Considerada o “mal do século” pela Organização Mundial da Saúde, a depressão ainda é um desafio para médicos e pacientes
Muitas vezes o que parece óbvio para mim não é óbvio para todo mundo. Digo isso porque, quando estamos imersos no trabalho clínico, passamos a fazer automaticamente alguns processos que na verdade são decorrentes de uma série de questões. Digo isso porque me deparei com uma classificação simpática das depressões que é, em última instância, algo que a gente acaba fazendo intuitivamente no consultório e acaba nem se dando conta que está fazendo.
A psiquiatra Ellen Hendrikssen descreve os cinco tipos “não-oficiais” de depressão. Não é exatamente verdade, já que alguns desses tipos são oficialmente reconhecidos pela comunidade científica. Mas vamos lá:
1. Melancolia matinal
É o velho subtipo melancólico da depressão, já descrito há décadas. É um quadro depressivo que em geral tem insônia e perda de apetite muito pronunciados. A pessoa também não reage aos estímulos positivos, nada consegue alegrá-la nem por um instante. O mal estar e a angústia geralmente são mais intensos de manhã, daí o apelido.
2. Sofrimento Ansioso
Esse é um outro tipo oficial, recentemente incluído no DSM 5, o manual de doenças mentais americano. Em geral os sintomas de depressão e ansiedade se sobrepõem, e não nos é estranho o que chamamos coloquialmente de “depressão ansiosa”, situação onde os sintomas de ansiedade são bastante chamativos dentro de um quadro depressivo. Interessante notar que às vezes os sintomas de ansiedade surgem primeiro, podendo ser um prenúncio da depressão que virá depois.
3. Trauma persistente
Esse é “não oficial” mesmo. É um ponto onde a depressão faz fronteira com o transtorno de estresse pós-traumático. Muitos quadros de depressão são desencadeados por traumas ou situações semelhantes. Assédio sexual, assédio moral no trabalho ou bullying na infância e adolescência são situações clássicas. A dificuldade de superar esse trauma muitas vezes é um fator fundamental do adoecimento.
4. Luto
Não foi à toa que Freud comparou o luto à melancolia. Os sintomas associados à perda de um ente querido são deveras parecidos com os sintomas da depressão. Ultimamente vem havendo uma pressão para que o processo de luto seja cada vez menos tolerado e o quanto antes medicado. Sem querer entrar nessa questão, que estabelece números sempre arbitrários para o sofrimento das pessoas, é fato que o luto, de modo mais ou menos semelhante a outros traumas, às vezes se perpetua na forma de um tipo de depressão.
5. Falhas e contratempos
Esse subtipo descrito por Hendrikssen é bem parecido com outro tipo de depressão bem estabelecido, a depressão atípica. É um tipo de depressão com muito sono, muita fome e uma fadiga física absurda, chamada por vezes de “paralisia de chumbo”. A depressão atípica também tem como características uma hipersensibilidade a falhas e rejeições, assim como algumas faíscas de reatividade do humor. Ou seja, ao contrário da melancolia, nesses casos a pessoa consegue reagir por breves momentos; o que pode passar a falsa impressão de que ela está bem.
Depressão muda de pessoa para pessoa
Em última instância, cada depressão é uma depressão diferente, porque todos nós somos diferentes um do outro, de modo que um paciente que tenha os mesmos sintomas depressivos de outro paciente vai acabar apresentando nuances pessoais que tornarão o seu quadro único, como se fosse uma impressão digital. Por outro lado, existe quase que uma compulsão da ciência em buscar padrões dentro dessa grande variabilidade. Qual o sentido de nós tentarmos agrupar, de modo mais ou menos arbitrário, coisas que podem ser tão diversas?
Porque muitas vezes faz diferença. Algumas depressões vão bem com alguns remédios, outras com outro. Algumas precisam de eletroconvulsoterapia (que é o caso da depressão catatônica, não citada aqui). Algumas não vão bem com nenhum e precisam de algum tipo de análise ou psicoterapia para superar questões próprias. Às vezes passa despercebido, mas o próprio doente tem dificuldade de perceber seus sintomas, já que a imagem que ele tem da depressão pode ser diferente do que ele poderia ter.
Fonte: BLOG DO LUIZ SPERRY
Escrito por: Luiz Sperry – médico psiquiatra