Ante a falta da AstraZeneca, opção será adotar a Pfizer para a segunda dose, receita que diversos estudos apontam para bons resultados. Incertezas são maiores em relação à terceira dose
Diante da falta de vacinas da Fiocruz/AstraZeneca em São Paulo, o governo estadual decidiu adotar um regime combinado (heterólogo) para completar o esquema vacinal. Aqueles que tomaram a primeira dose deste imunizante poderão receber a segunda dose da Pfizer. Em outra estratégia heteróloga, idosos e imunossuprimidos tomam terceiras doses de outro fabricante, que pode não ser o mesmo do qual tomaram as duas primeiras. Apesar das dúvidas que surgem sobre as combinações, estudos e cientistas apontam que elas são seguras e eficazes, apesar de repletas de detalhes.
A Inglaterra, por exemplo, foi pioneira em adotar o sistema heterólogo com AstraZeneca e Pfizer. Em alguns casos, a combinação mostrou eficácia maior do que o esquema único (homólogo). Entretanto, em São Paulo, pessoas que foram se vacinar ontem (13) com Pfizer, na falta da AstraZeneca, foram surpreendidas com a necessidade de assinatura de um “termo de ciência de inter-cambialidade excepcional e emergência”.
A divulgadora científica e editora de Ciências do Jornal da USP, Luiza Caires, considera um erro a necessidade do aviso. “O regime AstraZeneca + Pfizer é seguro, aplicado em outros países, e há estudo disponível. Não vejo razão, exceto alguma norma que eu desconheça, para que as pessoas sejam obrigadas a assinar um termo para recebê-lo, como estão fazendo em São Paulo. Isso gera insegurança (…) Ainda que isso faça parte de alguma norma, ela deveria ser revista”, disse em uma publicação em uma rede social.
Segurança
A biomédica pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Mellanie Fontes-Dutra confirma a segurança da utilização de imunizantes diferentes e cita uma boa variedade de estudos conduzidos em diferentes partes do mundo. “Existe uma escassez de doses da AstraZeneca para a segunda dose de algumas pessoas, e tem-se recomendado a Pfizer, numa combinação AstraZeneca na primeira dose e Pfizer na segunda dose. É seguro? Gera resposta? Sim e sim”, afirma.
Da mesma forma com a CoronaVac. Em um destes levantamentos, realizado na Tailândia e publicado na plataforma científica Research Square, os resultados foram considerados animadores. O estudo comparou o regime homólogo, com duas doses de CoronaVac, e a combinação com a AstraZeneca. “Todos os participantes, após a segunda dose e independente mente do regime recebido, tiveram presença de anticorpos contra regiões específicas da proteína Spike do SARS-CoV-2. A combinação heteróloga (CoronaVac/AstraZenecva) teve os níveis mais altos do que os dois regimes homólogos avaliados”, aponta Mellanie. O estudo levou em conta a cepa original de Wuhan e as variantes alfa e beta.
Covid no Brasil
Especialistas são unânimes em apontar para a alta eficácia das vacinas contra a covid-19 e todas as suas variantes em circulação. Contudo, completar a imunização com duas doses vem se mostrado cada vez mais essencial, diante de cepas mais agressivas, capazes de maior escape vacinal. Ou seja, podem circular entre vacinados.
O Brasil ultrapassou a marca de 587 mil vítimas do vírus e 21 milhões de infectados. É o segundo país mais afetado pelo vírus, atrás apenas dos Estados Unidos. Contudo, o avanço da vacinação vem apresentando reduções significativas nas curvas epidemiológicas.
Terceira dose
Outro problema tem relação com a aplicação da CoronaVac como terceira dose. Muitos países, incluindo o Brasil, adotaram a aplicação de doses de reforço em idosos e imunossuprimidos. A OMS faz constantes apelos à comunidade internacional para que não apliquem a terceira dose em pessoas fora destes grupos. Isso em razão da ampla desigualdade na distribuição de vacinas no mundo.
A cientista Sarah Gilbert, coordenadora da equipe que desenvolveu a vacina da AstraZeneca, concorda. “Vamos examinar cada situação. Os imunocomprometidos e os idosos receberão reforços. Mas não acho que precisamos dar reforço para todo mundo. A imunidade está durando bastante na maioria das pessoas”, disse,em entrevista ao periódico inglês Telegraph.
Para o epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Jesem Orellana, diante dos números ainda reduzidos da vacinação no Brasil, completar a imunização da maior porcentagem de pessoas possível seria mais adequado. “Em termos de saúde pública e pensando em efeitos diretos e indiretos da vacinação, mais importante do que a terceira dose em idosos, seria criar mecanismos para viabilizar a primeira dose em quem não tomou a vacina ou a segunda naqueles que estão com o esquema ainda incompleto”, disse à RBA.
Qual imunizante
Outro ponto polêmico em relação às doses de reforço tem relação com qual imunizante aplicar. O Ministério da Saúde recomendou prioridade na aplicação de Pfizer, seguido de AstraZeneca e Janssen, nesta ordem. A CoronaVac ficou de fora da orientação, o que provocou reações entre governos estaduais. São Paulo e Rio de Janeiro não devem cumprir a recomendação. “O ministério atua desde o início da pandemia para desqualificar uma das melhores vacinas disponíveis no mercado. Estudos mostram que dose extra de CoronaVac oferece robusta reação imunológica e aumento na produção de anticorpos”, disse o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, na semana passada. A estatal é responsável pela produção do imunizante no Brasil, em parceria com a chinesa SinoVac.
Duas visões
Existem duas visões sobre o tema. Covas cita estudos da própria SinoVac que apontam para boa resposta imunológica da terceira dose. “Uma terceira dose de CoronaVac administrada seis meses ou mais após uma segunda dose é eficaz em reforçar resposta imune específica ao Sars-Cov-2. Isso indica que duas doses provocam boa memória imunológica”, afirma o estudo, publicado na revista científica Medrxiv.
“Estudos mostram que a vacina gera boa memória imunológica com o regime de duas doses e essa memória pode ser ‘evocada’ diante de um estímulo (aplicação de terceira dose). É possível que uma terceira dose (de CoronaVac) possa ser indicada para a população mais velha ou com alguma imunossupressão. Não porque o regime de duas doses não confira boa proteção, mas porque essa população previamente tem uma resposta imune menor”, lembra a biomédica Mellanie Fontes-Dutra.
Incertezas
Entretanto, o mesmo estudo reconhece uma queda em resposta imunológica após seis meses. O infectologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Julio Croda recomenda que o imunizante seja evitado como dose de reforço. “Há dois estudos de dose de reforço com intervalo de três semanas em relação à segunda dose, um com CoronaVac/AstraZeneca, conduzido na Tailândia, e outro com CoronaVac/Pfizer, conduzido em Hong Kong. O esquema de três doses de quem recebeu CoronaVac e depois recebe a vacina de vetor viral (AstraZeneca) ou RNA (Pfizer) mostra uma resposta de dez a cem vezes maior em termos de anticorpos neutralizantes. Os dois estudos de terceira dose com Coronavac tiveram entre cinco e sete vezes aumento de anticorpos”, disse à Folha de S.Paulo.
Em razão das incertezas naturais, já que os estudos de doses de reforço estão sendo conduzidos diante de uma vacinação massiva ainda em andamento, muitos cientistas compartilham com a visão de Croda. Um levantamento feito pela Fiocruz no último mês, identificou que a CoronaVac apresenta eficácia de 75% para pessoas até 79 anos, com queda para 67,2% até 89 anos e 33,6% para idosos acima de 90 anos. Sendo assim, apesar de a vacina se mostrar altamente eficiente para a população geral, uma postura conservadora no sentido de aplicar imunizantes mais “certeiros” para os públicos vulneráveis pode ser positiva.
Crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Fonte: Rede Brasil Atual com edição da Comunicação do Sindicato dos Bancários de Santos e Região
Escrito por: Gabriel Valery