Em um dos muitos casos, o Santander foi condenado por danos morais a uma bancária, que se sentiu humilhada por ter sido estimulada a alcançar metas ainda que isso lhe custasse a troca de favores sexuais.
Não há dúvidas: a mulher está mais sujeita ao assédio sexual em todas as carreiras e isso se deve, principalmente, à cultura de "objetificação do corpo feminino" e pela ideia enganosa de que mulheres "dizem não querendo dizer sim", já que esse tipo de mentalidade infelizmente permeia toda a sociedade, independente da condição social ou do nível de escolaridade.
Embora sejam fenômenos recentes, os assédios moral e sexual no local de trabalho estão muito presentes no dia-a-dia, e as vítimas, na maioria dos casos, são mulheres. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicam que 52% das mulheres economicamente ativas já foram assediadas sexualmente.
O principal efeito que o assédio sexual produz no contrato de trabalho é a sua dissolução, através do pedido de demissão, abandono de emprego e rescisão indireta (quando a despedida ocorre motivada por ato danoso praticado pelo empregador).
Segundo o movimento sindical, o assédio sexual é o segundo maior problema enfrentado pelas mulheres no ambiente de trabalho, ficando atrás somente dos baixos salários. O Sindicato das Secretárias do Estado de São Paulo (Sinesp) realizou pesquisa com suas filiadas e, destas, 25% disseram ter sido assediadas sexualmente pelos chefes.
Mais de 30 anos de assédio
Os primeiros estudos realizados sobre o assédio no ambiente de trabalho tiveram início na década de 1980, quando o psiquiatra alemão Heinz Leymann publicou um pequeno ensaio científico, com base em longa pesquisa que pretendia demonstrar as consequências do assédio – principalmente na esfera neuropsíquica. Foram analisadas pessoas expostas a situações humilhantes no trabalho, provocadas tanto pela chefia, quanto pelos colegas. O fenômeno do assédio foi identificado por Leymann com a expressão mobbing, que deriva do verbo inglês to mob e em português, significa maltratar, atacar, perseguir, sitiar. Foi também ele quem descreveu e analisou diferentes comportamentos hostis nas relações de trabalho, especificamente os que vitimavam os empregados.
"As características que hoje são utilizadas na configuração do assédio moral remontam aos estudos de Leymann, que identifica mais de 45 comportamentos" relata a ministra Cristina Peduzzi, do Tribunal Suprior do Trabalho (TST). Segundo o pesquisador, para caracterizar o assédio deve haver frequência nos atos praticados contra o empregado.
O assédio moral expõe os trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, levando a vítima a se desestabilizar emocionalmente. "Identifica-se a ocorrência de comportamentos comissivos ou omissivos que humilham, constrangem e desestabilizam o trabalhador, afetam a autoestima e a própria segurança psicológica, causando estresse ou outras enfermidades", afirma a ministra Peduzzi, observando, ainda, que a maioria das ações que correm na Justiça do Trabalho por assédio moral são ajuizadas por mulheres.
Já o assédio sexual, na definição da Organização Internacional do Trabalho (OIT), são atos, insinuações, contatos físicos forçados, convites inconvenientes, que apresentem as seguintes características: condição clara para manter o emprego, influência em promoções na carreira, prejuízo no rendimento profissional, humilhação, insulto ou intimidação da vítima.
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) o define como sendo a abordagem, não desejada pelo outro, com intenção sexual ou insistência inoportuna de alguém em posição privilegiada que usa dessa vantagem para obter favores sexuais de subordinados. O assediador oferece uma vantagem na empresa, ou ameaça demitir a vítima, por exemplo. Entretanto, o assédio sexual é difícil de ser comprovado pelo fato de envolver apenas duas pessoas: o assediador e o assediado. Sem contar que muitas vítimas, por receio, preferem o silêncio, com medo de perder o emprego, principalmente se dependem dele para seu sustento e o da família, e aí são inevitáveis consequências psicológicas, como a depressão.
Profissões de risco
De acordo com a advogada Sônia Mascaro Nascimento, autora dos livros "Assédio Sexual" e "Trabalho da Mulher: das proibições para o direito promocional", existem profissões em que a mulher está mais sujeita ao assédio sexual por propiciarem a ação do assediador e serem exercidas em espaços privados, com pouca ou nenhuma profissionalização e com reduzido número de empregados, como acontece com as domésticas.
Outra profissão, segundo ela, é o secretariado. "A facilidade do abuso decorre do fato de muitas vezes o trabalho da secretária ser solitário, o que a isola de outros setores da empresa, o que também gera sensação de isolamento e medo da denúncia", afirmou Sônia.
Sônia Mascaro destaca a complexidade de se fazer prova do assédio sexual, já que a vítima depende de testemunhos sobre condutas de mesma conotação cometidas contra outras trabalhadoras ou relatos sobre o nervosismo da vítima após reuniões, conversas ou o simples contato com o agressor. A advogada observa que e-mails, bilhetes e outros tipos de mensagem com "cantadas" ou convites para sair também servem como prova do assédio.
"A dificuldade de provar o assédio sexual e de punir o agressor também decorre da tolerância de nossa sociedade em face da agressão contra a mulher, vista muitas vezes como natural", ressalta. Por conta disso, a maioria das mulheres tem medo de denunciar seus assediadores, ou por vergonha do ocorrido, ou por medo de que a culpa recaia sobre elas mesmas.
Um julgado do TST chamou a atenção da advogada, no qual um salão de beleza foi condenado a indenizar uma manicure, que sofreu assédio sexual do proprietário. Comprovou-se o assédio pelo depoimento dos colegas de trabalho que relataram os constrangimentos sofridos pela manicure, entre eles, os constantes elogios e comentários insinuantes do proprietário quando tocava as partes do corpo dela.
Troca de favores sexuais para alcançar metas
São inúmeros os casos envolvendo assédio moral contra a mulher que tramitam na Justiça do Trabalho. Há de tudo, casos envolvendo apelidos maliciosos, atitudes racistas e discriminatórias, homofobia, exigência do cumprimento de tarefas desnecessárias, ausência de atribuição de serviços, isolamento do empregado, entre outros.
Em um deles, o Banco Santander foi condenado a pagar indenização por danos morais a uma bancária, que se sentiu humilhada e constrangida por ter sido estimulada por um gerente regional, em reunião com os subordinados, a alcançar metas determinadas pelo Banco, ainda que isso lhe custasse a troca de favores sexuais. Ela disse ter ficado satisfeita com a condenação do Banco e revelou que outras colegas presentes à reunião também ficaram indignadas e registraram o ocorrido no Sindicato da categoria.
Recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho julgou um caso grave, que corre em segredo de justiça. Trata-se de uma empresa, na qual todas as trabalhadoras do sexo feminino de um determinado setor foram assediadas sexualmente. Comprovou-se, ainda na Primeira Instância (Vara do Trabalho) o tratamento desrespeitoso e ameaçador que o responsável pelo setor dispensava às empregadas, caracterizando-se, dessa forma, o assédio sexual. A sentença que condenou a empresa ao pagamento de indenização por danos morais foi mantida pelo Regional e pelo TST.
Num outro caso, duas empresas foram condenadas a pagar indenização por dano moral a uma adolescente menor vítima de assédio sexual. A mãe da menor acionou a Justiça do Trabalho, após o relato da filha de ter sido assediada sexualmente por um dos sócios-proprietários da empresa.
Embora entendesse não ser fácil provar esse tipo de assédio, o juiz de Primeiro Grau se convenceu da veracidade dos fatos narrados pela menor, não apenas porque outra testemunha dissera ter sido assediada pela mesma pessoa, mas principalmente com base em um episódio ocorrido durante viagem a Belo Horizonte, segundo o sócio, para comprar material de construção. Além dele, foram a menor e outra empregada e, conforme relato da menor, ela fora conduzida à porta de um motel, tendo sido exibida a carteira de identidade da outra empregada, numa tentativa de fazê-la passar por maior de idade.
Embora tenham negado o episódio do motel, o sócio e a empregada confirmaram a viagem, fato que levou o juiz a aceitar a versão da menor, principalmente por não haver explicação do motivo pelo qual o sócio teria viajado a Belo Horizonte, durante o expediente, com duas empregadas, sendo uma menor de idade, de quem nem assina a carteira de trabalho, assinalou o juiz na sentença.
Diante disso, o magistrado condenou as empresas a pagarem indenização por danos morais à menor, no valor de 100 salários mínimos. A condenação foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (3ª Região) e pela Quarta Turma do TST.
Crime
Somente na década de 1990, mais precisamente, é que as discussões sobre o assédio sexual começaram, mas foi em 2001 que a prática passou a ser considerada crime, pela Lei nº 10.224/2001, que acrescentou o item A no artigo 216 do Código Penal: constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função e determinou a pena, que é a detenção de 1 (um) a 2 (dois). Entretanto, só é válida se o agressor tiver posição hierárquica superior à da vítima, não se aplicando no caso de pessoas que exercem a mesma função.
Magistrados, doutrinadores e advogados são unânimes quanto ao fato de que comprovar o assédio sexual não é tarefa fácil e isso dificulta a propositura da ação, mas dizem que as provas obtidas por meio de gravações telefônicas, e-mails e testemunhas são válidas.
Cartilha
Atentas ao problema, grandes empresas têm adotado políticas antiassédio sexual ostensivas, esclarecendo seus empregados sobre a conduta delituosa e suas consequências por meio da assinatura de termos de compromisso e palestra sobre o tema. A preocupação se justifica ante as decisões judiciais que condenaram empresas a pagar indenizações por danos morais, por julgarem-nas corresponsáveis pelas atitudes de seus empregados.
Também preocupado com o problema, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) lançou em 2010 a cartilha "Assédio Moral e Sexual no Trabalho" com o intuito de conscientizar vítima e agressor sobre esses assédios, meios de identificá-lo, mas, acima de tudo como evitá-los.
Fonte: TST