depois da criação do SUS (Sistema Único de Saúde), parece que nos arrependemos do feito e “queremos” lhe tirar a essência, que é a universalização. Refiro-me aqui, a decisão do Supremo Tribunal Federal, que julgou procedente a ação movida pelo Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), que institui a chamada “diferença de classe”. Ela permite que o cidadão pague uma diferença (quarto, médico, exames, medicamentos) e tenha um atendimento fora do padrão oferecido pelo SUS. Em outros termos, legaliza uma prática que já estava vigente, mas proibida.

Atuando longos anos na área da saúde, percebo a resistência do Cremers em implantar o SUS. Portanto, parece não haver nenhuma surpresa na ação movida. Obviamente, seria injusto se aduzisse esta prática a todos os indivíduos médicos. No entanto, a surpresa veio da mais alta corte de justiça do país, que em nome do argumento da “liberdade de escolha do paciente”, da “ampliação dos serviços do SUS” (que até agora não entendi a que se referem) aceitou a utilização desta prática, que fere de morte o preceito constitucional da saúde como direito de todos. Explico-me!

Esta decisão do Supremo fortalece duas filas, dois tipos de atendimento. Um para os que podem pagar e outro para os que não podem pagar, os pobres. Aos primeiros, um atendimento digno; aos últimos, uma pequena cesta básica, um mínimo em nome do “possível”, mesmo que isso lhe custe sofrimento ou até a morte.

A gravidade é que essa prática desconsidera o conteúdo fundamental dos direitos humanos, que exige que a política pública não faça nenhuma distinção entre as pessoas na efetivação dos seus direitos. O fato já me leva a imaginar sua triste conseqüência, a dizer, cidadãos, completamente fragilizados em seus leitos, e rodeados por seus próximos, precisando negociar com o complexo hospitalar a continuidade do seu direito mais básico, o direito à vida.

Ao invés de o STF se posicionar favoravelmente à ação que institui a “diferença de classe”, deveria exigir dos entes federados a implantação plena do SUS, estendendo o atendimento digno a todos, e não somente aos que podem pagar.

Afinal, se todos são sujeitos de direitos, por que para um grupo apenas o mínimo? Eis que urge fazer cumprir o que reza a Constituição em seu artigo 196: ‘A saúde é direito de todos e dever do Estado’!
Fonte: Escrito por Valdevir Both

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