Uma batalha judicial com desdobramentos até em delegacias de polícia, envolvendo o banco do terceiro homem mais rico do Brasil, tem sua primeira sentença. A Justiça de São Paulo condenou o Banco Safra, do bilionário Joseph Safra, a devolver pelo menos R$ 65 mil, mais correções monetárias, a uma família de lojistas de Campinas. Eles acusam o banco de fraudar contratos em branco para aumentar os juros combinados.
Na decisão, o juiz Fábio Henrique Prado de Toledo, da 2ª Vara Cível de Campinas, determina que o valor seja usado como crédito para abater uma cobrança judicial de R$ 92 mil do banco contra os Gobbo, donos da rede de calçados Bootco.
A princípio, a dívida foi reduzida em 71%, para R$ 26 mil. Mas o magistrado mandou recalcular também valores pagos anteriormente pelos lojistas. Por isso, na estimativa de Carlos Augusto “Guto” Gobbo, a família passou a ser credora do banco.
O juiz julgou dois processos ao mesmo tempo, que se referem a apenas uma das empresas do grupo calçadista. Ao todo, são 18 processos judiciais, movidos pelo banco e pelos lojistas numa briga que já acabou até na delegacia.
Guto entende que esse é o indicativo de que as outras ações terão o mesmo destino. “Em todos os meus processos com eles, vai inverter a história; de devedores, credores”, prevê o lojista.
Como mostrou a Revista Congresso em Foco, o Safra contratou um detetive particular armado para seguir funcionários da Bootco. Preso em flagrante com facas, munições e pistola, o investigador foi liberado após pagar fiança. Guto considerou a perseguição uma ameaça por causa da batalha judicial.
O banco disse à polícia que o empresário distribuiu panfletos difamatórios contra o Safra e que, para confirmar isso, contratou um investigador privado. O caso está sob investigação no Ministério Público.
Cartões e cheques
Conforme admitiu o Safra, o banco firmou contratos em branco com os Gobbo, para antecipar vendas feitas por meio de cartões de crédito. Na ação, o juiz menciona também vendas feitas com cheques pré-datados.
Na audiência, que aconteceu em 29 de maio, a ex-gerente do Safra Denise Artem Ataíde confirmou a assinatura de contratos em branco. Ela já havia declarado à polícia que a instituição em que trabalhava aproveitou esse detalhe para duplicar os juros combinados com os clientes usando canetas de ponta porosa para preencher os documentos.
De acordo com os autos do processo, foram feitas 101 operações de crédito entre o banco e a empresa Mocamp, do grupo familiar dos Gobbo. O juiz Fábio Toledo considerou os abusivos juros cobrados pelo Safra. Isso porque não poderiam ter sido usados juros compostos, os mais onerosos para o consumidor, em uma dívida que sequer estava formalizada.
Toledo destacou uma perícia apresentada pela família de lojistas contestando as taxas cobradas, “na qual constou que a taxa aplicada destoa da média de mercado, divulgada pelo Banco Central”. “Diante disso, há de se reconhecer um pagamento a maior por parte da autora da importância de R$ 60.735,80”, disse o magistrado.
Fábio Toledo ainda condenou o Safra a pagar, em dobro, o valor das taxas de abertura de crédito de cada contrato que extrapolaram R$ 7. Segundo Guto, eles pagaram R$ 30 em cada operação. Ou seja, seriam mais R$ 4.646 a creditar em favor dos lojistas. Todos os valores pagos a mais devem ser corrigidos monetariamente em 1% ao mês.
Recálculo
Os valores deverão ser usados para abater dívida que o Safra cobra da família. A dívida era de R$ 145 mil. Com os pagamentos feitos pelos Gobbo, baixou para R$ 81 mil em 2007, segundo documentos do próprio banco. Mas esse, com juros e multas, a conta chegou a R$ 92 mil.
O juiz Toledo afirmou que a cobrança de juros sobre juros sobre essa dívida foi “indevida” e determinou que ela fosse recalculada. Segundo Guto, na prática, a taxa vai ser reduzida de 3,3% para 2,5% ao mês.
O Safra optou por não prestar nenhum esclarecimento a respeito do assunto. “O Safra não se manifesta sobre questões ‘sub judice'”, limitou-se a responder a assessoria de imprensa das organizações de Joseph Safra. Também não prestou esclarecimentos sobre a análise de que a família Gobbo virou credora do banco.
Ainda cabe recurso da decisão do juiz da 2ª Vara Cível de Campinas.
Fonte: UOL Notícias