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“Agrotóxico vai contaminar a água”, afirma pesquisadora Raquel Rigotto

14 de março de 2011

A professora e pesquisadora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, Raquel Rigotto, alerta para o risco de contaminação das áreas agriculturáveis do país devido ao uso abusivo de agrotóxicos por parte das empresas do agronegócio.
Na entrevista, Raquel, que também é coordenadora do Núcleo Tramas – Trabalho, Meio Ambiente e Saúde, critica o modelo de desenvolvimento agrícola adotado pelo Brasil e prevê que a continuidade do atual padrão pode levar ao adoecimento da população, além de pouco contribuir para o abastecimento e a segurança alimentar no país.
Leia a seguir a íntegra da entrevista:
O Ibama divulgou no fim de janeiro uma pesquisa sobre os agrotóxicos, que confirma que 67% das vendas destes insumos estão na mão da Monsanto. Como isso se relaciona com um consumo tão grande de agrotóxico, o que isso indica em termos de alimentação e de segurança alimentar?
Em termos de alimentação, nós vamos ter um comprometimento importante na contaminação da água e na contaminação dos alimentos propriamente ditos e isso acarreta implicações muito importantes pra saúde humana. Há evidências que a ingestão de água contaminada com pequenas doses de diferentes princípios ativos de agrotóxicos podem provocar uma série de agravos à saúde, como o câncer. Especialmente o câncer de mama, já temos evidências de como o DDT, por exemplo, pode provocar alteração do sistema imunológico, alteração do sistema endócrino, do fígado, dos rins e da pele, alteração sanguínea, alergias, enfim, um amplo leque de agravos à saúde.

Em termos de segurança alimentar é importante a gente considerar também que o agronegócio está voltado para a produção de commodities, então ele tem ocupado terras agricultadas e terras férteis, tem se expandido através de biomas fundamentais para o equilíbrio ecológico como a Amazônia, o cerrado e a caatinga.

Com isso, ele concentra terra e reduz o espaço da produção da agricultura e com isso estamos assistindo à alta dos preços dos alimentos. Processo semelhante está acontecendo nos Estados Unidos com o etanol a partir do milho. Ações do agronegócio têm tido muita implicação na segurança alimentar, além da incompatibilidade da convivência entre o modelo de produção da agricultura camponesa e o modelo do agronegócio. 

Nós temos acompanhado por exemplo assentamentos do MST rodeados de empreendimentos do agronegócio, em que as pulverizações são muito frequentes e as chamadas pragas saem (das plantações) do agronegócio por causa do veneno e vão para as plantações dos camponeses. 
Sobre a questão da alta do preço dos alimentos, já faz alguns anos que se vem alertando pra isso. Qual vai ser a saída pra isso, se mantivermos a opção pela industrialização agrícola?
A gente tem uma artificialização cada vez maior do padrão alimentar da população em função disso, a soja, por exemplo, vai ser usada como componente da  ração que vai ser oferecida a animais, e isso volta pra nós em forma de ‘nuggets’.

Temos visto um crescimento rápido de obesidade entre adolescentes brasileiros. O IBGE mostrou que essa obesidade é acompanhada por um padrão nutricional precário, déficit imunológico, ingestão de várias substâncias químicas, como corantes e conservantes.  Também provoca uma contaminação por causa do lixo gerado pelas embalagens dos alimentos.
Há esforços governamentais no sentido de fomentar a ecologia como política de desenvolvimento? 
O que a gente percebe contemplando os orçamentos é uma enorme desigualdade. Se eu não me equivoco, em 2010 foram R$ 100 bilhões para o agronegócio e R$ 16 bi para a agricultura familiar. Uma coisa é você ter dentro do Ministério de Desenvolvimento Agrário um setor que cuida da agroecologia, com técnicos muito respeitados e apaixonados por essa causa. E outra coisa é você fazer disso o marketing verde do governo, pra esverdear o modelo de desenvolvimento, mas é algo que está fora da realidade.

Então o que a gente vê é que o governo federal não tem uma política voltada para isso. Por exemplo, há uma lei federal que isenta 60% do ICMS para produtos agrotóxicos. Temos um incentivo fiscal do governo federal ao consumo de agrotóxicos, uma lei como essa é uma antítese de uma escolha agroecológica.
A Anvisa vem sendo muito criticada pelos representantes do agronegócio no Congresso por ter passado a revisar o uso de algumas substâncias. Como é que a senhora vê esses ataques?
Essas empresas transnacionais, eu imagino que no planejamento estratégico delas umas das vantagens comparativas dos países do Terceiro Mundo, como a gente era chamado, é supor que não vão encontrar ali nem pesquisadores e nem instituições públicas com capacidade técnica de antever a evidência dos padrões que eles querem fazer aqui.

Eles ficam muito excitados. Eu identifico isso no caso dos servidores públicos da Anvisa – como servidora pública de uma universidade pública eu percebo isso. Não estava no plano deles ter um orgão público que venha ‘criar caso’, que venha aqui pra competentemente realizar o trabalho (de fiscalização).

A Anvisa tem tentado isso, ela tem tido dificuldades internas no governo. É necessário que a sociedade fortaleça esse tipo esforço para tratar com o devido rigor as “armas químicas”. É impensável que um cidadão qualquer – que pode ser um louco, um desequilibrado – possa chegar numa loja e comprar 100, 200, 300 quilos de agrotóxico, que é um veneno, desde que ele tenha dinheiro para pagar. Isso é inconcebível e insustentável do ponto de vista de política pública.
Em relação às consequências, você poderia citar alguns exemplos de casos crônicos de intoxicação por agrotóxicos, que não são tão aparentes e que não ocorrem logo após o uso?
Sim, são chamadas de efeitos crônicos dos agrotóxicos, que têm a ver com a exposição diária a pequenas doses de exposição de variados produtos. Ao longo de um tempo, de um ano, dois anos, a gente vê uma série de efeitos e ultimamente tem se discutido bastante sobre esse papel dos disruptores endócrinos, que às vezes ocupam o nosso corpo no lugar dos nossos hormônios sexuais.

Eles produzem alteração na fertilidade, má formação congênita nos fetos humanos e alterações neurocomportamentais: insônia, irritabilidade, alteração de memória e até alteração de comportamento mesmo, inclusive inclinações suicidas.

Já temos estudos na cultura do fumo no Rio Grande do Sul, da soja em Dourados, no Mato Grosso do Sul, e estudos internacionais comprovando a elevação da taxa de suicídio entre trabalhadores expostos ao agrotóxico.

Fonte: M

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