Você sabia que as mulheres são as mais propensas a desenvolverem doenças ocupacionais? Ou seja, elas têm mais desafios a enfrentar quando o assunto é saúde no ambiente de trabalho
Alguns fatores podem ser apontados como causa desta realidade. Entre eles, a dupla jornada e o acúmulo de responsabilidades.
Uma pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, mostrou que as mulheres dedicam 18,5 horas semanais a cuidados de pessoas ou afazeres domésticos. Isso representou cerca de 70% mais tempo do que os homens (10,5 horas).
Além disso, estatísticas sobre o mercado de trabalho apontam que elas não usufruem das mesmas condições que os homens em diversos aspectos. Desde rendimento, formalização até a disponibilidade de horas para trabalhar.
A taxa de realização de afazeres domésticos das mulheres (92,2%) continua maior do que a dos homens (78,2%). Cozinhar foi a atividade com a maior diferença entre os sexos.
Acúmulo de responsabilidades pode prejudicar saúde e rendimento
Já houve épocas em que a ideia de saúde da mulher estivesse sempre relacionada à sua saúde reprodutiva, apenas. Hoje, com elas assumindo um novo papel na sociedade, este tipo de pensamento fica cada vez mais para trás.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a saúde está relacionada a vários aspectos: bem-estar físico, mental e social, além de acesso ao lazer, moradia, educação e mobilidade urbana.
Portanto, são diversos os fatores que podem implicar nesse bem-estar. O fato, por exemplo, de que as profissionais femininas acumulem mais tarefas em relação aos homens as tornam também mais propensas a terem doenças ocupacionais.
É importante entender que não, necessariamente, é só o trabalho que fará uma pessoa doer. Mas o peso de precisar equilibrar vários lados da vida pode trazer consequências.
A publicitária Rhaissa Vitor, 31 anos, passou pela experiência de precisar dar uma pausa no trabalho. Ela teve estafa, um desgaste do organismo que pode comprometer o desempenho em diversas atividades rotineiras, sejam elas físicas ou intelectuais.
“Venho de longos anos de muito trabalho no Rio e em São Paulo, e uma carga horária bem puxada, dentro de uma realidade nada tranquila. Cheguei ao ponto de ter crises de ansiedade e muita dor muscular nada desejáveis e em situações bem desconfortáveis: em casa ao acordar, insônias em dias que você precisa dormir para descansar a noite trabalhada, sudorese no meio de reuniões, taquicardia em calls, concentração e focos abalados por pequenas distrações”, conta.
Ela também diz que perdeu a vontade de fazer coisas que gostava, como ver gente e praticar esportes. Chegou a travar a cervical por tensão muscular e teve licença médica de três dias de repouso.
Em outro episódio precisou de duas semanas em casa para amenizar o quadro de síndrome de burnout. Um estado de esgotamento físico e mental cuja causa, segundo o psicólogo Herbert J. Freudenberger, está intimamente ligado à vida profissional.
Esgotamento profissional é mais comum em mulheres
Em um seminário realizado pela pela Fundacentro-PR, foi apontado que as mulheres são vítimas mais comuns de esgotamento profissional. A questão foi levantada pela enfermeira do Instituto Federal do Paraná (IFPR), Vania Camargo.
De acordo com ela, a mulher sofre com a sobrecarga da dupla jornada: ter um emprego e cuidar da casa e da família. Esse cenário pode levar ao burnout, que faz com que a pessoa se sinta sempre exausta e incapaz de trabalhar.
Dados de 2018 apontam que esse adoecimento afeta 30% dos trabalhadores brasileiros. Como modos de prevenir, lidar e combater a síndrome, a enfermeira indica a prática de esportes, meditação, sono adequado e acompanhamento psiquiátrico.
Foi justamente isso que a publicitária Rhaissa buscou. Desde que se viu nesta condição, identificou a necessidade de continuar buscando ferramentas e métodos que pudessem a apoiar na jornada:
“Desde então mantenho a terapia cognitivo comportamental toda semana, tomo florais ou psicoterápicos para acalmar o sono em semanas mais agitadas e me esforço para voltar mais ativamente para os esportes também.”
Hoje, trabalhando como producer e atuando na liderança operacional de campanhas, produtos digitais, produções audiovisual e ativações, ela já superou o desafio. Na época, quando seu estado impactou sua produtividade no trabalho, ela precisou encontrar saída.
Rhaissa conta que foi transparente com a sua liderança, quando foi necessário dar um basta e aceitar uns dias em casa. As demandas foram priorizadas e alguns prazos negociados.
Porém, como já apontado, não só a vida profissional que pode levar alguém a ter um esgotamento. A publicitária acredita que há inúmeros fatores que possam potencializar qualquer síndrome.
“A transformação da gente pode vir em meio ao caos e estará/está tudo bem. A dor é passageira e não compare seu sentimento com o de outros, conte com sua rede de amigas, das manas que passaram por isso. E os aprendizados desta fase de incertezas e grandes receios que devem prevalecer!”, observa.
Estudo aponta doenças com maior ocorrência entre as mulheres no trabalho
Em 2014, uma pesquisa feita pelo extinto Ministério da Previdência Social já apontava que as mulheres são mais vulneráveis a doenças causadas pelo trabalho. Alguns anos se passaram, mas o cenário não mudou muito.
A Agência de Saúde Pública de Barcelona, na Espanha, apontou que cargas de trabalho maiores do que 40 horas por semana podem acarretar problemas físicos e emocionais mais sérios do que se imagina. E, é isso que acontece com muitas mulheres que acumulam afazeres.
De acordo com o estudo, as doenças mais comuns entre as mulheres no ambiente de trabalho incluem Ler/Dort, enxaqueca, estresse, gastrite, ansiedade, depressão, fadiga crônica, endometriose, mioma, problemas cardíacos e alterações hormonais e psicológicas.
As Lesões por Esforços Repetitivos (LER) e os Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT) também são as doenças que mais afetam os trabalhadores brasileiros de modo geral.
Um levantamento do Ministério da Saúde feito em 2019 mostra que, em 10 anos, esses dois problemas de saúde representam 67.599 casos entre os trabalhadores do país. Índice aumentou 184% no mesmo período.
Mulheres subocupadas precisam equilibrar tarefas
Segundo o IBGE, em 2017, as mulheres eram cerca de 54% dos 6,46 milhões de trabalhadores subocupados. Ou seja, pessoas que trabalham menos de 40 horas semanais, mas gostariam de trabalhar mais.
Porém, mesmo trabalhando menos horas fora, elas dedicaram 73% mais tempo que os homens com cuidados pessoais e afazeres domésticos. Daí vem, em grande parte dos casos, a sobrecarga.
De acordo o coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, um exemplo dessa situação são as mulheres que têm filho pequeno:
“Que querem trabalhar mais, porém não conseguem, por não terem com quem deixar a criança”.
Além das doenças físicas e psicológicas e do acúmulo de tarefas, não se pode esquecer de outras situações às quais as mulheres são constantemente submetidas, dentro e fora do ambiente de trabalho.
Como assédio sexual e moral por parte de chefes e colegas, agressões, feminicídio, dentre outras, afetando assim a saúde e a segurança das profissionais das mais diversas áreas. Embora a legislação estabeleça medidas de proteção, elas ainda se mostram insuficientes.
>> Mais de 43% das mulheres sofrem assédio moral nas empresas
Fonte: Folha Dirigida – 07/03/2020