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Belo Monte e seus impactos sobre os povos indígenas

29 de janeiro de 2012

Entrevista: Ricardo Verdum
Belo Monte é uma “manifestação de colonialismo interno” e está conectado à geração de energia para o setor mineral, afirma antropólogo

Além de todos os impactos ambientais apontados por ambientalistas, Belo Monte também poderá acentuar casos de prostituição na região de Altamira, alerta Verdum. Segundo ele, dez mil homens estão assentados, “imobilizados no canteiro de obras, e isso cria uma série de tensões e pressões, principalmente sobre as mulheres, não só nas cidades próximas, mas também mulheres indígenas e agricultoras. Elas são vítimas muito frequentes neste tipo de situação”.

Assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Ricardo Verdum participou do seminário que ocorreu recentemente em Brasília para discutir as obras de Belo Monte e os impactos que a usina causará nas comunidades indígenas que vivem no Xingu. Em entrevista à IHU On-Line, por telefone, ele conta que representantes da Funai e do Ibama, “órgãos do governo federal diretamente envolvidos no processo de licenciamento, que foi emitido no dia 26 de janeiro, não compareceram”.

Na avaliação do pesquisador, a população indígena ainda “é bastante dispersa. Por isso é necessário um trabalho permanente muito forte de discussão, informação, articulação”.

IHU On-Line – Quais foram os principais pontos discutidos no encontro em Brasília sobre a hidrelétrica de Belo Monte e a questão indígena?
Ricardo Verdum
– Em primeiro lugar, a não observância da consulta que deveria ter sido realizada de forma qualificada com os indígenas, que serão os principais afetados pela hidrelétrica de Belo Monte, seja pelo desvio do rio, que desencadeará uma série de problemas, como também pelos efeitos do processo de ocupação que será gerado por trabalhadores e outras pessoas que se deslocarão para aquela região atrás de emprego. Isso tem gerado tensões em torno da terra, dos recursos naturais, pressões sobre os territórios indígenas, conflitos de interesses. Essa observância dos procedimentos de consulta de consentimento prévio, que está estabelecida em capítulos específicos da Constituição brasileira e também na Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas assinada pelas Nações Unidas, não foi seguida.

Para o Seminário foram convidados representantes da Funai e do Ibama, que são os dois órgãos do governo federal diretamente envolvidos no processo de licenciamento que foi emitido no dia 26 de janeiro, mas não compareceram. Como representante governamental compareceu apenas um integrante da secretaria geral da Presidência da República, mas não se posicionou sobre o licenciamento. Os órgãos que deveriam estar lá não enviaram representantes.

A mobilização alcançada pelos indígenas contra Belo Monte é significativa ou ainda falta um trabalho mais forte em conjunto entre grupos étnicos e associações?
É necessário um trabalho mais forte. Dada a pressão que existe na região por parte dos empreendedores que estão visitando indígenas e ribeirinhos e por parte da Funai e do Ibama, dizendo que as populações serão compensadas, que haverá investimentos nas áreas de saúde, educação, produção. Além disso, a população é bastante dispersa. Por isso é necessário um trabalho permanente muito forte de discussão, informação, articulação. O próprio movimento indígena tem de ser fortalecido em suas formas tradicionais e nas mais modernas de organização para que coloquem em destaque seu ponto de vista, o desenvolvimento que querem para aquela região ou, pelo menos, para seus territórios.

Em que aspectos a obra trará riscos aos direitos indígenas?
Há grandes pressões sobre os territórios indígenas já demarcados e homologados. O canteiro de obras e o lago que será formado não chegam a se sobrepor aos territórios. Porém, na medida em que haverá impacto sobre o rio e sobre o pescado, criará obstáculos para o fluxo da pesca e para a reprodução dos peixes. A população daquela região depende muito do rio, que é uma grande fonte alimentar. Além disso, existe também um povo bastante isolado naquela região, para o qual a Funai já criou um grupo de trabalho específico e que atuará preventivamente. Todavia, dado o tamanho do impacto naquela região, com a ocupação e deslocamento de pessoas e a construção de estradas, esse grupo será muito afetado.

Embora estejam previstos investimentos na área de saúde e apoio à produção, não se sabe exatamente o que será feito, nem como. A população indígena, que é o objeto das condicionantes, dos investimentos que o empreendedor terá de fazer para mitigar os impactos, não tem sido ouvida adequadamente. Há uma série de vazios nas informações. Pessoas com as quais temos contato informam que sabem muito pouco sobre o que irá acontecer e relatam sobre uma atuação bastante precária da Funai naquela região.

Que grupos étnicos indígenas serão prejudicados por Belo Monte? Quais são as características dessas tribos?
Naquela região há cerca de oito grupos étnicos. Os que mais têm se movimentado são os kayapó. Mas basicamente todos os povos que estão na calha principal do rio Xingu serão, de alguma forma, impactados. Além dos kayapó, há os arara, arareute, apidereula, juruna e maracanã.

Quais serão os impactos de Belo Monte à cultura dos indígenas?
Alguns grupos étnicos estão mais distantes do rio Xingu e sofrerão impactos mais indiretos, relacionado ao pescado. Outros estão bem próximos ao canteiro de obras e serão bastante influenciados, atraídos pelo movimento. Alguns irão até trabalhar como funcionários. Outro impacto, caso não haja cuidado rígido, diz respeito à prostituição. São dez mil homens assentados, imobilizados no canteiro de obras, e isso cria uma série de tensões e pressões, principalmente sobre as mulheres, não só nas cidades próximas, como Altamira, mas também mulheres indígenas e agricultoras. Elas são vítimas muito frequentes neste tipo de situação. Não são apenas os indígenas prejudicados. Há uma série de comunidades de ribeirinhos, agricultores familiares que estão naquela região e que, se não forem deslocados, serão pressionados de alguma forma.

Durante a análise dos impactos de Belo Monte faltaram estudos antropológicos na região que será atingida pela obra?
Faltaram estudos e consultas às populações. A Funai apresentou alguns estudos, mas apontam uma série de problemas. Tanto que, internamente, quando seriam encaminhados os estudos prévios que embasaram a decisão do presidente da Funai, alguns funcionários manifestaram formalmente, através de documentos, que, como estavam sendo implementados as condicionantes, existia grande risco para as populações. Ou seja, inclusive internamente há uma crítica à qualidade dos estudos realizados. Assim como a Associação Brasileira de Antropologia, que congrega os principais antropólogos do país, também está insatisfeita com os estudos e com a licença prévia concedida.

Belo Monte é mais uma etapa de um descaso histórico com a riqueza cultural indígena?
É mais uma manifestação do que chamamos de colonialismo interno, expansão do processo de ocupação dessa região pela economia capitalista. É uma expansão geográfica que está chegando àquela região com um grande projeto e impactos significativos. Mas esse processo não se dá isolado, está conectado com um plano maior de ocupação, de geração de energia, principalmente para o setor mineral.

Como o senhor avalia o posicionamento da Funai no caso de Belo Monte?
O que temos visto é um papel bastante aquém do qual deveria ter como um órgão de defesa dos direitos dos povos indígenas. Tanto é que se manifestou à revelia das avaliações, não só internas, mas também da Associação Brasileira de Antropologia e das associações indígenas. Deveria ter se posicionado ao lado desses setores, com uma forma crítica ao empreendimento. A Funai tem hoje uma visão bastante complicada; ela inicia avaliando quanto custará o serviço de mitigação dos impactos. Esse deveria ser o segundo passo. As primeiras perguntas deveriam ser: a população será efetivamente impactada? Qual é o posicionamento do órgão?
Fonte: IHU Online

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