CD dedicado à obra do compositor baiano Roque Ferreira e à riqueza da cultura popular do nosso país.
O novo disco de Roberta Sá é um rito de oração – brasileiro, intenso e delicado –, que traduz a essência de uma música que se inspira no que a cultura popular tem de melhor. Realizado em parceria com o Trio Madeira Brasil, Quando o canto é reza (Universal) reúne 13 canções do baiano Roque Ferreira e se oferece como homenagem ao compositor lançado em 1979 por Clara Nunes, parceiro de vários sambistas.
Há quatro anos, Roberta registrou uma faixa de Roque e se deliciou com a experiência. “Ele tem melodias lindas e letras fabulosas, isso é o que atrai na obra dele. Este casamento perfeito dá sentido à canção: cada letra é um romance, uma história incrível, parte do imaginário brasileiro”, diz a cantora. O álbum resulta do encontro bem-sucedido de Roberta com os instrumentistas do Trio Madeira Brasil. Depois de uma temporada de shows em parceria com os veteranos, Roberta não teve dúvida de que era preciso intensificar o trabalho com a gravação de CD que valorizasse aquela genuína afinidade.
“Comecei a pensar nesse repertório em 2006, a partir de pesquisa que ocorreu sem pressa e simultaneamente ao processo de gravação do meu segundo disco solo. Há química entre nós, que vem da generosidade de todos de fazer com que cada um tenha seu espaço”, comenta. Para a cantora, Quando o canto é reza não destaca o potencial dos solistas, mas de um grupo de artistas com desejo verdadeiro de fazer música com exuberância, sem perder a simplicidade.
A estreia de Roberta Sá com o trio ocorreu no exterior, no projeto Noite no palácio, em Portugal. Desde então, ela conta, foi fácil criar intimidade musical com Marcello Gonçalves (violão de sete cordas), Zé Paulo Becker (violão e viola caipira) e Ronaldo do Bandolim (bandolim). Os percussionistas Zero e Paulino Dias, entre outros convidados, se juntaram a eles no álbum.
Apesar de aparentemente distante, o universo retratado por Roque Ferreira expõe familiaridade com a tradição da cultura brasileira, como elementos herdados de mestres como Dorival Caymmi e Jorge Amado. No CD, Roberta Sá e Trio Madeira Brasil oferecem visão particular sobre a forma como o compositor aborda esses temas, estreitamente relacionados com o Recôncavo Baiano, o candomblé, as matrizes africanas e suas interseções com a cultura negra. Cada faixa é marcada por tratamento sofisticado e cuidadoso, levando em conta especificidades históricas, ao mesmo tempo se revelando conectado com o presente.
Depois de um mês em estúdio para os primeiros ensaios, cantora e instrumentistas fizeram prévias em centros culturais para definir repertório do disco. Nos shows, o grupo testou arranjos, experimentou diferentes formas de interpretação e aprimorou as canções. “Foram muitos testes ao vivo, buscando a melhor maneira de cada um brilhar em seu instrumento em favor do acabamento”, diz.
A preparação refinada facilitou o registro final, em que todos gravaram juntos a primeira base e sem interrupção, para criar atmosfera de intimidade. A turnê de lançamento começa mês que vem, em Salvador. A expectativa é apresentar o show no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Minas Gerais e no Nordeste. “Iremos para onde o disco nos levar. Como temos outros trabalhos, decidimos que a turnê não tem hora para acabar. A baianidade pede calma, para ser desfrutada por muito tempo”.
Ronaldo do Bandolim concorda. Para ele, a prioridade da agenda é apenas a estreia. Uma vez iniciada a série de shows, ele espera que a turnê alcance todo o país e o exterior – oportunidade de revelar um Brasil com “sabores musicais” bem diferentes dos divulgados habitualmente.
O instrumentista elogia Roberta Sá e lembra do encantamento surgido já nos primeiros encontros. “Ela é uma pessoa fácil de lidar, canta muito bem. Como nós não somos complicados e gostamos de desafio, acreditamos na proposta de trabalhar a música do Roque e nos dedicamos intensamente aos arranjos”, conclui.
Filho da Bahia
Roque Ferreira nasceu em Nazaré das Farinhas, no interior da Bahia, em 1947. Ele se mudou para Salvador aos 14 anos e desde cedo se dedica às rodas de samba. Melodias ricas e versos curtos caracterizam sua escrita. Ele é parceiro de Zeca Pagodinho, Dudu Nobre, Martinho da Vila e Beth Carvalho. Foi gravado por Maria Bethânia e Mariene de Castro. Em 2004, Roque lançou, pela Biscoito Fino, o CD Tem samba no mar. Muito prestigiado na Lapa carioca, o autor vem chamando a atenção da nova geração de artistas, apreciadores e intérpretes do samba.
Fonte: u