Alterações nas estratégias das instituições financeiras estão entre as causas predominantes do estresse
O aumento da hostilidade nas condições de trabalho tem provocado piora na saúde física e mental dos bancários do país. A revelação faz parte de pesquisa de mestrado da Unicamp concluída em fevereiro último pela economista e ex-bancária Taíse Cristina Gehm. No estudo, ela aponta que diversas transformações nas instituições financeiras, sobretudo entre os anos de 1990 e 2000, contribuíram para o aprofundamento da pressão nas relações de trabalho entre os profissionais.
“Essa pressão no trabalho, resultado de constantes cobranças sobre vendas e metas, tem se tornado uma fonte de adoecimento dos bancários. As principais doenças estão relacionadas às LERs/ Dorts [Lesões por Esforço Repetitivo/ Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho] e doenças psíquicas”, aponta a pesquisadora, que trabalhou no extinto banco Nossa Caixa entre 2006 e 2007.
As causas predominantes do estresse no trabalho dos profissionais estão relacionadas com as alterações nas estratégias das instituições, iniciadas a partir da década de 1990. Taíse Gehm cita o aprofundamento do processo de automação; a externalização das atividades, como a terceirização e a introdução dos chamados correspondentes bancários; e o estabelecimento de metas sobre vendas.
“O fim da inflação, a partir da década de 1990, provocou mudança na estrutura dos bancos. Com a estabilização da moeda, as instituições buscaram outras formas de rendimentos, adotando novas estratégias, que alteraram a própria natureza do que é ser bancário. A busca pela lucratividade e a redução de custos têm resultado em piores condições de trabalho, como maior pressão sobre os bancários e um ambiente de insegurança”, contextualiza a economista graduada pela Unicamp.
A pesquisa de Taíse Gehm foi conduzida junto ao Programa de Pós-Graduação do Instituto de Economia (IE), sob orientação do docente José Dari Krein. Ela realizou entrevistas qualitativas com bancários tendo como referência o Banco do Brasil (BB) e o processo de incorporação do Banco Nossa Caixa em 2009. O estudo foi financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Conforme a estudiosa, foram entrevistados trabalhadores do BB, dentre eles, bancários provenientes da Nossa Caixa. Ela informa que a investigação também se apoiou em levantamento do perfil dos profissionais dos bancos públicos, realizado a partir da Relação Anual de Informações Sociais e dos Relatórios Anuais do Banco do Brasil.
“A finalidade do estudo de campo foi captar a percepção dos bancários sobre as alterações ocorridas, e também entender o impacto disso na vida deles, com destaque para a saúde física e mental. O objetivo das entrevistas foi também identificar o sentimento dos bancários frente a essa incorporação”, justifica.
Na dissertação, são citados dados do Relatório Anual do Banco do Brasil, que demostram aumento de 42% nas taxas de lesões entre 2008 e 2011. Ao mesmo tempo, a taxa de dias perdidos apresentou pouca variação. Isso acontece, segundo a pesquisadora, porque os bancários doentes sentem-se pressionados a não faltarem e não se afastarem.
“Há forte cobrança de toda a equipe para que a produtividade seja mantida. A política adotada no BB faz com que a falta de um funcionário prejudique a equipe inteira. E quando um profissional se ausenta, o banco não envia outro funcionário para suprir a falta do funcionário doente”, critica.
Mudança no perfil
Com as transformações no sistema das instituições financeiras, os bancários passaram de intermediários de transações para vendedores de produtos e serviços, afirma a economista da Unicamp. De acordo com ela, essa mudança no perfil dos trabalhadores tem implicado em cobranças diárias sobre o cumprimento de metas relacionadas a vendas de produtos e serviços.
“Um grande elemento das metas são as vendas, não que elas tenham um peso maior nos pontos da agência. Só que as vendas são importantes para o reconhecimento do funcionário, pois ele acaba tendo um melhor relacionamento. As entrevistas fortemente indicaram que as vendas são um componente para a progressão do funcionário no Banco do Brasil”, detalha.
“Atualmente, os bancários estão sendo chamados de ‘bancários vendedores’. São pressionados e cobrados a oferecer e vender produtos que, muitas vezes, consideram dispensáveis aos clientes. A principal questão é a venda, mas eles precisam dar conta dos trabalhos burocráticos e administrativos. Muitos profissionais se sentem frustrados”, completa Taíse Gehm.
A economista lembra que o fim dos ganhos com a inflação e o crescimento da renda da população impulsionaram os bancos a buscarem outras estratégias para elevar suas receitas. Entre elas, destacam-se a cobrança de tarifas e a venda de produtos e serviços, como seguros, consórcios, cartão de crédito, empréstimos, financiamentos e previdência privada.
Outro elemento que gera hostilidade nas relações de trabalho é o sistema de Participação nos Lucros e Resultados (PLR). Isso porque a PLR possui dois componentes: uma remuneração fixa e outra variável, relacionada diretamente com o cumprimento de metas.
“A PLR é definida por agência e não por funcionário. Se a agência bate a meta, vai ter uma PLR maior. Caso contrário, vai receber uma PLR menor. E o funcionário tem que se engajar para conseguir a pontuação. Isso é uma faca de dois gumes, porque ao mesmo tempo em que é coletivo, causa cobranças de colega a colega”, expõe.
Automação
O uso crescente da tecnologia gerou aumento de produtividade e consequências negativas ao trabalho dos bancários. A pesquisadora da Unicamp considera que o avanço tecnológico e a racionalização produtiva estão associados ao movimento intenso de reestruturação bancária.
Ela exemplifica citando o sistema de comunicação eletrônica de dados, que substitui o atendimento tradicional nas agências bancárias. O objetivo, esclarece a investigadora, foi sedimentar uma estrutura administrativa mais enxuta, resultando em desemprego e pressões nas condições de trabalho.
“A automação reduz o tempo morto do trabalho, tornando a atividade mais intensa. A finalidade é o aumento da produtividade. Um bancário disse, por exemplo, que se sente no big brother porque o seu chefe não precisa estar perto dele, controlando. Ele faz isso online, pelo sistema do computador”, relata.
Terceirização e correspondentes
Na busca por redução de custos, as instituições financeiras promoveram uma série de terceirizações. Houve também a possibilidade de realização de atividades fora das agências, com os serviços dos correspondentes bancários, exercidos por lotéricas, Correios e comércio.
“Essas medidas situam-se na lógica de busca por maiores lucros e aumento da competitividade. Como atividades terceirizadas no Banco do Brasil destacam-se a retaguarda e compensação, segurança, limpeza, digitação e o setor jurídico. Alguns bancos também terceirizam atividades de telemarketing”, exemplifica a ex-bancária.
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Taíse Gehm observa que os entrevistados são contra a terceirização de atividades típicas do bancário. Muitos concordam, no entanto, que a terceirização de segmentos como limpeza, telefonia e segurança é benéfica para o banco. Isso pode refletir uma questão de identidade dos próprios bancários, analisa.
“Muitos acreditam que para algumas ocupações a terceirização é positiva, possivelmente como afirmação do status das ocupações dos bancários. O posicionamento deles acaba sendo uma maneira de se diferenciarem dos trabalhadores que exercem atividades não bancárias”.
Alguns profissionais também são favoráveis aos correspondentes externos, menciona a pesquisadora da Unicamp. “Este tipo de atividades tira os clientes do banco, diminuindo filas e a quantidade de trabalho. Mas tem a questão da insegurança que estes correspondentes geram. Pelo que eu percebi nas entrevistas, os caixas se sentem bastante afetados pelos correspondentes bancários. Eles enxergam, no futuro, a própria extinção dos seus cargos”, pondera.
Fonte: unicamp.br