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A quem interessa que o caso Marielle não seja elucidado?

15 de março de 2022

Após cinco delegados, 11 promotores e denúncias de interferência na investigação, o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes completa quatro anos sem um desfecho

Há 1.461 dias sem respostas, a vereadora Mônica Benício (Psol-RJ), viúva da ex-parlamentar e ativista Marielle Franco, já adiciona à lista de perguntas sem respostas sobre o crime político que tirou a vida de sua companheira e do motorista Anderson Gomes, na noite de 14 de março de 2018, “a quem interessa que o caso Marielle e Anderson não seja elucidado”. O assassinato completou quatros anos ontem segunda-feira (14) e as famílias e as organizações em defesa dos direitos humanos ainda seguem perguntando quem matou Marielle e Anderson, quem mandou matar e por que.

 

A falta de um desfecho da investigação, em 48 meses, acende um alerta e justifica o questionamento. “São quatro anos de um crime de repercussão internacional, que foi escandalosamente uma das maiores violências que atravessou as nossas histórias nos últimos tempos e que abalou a nossa democracia. Em quatro anos sem resposta, acho que a gente deve começar a perguntar a quem interessa que o caso Marielle Franco não seja elucidado. Quais pessoas hoje não têm interesse em chegar nesta resposta porque ou há uma força maior (que impede) ou há uma nítida incompetência de todos os poderes envolvidos diante das investigações”, afirma Mônica Benício. 

 

Entre as perguntas mais reverberadas no Brasil – e no mundo –, apenas quem matou Marielle e Anderson começou a ser respondida. A vereadora e o motorista foram vitimados no momento em que passavam de carro, por volta das 21h, na rua Joaquim Palhares, no bairro do Estácio, região central do Rio de Janeiro. O veículo branco que Anderson dirigia foi alvejado com nove tiros na lataria e outros quatro no vidro, resultando na morte imediata dele e de Marielle.

 

Lessa e Élcio Queiroz

Às vésperas de se completar um ano do crime político, em março de 2019 o policial militar reformado Ronnie Lessa e o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz foram presos e acusados pelo Ministério Público do Rio como responsáveis pela execução dos assassinatos. Lessa teria atirado contra a vereadora enquanto Élcio Queiroz dirigia o veículo Cobalt prata que perseguiu Marielle. No início do ano passado, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) determinou a ida dos dois ao júri popular. Mas, até hoje, o julgamento segue sem data.

 

Em setembro de 2021, os advogados de Lessa apresentaram um agravo contra a decisão de levar o caso ao Tribunal do Júri. O recurso foi negado pelo TJ-RJ e encaminhado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na semana passada, familiares das vítimas e organizações da sociedade civil que formam o Comitê Justiça por Marielle e Anderson – criado em julho de 2021 para acompanhar as investigações – se reuniram com o ministro do STJ Rogério Schietti para pedir celeridade no julgamento do agravo e dos réus.

 

Segundo a advogada e mãe da vereadora, Marinete Silva, os familiares têm a esperança de que, diante de uma condenação mais elevada, os acusados revelem o nome ou os nomes dos autores intelectuais do crime. O ministro responsável por avaliar o agravo prometeu empenho. A diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck, acrescenta que, sem o julgamento, “não há confirmação da Justiça de que eles (Lessa e Élcio) sejam os executores”. 

 

As trocas e interferências

Para Jurema, as sucessivas mudanças nas administrações e nos órgãos de investigações, com trocas de delegados e promotores ao longo do caso, também contribuíram para a falta de celeridade nas investigações. Há pouco mais de um mês, na Polícia Civil, o caso foi para as mãos de Alexandre Herdy, o quinto delegado a assumir o caso. Outros três grupos diferentes de promotores ficaram à frente da investigação. 

 

Em julho de 2020, duas promotoras, Simone Sibilio e Letícia Emile, deixaram, de forma voluntária, a força-tarefa, criada meses antes para investigar o crime, denunciando tentativas de interferência externa. Ambas acompanhavam o caso desde 2018 e foram as responsáveis pela linha de investigações que chegou à participação de Lessa e Queiroz. 

 

“Foram três governadores (do estado). Perdi a conta de quantos secretários de Segurança Pública (passaram pelo cargo no período). O Rio estava sob intervenção na segurança pública, liderada pelo atual ministro da Defesa (Walter Braga Netto) que, à época, com o secretário de Segurança Pública nomeado por ele, o general Richard Nunes, declararam que já estavam perto da solução. Isso no primeiro ano da investigação sob a gestão deles”, lembra a diretora-executiva. “Ao longo desse período todo vimos vazamentos de todo o tipo nos jornais, mas o que a gente não viu foi justiça (…). Nos preocupa a descontinuidade, a demora, tudo o que não seja fazer justiça por Marielle e Anderson”, aponta. 

 

Perguntas sem respostas

Há três anos, a Anistia Internacional lançou documento com 23 perguntas sobre o caso Marielle e Anderson. Deste compilado, 14 questões permaneceram em aberto e integraram um dossiê publicado pelo Instituto Marielle, no ano passado. Até hoje, contudo, essas questões continuam sem respostas e avanços. Segundo o MP, há linhas de investigação e diligências a serem feitas no futuro. Na semana passada, o órgão disse ter recebido da Polícia Civil 1.300 imagens novas referentes às câmeras de segurança da prefeitura carioca e de prédios e hotéis na época do crime. 

 

Documentos, notebooks e cartões de memória apreendidos na casa de Ronnie Lessa também foram repassados aos promotores recentemente. O MP investiga a possibilidade ainda de os criminosos terem recebido apoio de um segundo carro. No início do caso, essa informação chegou a ser apontada, mas foi descartada pelo MP. As famílias e entidades da sociedade civil também questionam a origem das balas que vitimaram Marielle e Anderson. No local do assassinato, a polícia recolheu uma dezena de cápsulas e descobriu que a munição usada pertencia a um lote extraviado da Polícia Federal. Os familiares não sabem das conclusões sobre o desvio.

 

Há dúvidas quanto ao responsável por ter desligado as câmeras de segurança do trajeto de Marielle e Anderson. Em 2019, a Delegacia de Homicídios (DH) apontou o envolvimento de Lucas do Prado Nascimento da Silva, conhecido como Todynho, como o responsável por clonar os documentos do Cobalt prata usado pelos assassinos na noite do crime. O suspeito foi executado 20 dias depois da morte de Marielle, em provável queima de arquivo. Mas o Instituto Marielle Franco e a Anistia Internacional questionam se há ligação dele com o grupo de milicianos Escritório do Crime, chefiado então por Adriano da Nóbrega, também morto em 2020. O miliciano teve parentes empregados no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PL) quando era deputado estadual do Rio.

 

Marielle, um símbolo

“Não há avanços, são muitas perguntas sem respostas”, critica Jurema Werneck. A diretora também ressalta que a responsabilidade de apresentar as respostas nesse momento está com o governo do Rio de Janeiro, chefiado por Cláudio Castro (PL), que, segundo ela, tem se omitido em relação ao dever da transparência, como denunciou no ano passado. “E nós temos essa preocupação, externada pela família de Marielle e de Anderson, que é a falta de acesso de seus advogados aos autos”, aponta. “As vítimas têm o direito à verdade e à informação. Elas têm o direito de ouvir de todas as autoridades envolvidas o que está acontecendo.”

 

De acordo com ela, enquanto o crime contra Marielle e Anderson segue sem resposta, “a mensagem que se passa é a da impunidade”. “De que é possível matar alguém como Marielle Franco no terceiro país do mundo onde mais se matam ativistas, e ficar por isso mesmo. Porque quem mandou matar está levando quatro anos livre”, completa. 

 

Mônica Benício teme ainda que o ambiente político, em ano de eleições, contamine as investigações. Para ela, “infelizmente”, explica, “é difícil ter esperança em um ano em que temos personagens eleitoreiros fazendo política e politicagem principalmente com o nome da Marielle”. A vereadora aponta que há uma “tentativa de destruição da memória de Marielle como representatividade”. O que, por outro lado, é “muito simbólico de ver”, já que a vereadora representava a “política da esperança”, uma oponente para o “avanço da política bolsonarista”.

 

Atos por Justiça

“Marielle representa para nós, mulheres, população LGBTQIA+, negra, periférica, essa nova esperança na política como um símbolo. Para eles é interessante que esse símbolo seja destruído para que não haja a preservação dessa memória. Mas estamos aqui para garantir que isso não vai acontecer e que Marielle será lembrada para sempre na história desse país, como deve ser, e que seguirá sendo inspiração para todas as mulheres feministas, socialistas e a população LGBT. Ela é nosso farol de esperança para tempos melhores neste país”, conclui a viúva.

Crédito: Anistia Internacional
Fonte: Rede Brasil Atual
Escrito por: Clara Assunção

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Publicado por: Gustavo Mesquita

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